Encontros, abraços e lembranças, histórias de vida, que são deles, mas que também são nossas, são de Rita e Alipio, de Sergio e Ediane, de Angela e de Aldo, e – como bem disse Priscila Arantes, curadora da exposição Imagem-testemunho (1) – de uma geração inteira de brasileiras e brasileiros, de toda uma sociedade.
Eram todos jovens. Tinham 17 anos, 22, 25, 31, eram estudantes, faziam cursinho e política, arte e festas, iniciavam-se na profissão e na docência, militavam bravamente. Vinham do Ceará e da Bahia, de Goiás e Santa Catarina, cruzavam-se no Rio de Janeiro da UNE, no Recife do Movimento de Cultura Popular, na São Paulo da Maria Antônia.
Viviam anos sérios, desafios imensos, o Brasil andando aos saltos, projetos de país na mesa, arte, cinema e teatro a mil, muita música nova no ar, e arquitetura nova em pauta. Grandes debates e responsabilidades, talvez maiores do que tão jovens pudessem suportar, mas havia alegria, confiança, energias de transformação à solta pelo país.
Sabiam que estávamos em ponto de virada. E estavam certos, tão certos que os oligarcas e oligopólios de plantão invadiram a cena com tanque de guerra e nossas forças armadas, autorizadas pelo US State Department, deram o golpe e mandaram pro espaço nossos futuros, nunca antes tão pulsantes, povoados de ideias e criações, agitando-se e organizando-se como nunca. De norte a sul, no campo e na cidade.
Essa história deles também é nossa. Nela estamos todos implicados. No aqui e no agora. As marcas em seu corpo e em sua alma são nossas e estão em aberto. Na celebração de torturadores e milicianos, no genocídio de 700 mil brasileiros e indígenas de Covid-19, nas palavras de ordem fascistas, racistas e sexistas, no feminicídio oficialmente autorizado pelo macho hetero white pride, nos ataques cotidianos à cidadania e à democracia, nos terroristas de estimação acampados às portas de quartéis, na rapinagem sem vergonha, nos atentados golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Por hora, felizmente, os contivemos, e esses nossos companheiros e companheiras aqui reunidos mantiveram-se atentos. E são centrais nesse momento, guardiões de tesouros de nossa memória e imaginação sociais.
nota
1
Exposição Imagem-Testemunho: experiências artísticas de presos políticos na ditadura civil-militar. Curadoria de Priscila Arantes. Centro MariAntonia – Edifício Joaquim Nabuco, São Paulo, de 28 de abril a 10 de dezembro de 2023.
sobre o autor
José Tavares Correia de Lira é professor titular do departamento de história da arquitetura e estética do projeto da FAU USP e atualmente atua como professor e pesquisador visitante da Universidade de Princeton e diretor do Centro MariAntonia da USP. É autor de Warchavchik: fraturas da vanguarda (Cosac Naify, 2011) e O visível e o invisível na arquitetura brasileira (DBA, 2017), e coorganizador, entre outros, de Caminhos da arquitetura, de Vilanova Artigas (Cosac Naify, 2004) e Arquitetura e escrita: relatos do oficio (Romano Guerra, 2023).