A semana do Dia dos Professores impõe uma reflexão sobre os sentimentos contraditórios que nos assaltam nestes tempos tristes.
Poucas coisas são mais gratificantes do que receber o reconhecimento, a homenagem e o carinho de ex-alunos ou de seus pais e a reafirmação do caráter nobre de nossa função.
Mas é inescapável a constatação de que esse reconhecimento, catalisado pela efeméride, está em contradição com a realidade dura do resto do ano.
Realidade que vem assumindo ares de paroxismo nos últimos quatro anos. Somos acusados de promover balbúrdia, de doutrinar crianças inocentes, de permitir ou estimular a libertinagem, de incutir nos jovens perversidades de gênero e de, graças a nossos injustificados privilégios, atentar contra o equilíbrio fiscal do Estado.
Essas e outras “homenagens” já se tornaram nosso cotidiano, com variações que correspondem às diferenças internas das condições de trabalho da própria categoria profissional. Da pergunta “você trabalha ou só dá aulas?” que docentes universitários estão acostumados a ouvir até as agressões físicas e morais que vêm de alunos ou até pais nas escolas públicas da periferia, a realidade cotidiana desses profissionais está muito longe do carinho (sempre bem-vindo, claro) do 15 de outubro.
Como preparação ao ritual anual, o atual “ministro” nos homenageou com a afirmação de que “professores são aqueles que não conseguiram ser outra coisa na vida”. Não sabemos se ele próprio se considera um contraexemplo, na medida em que “conseguiu” ser o terceiro desministro de um desgoverno de milicianos cujo objetivo explícito é “passar as boiadas” de destruição da educação, da cultura e do patrimônio nacional.
Aqui mais perto, o governador Dória pretendeu dar uma demonstração de sensibilidade à intensa mobilização contra os atentados às universidades e à Fapesp embutidos no PL 529 e concordou com a retirada delas de sua pauta de desmonte do estado paulista. Mas a mão de gato, que domina à perfeição, pretende retirar da Fapesp, por meio do orçamento do ano que vem, aquilo que não conseguiu retirar agora.
Pode e deve ser matéria de debate quais seriam as motivações dos governantes autoritários e truculentos, que dominaram o país nos últimos quatro anos, contra a educação e os professores. Mas a experiência já mostrou que vieram da educação, de estudantes, professores e, sim, de muitos pais, as maiores manifestações de oposição aos nossos desgovernos, federais ou estaduais.
Como nada indica que os desgovernantes desistirão de destruir o país, nós não desistiremos de defendê-lo.
Professor, sim, com orgulho. E nunca quis ser outra coisa.
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – IAU USP São Carlos.