Juristas, especialistas em generalidades e até a imprensa internacional, tem debatido se os poderes extraordinários avocados por Alexandre de Moraes têm ou não previsão legal, se configuram censura prévia, vedada pela constituição, ou se constituem uma excepcionalidade necessária nestes tempos conturbados.
Todo esse debate esconde o fundamental. Nem seriam necessários a avalanche de fake news nas redes sociais, as pressões ilegais de patrões sobre o voto de seus empregados ou a agora comprovada fraude do voto 22 como prova de vida, para que o TSE cassasse a candidatura Bolsonaro.
O uso escandalosamente inconstitucional do orçamente público, que a grande mídia chama de “bondades” em lugar de chamar de estelionato, seria mais do que suficiente para isso, se o refrão das instituições funcionando fosse mais que um subterfúgio para esconder o que, em privado, todos sabem: as instituições estão na UTI. E com muita gente propondo abertamente desligar os aparelhos.
Como é evidente que a candidatura Bolsonaro não será cassada, porque isso precipitaria o golpe que continua sendo armado, a posição de Moraes, referendada aliás, pelo pleno do TSE e pela maioria de seus colegas do STF, é uma tentativa de empurrar o problema para a frente.
Restaria perguntar, como Garrincha, se isso foi combinado com os russos. E a resposta é um rotundo não. Bolsonaro e todo o alto escalão do golpismo sabem que é muito difícil uma virada eleitoral nos poucos dias que faltam e não param de pregar e preparar o golpe.
O furo de repórteres da Folha de S.Paulo mostrando que a cozinha de Paulo Guedes segue trabalhando a toda e já estão prontos os projetos para esfolar ainda mais o salário-mínimo e as aposentadorias logo após as eleições tinha muita chance de permitir à campanha lulista sair da armadilha do tema dos costumes e voltar ao debate da economia.
Não será coincidência que o ministro da Defesa tenha divulgado que o relatório da “auditoria” militar sobre as urnas eletrônicas só será divulgado em ... 05 de janeiro. As “instituições”, assim como a “sociedade civil”, estão tão aturdidas que sequer reagiram ao absurdo de militares avisando que se manifestarão sobre as eleições depois da data prevista de posse do novo presidente.
Na mesma semana foi a vez de um general da reserva fazer uma chamada explícita ao golpe e do fiel escudeiro Roberto Jefferson lançar uma saraivada de insultos à ministra Carmem Lúcia do STF, com a óbvia intenção de provocar uma resposta que pudesse ser usada como pretexto para tumultuar o processo eleitoral.
O general Paulo Chagas, candidato a governador do DF em 2018 contemplado com 7% dos votos, soltou nota dizendo que o “saudoso” general Vilas Boas já teria “ativado o bom senso” dos ministros do STF que ele acusa de estarem “conspirando a favor da candidatura” de Lula.
O circo armado por Jefferson tinha toda a cara de mais um truque de prestidigitação, que a campanha bolsonarista tem sido pródiga e competente em produzir e a esquerda renitente em cair.
É difícil saber se o canastrão, que publica foto de perfil com armas na mão, se empolgou com o papel e extrapolou o roteiro. Dar vários tiros de fuzil e lançar uma granada de mão contra agentes da polícia federal, ferindo dois deles, pode ter sido um tiro no pé da campanha presidencial.
Mandar o Ministro da Justiça acompanhar um falso padre e realizar mediação entre a polícia federal e um prisioneiro que resistiu a tiros pode ter sido a forma de evitar um dano ainda maior à campanha.
Muita gente lembrou que se fosse favelado e preto Jefferson não chegaria vivo ao presídio. Inegável. Como também o é que uma reação dos policiais respondendo aos tiros do celerado poderia ser a fagulha de episódios mais amplos de violência que o estado maior golpista está esperando para alegar a necessidade de intervenção militar para “garantir a paz social”.
Por ora, o imbróglio das fake news rendeu à campanha lulista o direito a 116 inserções no tempo de TV de Bolsonaro. Quem já trabalhou em campanha sabe que as inserções são mais eficazes que o próprio programa.
Me junto aos que esperam que a campanha de Lula saiba fazer bom uso, focando na economia, na democracia e abrindo espaço para a manifestação dos demais partidos que compõem a frente democrática.
sobre o autor
Carlos Alberto Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.