Silvana Rubino me perguntou o que eu achava dos cenários de residências da série dinamarquesa Borgen (1), que desandei a ver. Na verdade, percebi poucas coisas – a onipresença das luminárias Louis Poulsen, as cadeiras série 7 do Jacobsen no escritório do novo partido.
A casa familiar (a primeira) de Birgitte & família parece ter compromisso entre passado e presente. Móveis de madeira, como se herdados dos pais. Depois, as mudanças, o apartamento com vista para o canal com móveis muito mais marcantes, inclusive aquele sofá vermelho e uma modernidade um tanto yuppie, que correspondia à vida de executiva da protagonista. Mais tarde, o apartamento menor e mais tradicional, quando ela volta a ser política. E que traz aquele compromisso com certa durabilidade, promessa da social-democracia daquelas bandas.
Mas o que me chamou mais atenção foi o mobiliário da Magis na sala do novo diretor da emissora de TV. Recostado sobre a cadeira Voido do Ron Arad, o executivo arrogante quer colocar o jornalista de meia idade na linha, na sua linha. E o pobre só encontra pra se sentar a Spun, aquele banco pião delicioso pra quem está a fim de brincar. Ele cria uma instabilidade amedrontadora e não foi feito para posições estáveis.
Pensei em como esses móveis plásticos foram criados na sequência da atenção que os designers modernos italianos desenvolveram para o mobiliário infantil: é só lembrar das cadeiras empilháveis e Vico Magistretti e de Joe Colombo. Plásticas, coloridíssimas, foram se tornando o paradigma da produção pós-moderna que deu para infantilizar o público adulto.
Essas salas de “executivos criativos”, todos de olho nos likes das audiências, são criadas com o discurso de promover a flexibilidade, tão de acordo com o caráter 'flexível' do capitalismo contemporâneo. Sob esse ar de informalidade estaria uma promessa de não hierarquia, de respeito às individualidades etc.
Mas vemos acontecer o contrário. E o mobiliário é uma peça a mais de humilhação do maduro chefe de redação.
nota
1
Borgen, série de TV, criação de Adam Price, Dinamarca, 2010-2013.
sobre a autora
Ethel Leon é jornalista, pesquisadora, professora na área de história do design brasileiro e autora dos livros Memórias do design brasileiro, IAC – Primeira Escola de Design do Brasil, Michel Arnoult, design e utopia – móveis em série para todos e Design brasileiro – quem fez, quem faz.