Eu já contei esta história em outra oportunidade, mas hoje quero contar de novo.
Uma das maiores realizações do meu currículo é um roubo a banco, em plena luz do dia e em pleno centro da cidade. A cidade em questão é Chivilcoy, no oeste da província de Buenos Aires, onde eu passava parte dos verões, e o roubo aconteceu, se não me falha a memória, no verão de 1984 para 1985.
Além de mim, também participaram do assalto o meu irmão Javier Jayo e dois primos, Paulina e Lautaro, filhos da minha tia Evangelina. O plano foi muito bem arquitetado por mim e pela Paulina, que éramos os dois mais velhos. Javier e Lautaro, os dois caçulas, participaram da execução e foram impecáveis.
Escolhemos um sábado à tarde, e não foi por acaso: bancos fecham nesse dia, mas salões de beleza estão abertos e lotados. Minha tia cabeleireira, Maricha Jayo, ocupada com as freguesas e o movimento, não teria como prestar muita atenção em nós àquela hora. E de fato, não notou os quatro sobrinhos subindo discretamente até o telhado do salão.
De cima do salão da minha tia, conseguimos passar para outro telhado, o do vizinho Hotel Iglesias. E do telhado do hotel era possível pular para outro, de um prédio de esquina onde funcionava (até hoje funciona) uma agência do Banco Francés del Río de la Plata. E para lá fomos, munidos de sacolas.
Ali nos fundos do banco, havia (não sei se ainda há) um enorme pé de figo, que estava carregado. A volta foi muito mais difícil que a ida, pois tivemos que passar de um telhado para outro carregando várias sacolas cheias.
Minhas duas tias, como era muito previsível, ficaram escandalizadas, fulas da vida. Mas aproveitaram o produto do roubo para fazer compota, o que também era previsível. Era tanto figo que a família inteira passou o resto do ano comendo doce.
Reconto hoje esta história do velho oeste (do meu velho oeste, o da província de Buenos Aires) porque nela continuarão vivendo, quando passar a tristeza, dois personagens que acabam de nos deixar. A tia Evangelina morreu na sexta, e hoje de manhã perdemos também o Lautaro, o mais jovem dos quatro ladrões. Mãe e filho nos deixaram com apenas cinco dias de diferença. Farão muita falta – sobretudo Lautaro, que parte tão dolorosamente e tão jovem – mas continuarão intensamente vivos em memórias felizes como essa.
– Un beso, Taro!
sobre o autor
Martin Jayo é professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.