Numa manhã de agosto do ano passado a equipe do documentário Pessoal do Ceará – Lado A Lado B – O filme chegou ao escritório do arquiteto Campelo Costa, na Avenida Santos Dumont, umas das vias centrais de um dos bairros históricos de Fortaleza, aldeia Aldeota. E como diz a emblemática canção de Ednardo, “Terral”, batemos na porta pra aperrear o sempre simpático Campelo, e nos contar as hilariantes histórias que ele viveu, presenciou e até provocou no mítico Bar do Anísio, espaço-gênese afetivo onde começou toda uma geração da música cearense, do pensamento, das inquietações e esperanças.
Campelo, com seu eterno ar de galã do cinema francês da década 1960, nos recebeu com uma enorme mesa de café. As elegantes e simpáticas funcionárias, aproximavam-se dele, ajeitavam a gola da camisa, passavam uma escova em seus capelos brancos, e atenta uma dizia, “Seu Campelo, o senhor vai aparecer num filme, que chique”.
Take 1, take 2, take 3 e tantos takes de Campelo desfiando histórias e delas soltando gargalhadas. De repente, o chão rústico do Bar do Anísio tomou o lugar do piso brilhante de seu escritório, tão forte e preciso cada detalhe de sua fala.
Ao final, me puxou para um lado e perguntou quantos tinham ali na equipe. Sentou-se a uma mesa com uma pilha pesada de dois livros de sua autoria, Crônicas de um sonho dos sonhos ou delírios vesiculares, de 2021, e Traços de um percurso artístico, desenhos artísticos a lápis, com ensaio de Roberto Galvão, lançado em 2018. Conversando sem parar, autografou exemplares para todos.
Quando já nos preparávamos para sair, perguntei-lhe como devo identificá-lo no filme, além de arquiteto. “Não, coloque somente desenhista. Sou um artista do desenho, na arquitetura e na vida, Venancio”.
E agora, neste começo de noite de uma terça-feira em que ainda choramos amigos que se foram no céu de abril (Carlos Emílio, Tarcísio Sardinha, Natalício Barroso, Luizinho Duarte), recebo a notícia que Campelo partiu, como se o mês passado não tivesse acabado. Como inacabada ficou agora a arquitetura de seus dias em nossas vidas.
sobre o autor
Nirton Venancio é roteirista e diretor, professor de literatura e cinema, realizou os curtas-metragens “Um cotidiano perdido o tempo” (1988), “O último dia de sol” (1999), “Dim” (2007) e o média “Walking on water” (1990) para a TV inglesa HouseTop. No momento finaliza o documentário longa-metragem “Pessoal do Ceará – Lado A Lado B”.