Marcelo Tramontano: Eu gostaria que você falasse um pouco sobre suas idéias sobre Habitação. Em um texto recente, você diz que o Movimento Moderno foi o primeiro a criar, no Japão, uma morada para seres humanos, a qual veio substituir um modelo anterior concebido, supostamente, para divindades. Por outro lado, o Movimento Moderno criou a casa para a família nuclear – pai, mãe e filhos. Estamos agora aparentemente caminhando para uma sociedade composta por indivíduos, e a tendência é de contarmos com um número crescente de casas habitadas por uma única pessoa. Estas pessoas vivem sós, segundo diferentes modos de vida, baseados, em grande parte, nas relações e intercâmbios que elas possam estabelecer dentro do que se poderia chamar de cidade nesta suposta era pós-industrial. Mais que isso, os modos de vida metropolitanos tem ultrapassado as fronteiras físicas da metrópole, manifestando-se às vezes na quase totalidade do país, no quotidiano de pessoas que tem deixado a metrópole, mas que se mantém conectadas a ela e umas às outras através das novas modalidades de comunicação à distância. O espaço de habitar – que é, em última análise, o próprio espaço urbano – estaria, assim, ganhando uma dimensão imaterial. Eu gostaria de saber quais expressões arquitetônicas poderiam, em sua opinião, ser imaginadas para estes novos tipos de habitação. Para qual Norte a Arquitetura deveria estar direcionando suas pesquisas nesta área?
Atsushi Kitagawara: Habitação... não sei que palavra seria a mais correta em japonês: residência ou casa... [Kitagawara hesita entre as palavras japonesas jutaku e ye] Enfim, acho que esse tipo de coisa não existe mais. Acredita-se que a casa é o lugar para onde se deve voltar, depois da escola ou do trabalho. No entanto, parece estar crescendo o número de pessoas que pensam que "não, talvez não seja". Acho que as residências ou as casas com significado psicológico desapareceram. Sim, psicológico, no sentido de cerne, de fundamental, em profundidade, como no inglês by nature, to the core. Quero dizer, um lugar para onde o espírito deve retornar. Antigamente, pensava-se que as pessoas voltavam para casa porque tinham uma forte ligação psicológica e afetiva com este lugar. A casa era o lugar de retorno do espírito e da alma de cada pessoa. Agora ela encontra-se reduzida a um objeto, com dimensões puramente físicas. Se tiverem família, as pessoas precisarão voltar para a casa, mas um dia elas se perguntarão "por que estou voltando para casa? " ou "será que preciso mesmo fazê-lo?". Neste momento, surgirá a questão "mas o que é uma casa?" e as pessoas passarão, possivelmente, a não entender mais o que seria isso. Creio que muitos já devem estar com esta dúvida, mas as respostas a ela ainda não estão claras. Acho que é porque a casa perdeu o seu significado psicológico. O elo psicológico ou emocional que unia os moradores à casa não existe mais, desde que ela deixou de ser uma referência para os seus moradores. Por exemplo, tenho um projeto em Setagaya-ku [Bairro residencial de classe média alta, em Tokyo] que está em fase de construção. É uma área onde existem muitas residências, e, normalmente, vou lá de manhã ou no final da tarde, mas mais freqüentemente de manhã bem cedo, quando ainda não há pessoas andando na rua, e às vezes passa um carro ou uma criança de bicicleta... Fico observando esse bairro residencial e ele não parece real. Parece, sim, uma ilusão, uma miragem [Risos].
MT: Para mim, esta é uma maneira muito nova e, de qualquer forma, muito interessante de enxergar esta questão. No entanto, temos – ou não – de continuar vivendo em algum lugar. Transpondo a discussão para o campo mais específico da Arquitetura, poderíamos tentar imaginar como seria, por exemplo, o espaço onde viveremos? Ele ganharia novas formas, diferentes das atuais, ou simplesmente não existiria mais? E, ainda, se ele não existisse mais, o que as pessoas procurariam como moradia? Qual seria o seu espaço de referência?
AK: Bem, em primeiro lugar, acho que o lugar de retorno não existiria mais e, portanto, não haveria necessidade de voltar, principalmente para quem vive na cidade. As pessoas já não precisam mais voltar a lugar algum. É estranho dizer isto, mas não existe mais a necessidade psicológica do retorno. Se a pessoa for casada, tiver uma esposa, ou filhos, não seria apropriado "não voltar". Mas se a pessoa vive só, não encontrará razão para voltar, se refletir bem sobre isso. Nesse sentido, assim como os nômades, não precisará de um lugar fixo para morar. Poderá ocupar um lugar diferente a cada dia, ou a cada mês, ou a cada ano. Sem lugar fixo, sempre em movimento, sempre andando. Acho que as coisas vão avançar neste sentido, de maneira irreversível. É inevitável. Vivemos hoje em meio a redes de informações. E a informação tornou-se um dos ambientes da sociedade, quero dizer, algo como o ambiente natural, como o ar. Nós morreríamos sem o ar. Não o vemos mas ele está o tempo todo à nossa volta. A informação também é assim, está sempre à nossa volta. Por sua fluidez, mesmo que fechemos os olhos, ela entra pelos nossos ouvidos. Se acabarmos com a informação, talvez não possamos mais viver. Ela provoca o fluxo das coisas, já que a idéia de circulação sempre persegue a informação. As pessoas também são engolidas nessa onda, nesta circulação. Quando imagino o futuro, vejo com clareza as pessoas não terem residência permanente. Essa é uma tendência. A outra é a das pessoas que resistirão a tudo isso. Com certeza, vão restar pessoas que se oporão intensamente a este novo fato, tentando achar a sua morada, o seu lugar de retorno. Mas penso que eles não vão encontrar, porque este lugar terá deixado de existir. Quando dava aula no curso de Arquitetura da Universidade Waseda, propus um exercício de projeto aos alunos: eles deveriam procurar um local onde quisessem morar e projetar a sua própria casa. Dentre os mais de cem alunos da turma, nenhum escolheu uma área residencial loteada. Havia muitas idéias interessantes, e várias apontavam para alguma forma de nomadismo. Uma delas, que muitos desenvolveram, era a da casa dobrável, mais simples que as pré-fabricadas, que pudesse ser levada atrás da bicicleta, ou da moto, no carro, montável em qualquer lugar. Outra, era a idéia da casa que se fixasse nas paredes dos edifícios existentes. Nesse caso, não precisaria existir um terreno. A própria parede dos edifícios seria o sítio. Achei muito interessante a idéia de um terreno vertical: as casas seriam construídas como cigarras agarradas às árvores. Havia uma outra idéia bem interessante de um dos alunos. Ele não apresentou nem desenho nem maquete. Ao invés disso, apresentou o mapa de Tokyo, dizendo que a sua casa eram as lanchonetes. No mapa estavam localizadas várias lanchonetes e cada dia ele escolheria uma onde ir. Consumindo um café ele poderia ficar até a manhã do dia seguinte, sem precisar pagar hospedagem, como nos hotéis. Realmente, os jovens não imaginam mais as suas vidas em uma casa, construída em um bairro residencial, ou dentro de um apartamento. Parece que, mais do que uma casa, a prioridade deles é um modo de vida.