O tempo histórico, como se vê, estica e encolhe, freia e acelera, tanto na longa duração, que se mede em gerações ou séculos, quanto na curta, que se mede em meses ou semanas.
Em menos de 10 dias, Lula obteve o reconhecimento da violação de seus direitos civis e políticos pela Comissão de Direitos Humanos da ONU; mereceu uma longa entrevista e a capa da revista Time e convidou 4 mil pessoas para o pré-lançamento da chapa Lula – Alckmin, com apoio de 7 partidos políticos, Centrais Sindicais, movimentos organizados e personalidades do mundo jurídico e da cultura.
No mesmo período, o alto comando das forças armadas abandonou pruridos e aderiu ao discurso de justificativa prévia para a rejeição ao previsível resultado eleitoral. E boa parte dos que até agora repetiam a ladainha de que as instituições estavam funcionando passaram a constatar o golpe em andamento.
No meio dessa barafunda afinal se comprova que não é nas universidades públicas, mas nos quartéis, que se produz a balburdia, além da farta distribuição de viagra, e que no Ministério da Educação se produz a alquimia que transforma verbas da educação em barras de ouro para os pastores amigos.
Sem tempo para respirar, os atarantados analistas das seis famílias, inventoras da natimorta terceira via, não sabem muito bem como explicar porque Victoria Nuland, Subsecretária Adjunta do Departamento de Estado, viajou ao Brasil para renovar a mensagem que os atuais governantes do império “tem muita confiança no sistema eleitoral brasileiro”.
Curiosamente toda a mídia aproveita para lembrar que há cerca de um ano atrás, essa profissão de fé veio de ninguém menos que o chefão da CIA, William Burns, que teria sugerido a altos integrantes do governo Bolsonaro, que o governo parasse de levantar suspeitas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas.
Se a informação, só agora revelada, é verdadeira, significa que a todo-poderosa agência de espionagem do império, com larga folha corrida de apoio a todo tipo de golpes no planeta, incluído o brasileiro de 1964, perdeu seu prestígio ou capacidade de persuasão com os militares brasileiros.
Victoria Nuland, que já serviu sob Clinton, Bush, Obama e Biden, integra o que os analistas chamam de “deep state” dos EUA, aquele que segue governando não importa quem esteja na presidência.
Recentemente voltou à cena a propósito da crise da Ucrânia, na qual está envolvida desde pelo menos 2014, quando foi uma articuladora central no golpe que depôs o governo pró-russo, financiou a organização do famoso Batalhão Azor e ditava aos seus interlocutores quem deveria ou não liderar o novo regime.
Desta vez, correu o noticiário internacional um ato falho em que reconheceu, num depoimento formal ao Senado estadunidense, que havia muita preocupação com a possibilidade de que o exército russo se apropriasse dos laboratórios químicos que seu país mantém ou apoia em solo ucraniano.
Inevitável a pergunta sobre o que a levaria a abandonar por 48 horas a gestão da crise ucraniana para reiterar que seu governo não apoiaria um golpe de estado na mesma semana em que o alto comando das forças armadas “exigiu” do Superior Tribunal Eleitoral a resposta a mais de 70 questionamentos feitos por “especialistas militares” sobre o funcionamento das urnas eletrônica, ao mesmo tempo em que o governo brasileiro “desconvidava” a comissão de observadores europeus que acompanharia o processo eleitoral.
O golpe ainda não foi dado, como advertem aqueles que estão preocupados com o fatalismo de sua aceitação. Mas não dá mais para negar que a cúpula das forças armadas discute claramente a perspectiva de adesão àquilo que o capitão vem promovendo e propagandeando desde o primeiro dia de seu governo.
Mais do que a pergunta sobre capacidade de reação da sociedade civil, que ninguém no Brasil sabe mais dizer exatamente o que significa, resta a dúvida sobre o que realmente ocorreu a portas fechadas com a enviada do império.
Em alguns meses descobriremos se ela veio constatar que os militares brasileiros já não seguem a CIA nem o Departamento de Estado ou apenas fazer um jogo de cena para que o seu chefe de turno não fique tão mal na foto em 3 de novembro.
Nas eleições que ameaçam transformar Biden em um pato manco por dois longos anos, já se saberá se os EUA ainda são capazes de “proteger a democracia” no seu quintal ou se já assumiram sem disfarces o papel de meros mascates da indústria armamentista.
sobre o autor
Carlos Alberto Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.