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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Entrevista exclusiva com Fernando Chacel, o mais conceituado e bem sucedido arquiteto-paisagista brasileiro da geração pós Burle-Marx

english
Exclusive Interview with Fernando Chacel, the most respected and successful Brazilian landscape architect-generation post Burle-Marx

español
Entrevista exclusiva con Fernando Chacel, el más reconocido arquitecto- paisajista brasileño de la generación post Burle-Marx

how to quote

BARBOSA, Antônio Agenor. Fernando Chacel. Entrevista, São Paulo, ano 05, n. 017.01, Vitruvius, jan. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/05.017/3333>.


Área de transição paisagística com tratamento de parque, caminhos de areia conduzindo à praça do "core" urbanizado. No Parque da Gleba "E", atual Península, na Barra da Tijuca

Antônio Agenor de Melo Barbosa: Primeiramente gostaria que o senhor nos falasse a respeito da sua formação intelectual, se possível desde a infância e juventude, e também mencionasse em que momento da sua vida foi despertado o interesse pela arquitetura e, sobretudo, pelo paisagismo. Quem foram seus mestres?

Fernando Chacel: Bem, quando você me pede para falar a respeito da minha formação intelectual, não entendo isto como sendo a da formação de um intelectual, pois eu não me considero como tal. Acho que talvez a minha resposta para a sua pergunta tenha mais a ver com a minha forma de pensar e atuar. É nesse sentido que eu acho que não sou um intelectual na verdadeira acepção da palavra, mas alguém que age e trabalha com base na sensibilidade e intuição. Em outras palavras eu diria que a minha cabeça foi feita muito mais através da prática profissional que por obra de uma formação acadêmica ou através de extensas leituras e pesquisas técnicas. Assim eu percorri um caminho que passou inicialmente pelo fazer para depois refletir e teorizar sobre o que concretamente tinha realizado.

Dessa forma posso dizer que a minha formação foi a de um autodidata que não partiu nem de especulações intelectuais nem de modelos teóricos, mas sim do trabalho em si, onde o “homo faber” veio, certamente, antes do “homo sapiens”.

Eu nasci em 1931 e tive uma infância de uma criança da classe média alta carioca. Fui uma criança bastante protegida pelos meus pais e por toda a família. Fui criado entre os bairros de Laranjeiras e Cosme Velho na Zona Sul do Rio de Janeiro e, o que me lembro agora é que, desde muito jovem eu já gostava de desenhar. O interessante é que eu não desenhava sobre papel, usando aquarela ou lápis de cor, como era comum às crianças daquela época. Eu morava em uma casa com um quintal grande e cheia de terra. Lembro-me bem que o que eu gostava mesmo era de fazer imensos desenhos com pedaços de madeira ou gravetos no chão. Então eu aprendi a desenhar na terra desde muito pequeno. E ali, com meus grandes desenhos eu criava personagens, construía morros, rios, paisagens e criava estórias imaginárias destes personagens – e até conversava com eles em voz alta – que, ao que me lembro, deixava algumas pessoas da minha família preocupadas e assustadas se eu não estava tendo algum tipo de delírio talvez. Esses desenhos eram muito grandes, e praticamente não tinham limites, e eu ia emendando um desenho no outro, buscando quase uma composição integrada. Posso te dizer que eu me distraia muito fazendo aqueles desenhos. E que eu passava tardes inteiras no quintal de casa inventando estórias e representando-as nos meus desenhos.

Na minha juventude comecei a ter outros interesses e os desenhos feitos sobre a terra do quintal da casa foram deixados de lado.

Surgiu em lugar deles a ambição de tornar-me pintor chegando a cursar uns anos de Belas Artes antes de prestar vestibular para a Arquitetura. Isto tudo gerou uma grande confusão na minha cabeça até que fui despertado por uma grande paixão: a música.

Ela veio quando estava cursando a faculdade, o que me levou a deixar para segundo plano os meus estudos e ter muito poucas lembranças daqueles que seriam os meus mestres. Existem, no entanto, três professores que guardo na lembrança com muita admiração: Lucas Mayerhoffer da cadeira de Arquitetura Analítica, Wladimir Alves de Souza que lecionava Teoria da Arquitetura e o Paulo Santos com as suas aulas sobre a Arquitetura Colonial Brasileira.

Para complicar a minha assiduidade às aulas trabalhei, desde o segundo ano do curso, como desenhista de arquitetura numa empresa de Engenharia a Steel – Sociedade Técnica de Empreendimentos de Engenharia Ltda. Este fato que, juntamente com as minhas atividades noturnas ligadas à música, fez com que eu fosse um aluno constantemente ausente nas aulas.

Comecei a trabalhar com 17 anos, como desenhista. Desenhava concreto, instalações, arquitetura. Tudo na base do tira-linhas. Eu sou do tempo do tira-linhas.

Esse trabalho, se por um lado me levou a adquirir um conhecimento técnico específico que a maioria dos meus colegas não possuíam, por outro lado ia, aos poucos, fazendo-me perder o gosto e o encantamento pela arquitetura, o que me levou a ficar cada vez mais seduzido pela música.

Eu tocava acordeão nos bailes de sábados, nas domingueiras e também nas boates. Começava assim uma outra atividade: a de notívago, trocando muitas vezes o dia pela noite.

Nessa época, no meio musical, encontrei meus primeiros mestres de fato: Amyrton Valim, pianista cego, de rara sensibilidade e repertório interminável; Bandeirante, guitarrista, harmonizador consciente e preciso e profundo conhecedor dos instrumentos de corda da família dos violões; Magé, também guitarrista e contrabaixista, bom no fraseado, morador do Edifício 200 da Rua Barata Ribeiro e que compartilhou, no tempo da ditadura, uma cela com Carlos Imperial. Todos eles seres humanos da melhor qualidade e conhecedores da ciência do viver.

Mas os meus ídolos mesmo eram Fafá Lemos, Garoto e Chiquinho do acordeom que, juntos, formavam o conjunto Trio Surdina.

Foi com Fafá Lemos que estreei na noite carioca, no posto 6 e numa boate chamada Ranchinho do Alvarenga. Para tocar em bailes, fechei o meu primeiro “contrato” com Amyrton Valim no extinto Café Nice, pouco antes da sua demolição.

A partir daí minha dúvida entre ser músico ou arquiteto começou a crescer, para um certo desespero de minha família que não via com bons olhos as minhas incursões, cada vez mais freqüentes, pela noite.

O meu afastamento da música começou com o meu interesse pelo paisagismo quando comecei a trabalhar no atelier de Roberto Burle Marx e o surgimento dos compassos compostos, marcando em definitivo as minhas dificuldades rítmicas, acrescidas pelo fato de eu não saber ler as partituras.

No paisagismo meus grandes mestres foram Burle Marx, Luiz Emygdio e Aziz Ab`Saber, de quem tive o privilégio de receber generosamente, direta e indiretamente, os meus conhecimentos da profissão.

AAMB: Qual era o contexto – político e econômico – do Brasil nos anos da sua formação universitária e de que forma este contexto contribuiu nas suas escolhas e decisões profissionais.

FC: Após a minha primeira viagem à Europa e a minha descoberta de Paris, ao chegar no Brasil, procurei a Embaixada da França para saber da existência de alguma bolsa que pudesse me interessar profissionalmente e sobretudo me fizesse poder voltar a Paris.

Pleiteei uma bolsa para estudos de Urbanismo, e como tinha um currículo já bastante consistente, por já ter treze anos de formado, fui aprovado como bolsista do Governo Francês e em Agosto de 1966 estava em Paris.

Minha turma era constituída de arquitetos oriundos de 18 países diferentes, disso ressaltando uma grande experiência no palco da troca de idéias e conhecimento do que se passava em cada um dos nossos países.

A frase que escutava dos colegas e dos franceses que mais me marcou foi: “Mas vocês aceitam isso?” Esta pergunta vinha sempre que contava o que eu percebia, ainda de forma tênue e confusa, o que estava acontecendo no Brasil a partir do Golpe Militar.

Comecei naquele momento a tomar consciência do que realmente era o meu país, dos seus problemas, das suas injustiças e dos absurdos da ditadura militar instaurada no Brasil a partir de 1964.

Cheguei à conclusão também, que praticamente só conhecia o regime ditatorial, uma vez que tinha nascido na Ditadura da Vargas e embora, já tivesse mais de trinta anos, tinha podido presenciar, em raríssimos momentos, uma verdadeira democracia no meu país. Esta situação explicava então para mim a ausência do hábito e exercício dos princípios de uma verdadeira democracia no Brasil, e o sentimento que a liberdade aqui, era constantemente vigiada e controlada.

Isto mudou a minha cabeça, pois vi como era frágil e vazio o nosso conceito de democracia aqui no Brasil naquela época; antes mesmo do Golpe Militar de 1964. De certa forma os nossos governantes estavam, com raras exceções, imbuídos de um espírito autoritário mesmo em supostos governos democráticos. Então eu posso te dizer que a partir dessa minha estadia em Paris, eu percebi que estava fazendo a jornada do imbecil até o entendimento destas questões políticas que você me perguntou, compreende? E isto não é pouca coisa, isto é um percurso de vida, eu acredito. O curso me deu informações importantes de temas não só relacionados a projetos como também sobre outros aspectos, como o financiamento de grandes empreendimentos na área de urbanismo, por exemplo. E o fato de ter estudado Urbanismo me deu, certamente, um pouco desta consciência política que eu não tinha até o momento.

AAMB: Como foi a transição da academia para o mercado de trabalho? Em que momento o senhor constituiu um escritório e a partir de quando começou a dedicar-se exclusivamente ao paisagismo?

FC: Sobre isto, o que posso dizer é que o fato que considero mais importante naquele momento, foi ter tido a oportunidade de trabalhar no escritório do Burle Marx.

Conheci Roberto Burle Marx, levado pelas mãos de meu colega de Faculdade e amigo José Maria de Araújo e Souza – que já trabalhava com Burle e hoje vive em Brasília – no dia em que me apresentei em seu atelier, no Leme, para tentar ser admitido como estagiário.

Encontrei-o no meio de seus quadros, seus desenhos e arranjos florais. Foi um encontro rápido e logo fui conduzido ao andar superior onde, em uma sala e sobre uma prancheta, estavam empilhados desenhos de jardins, para serem reproduzidos em grandes folhas de papel schoeller e pintados a gouache. O trabalho destinava-se a uma exposição de Burle Marx nos EUA e eu estava sendo admitido para fazer parte de uma equipe encarregada de prepará-la. Entre apreensivo e deslumbrado comecei a examinar os desenhos que deveria copiar. Lembro-me bem da profunda impressão que me causaram aqueles projetos, não só por representarem uma linguagem completamente nova para mim mas, sobretudo, pelo fascínio que seus elementos gráficos e suas cores vibrantes exerciam sobre o meu olhar admirado.

Assim foi a minha descoberta e o meu encontro com o paisagismo de uma forma ampla. Mas com a obra do paisagista e seu extraordinário alcance, esse encontro veio um pouco mais tarde, quando pude compreender que a arte dos traçados e cromatismos dos jardins de Burle Marx se ampliava e se multiplicava com o uso judicioso e sábio do material de base de suas composições: a vegetação em todos os seus estratos.

Trabalhei por quase dois anos no atelier de Roberto Burle Marx e o que vi e ouvi, naquele período de iniciação ao paisagismo, continua vivo na minha memória e ainda hoje presente na concepção e desenvolvimento de meus projetos. O fato de ter trabalhado com Burle me credenciou, de certa forma, para que eu fosse nomeado, em 1954 quando já estava diplomado em arquitetura, pelo Prefeito Dulcídio Cardoso para prestar serviços no Setor de Arquitetura e Paisagismo do Departamento de Estradas de Rodagem do então Distrito Federal. Naquela ocasião tive como grande incentivador da minha carreira o arquiteto Benedito de Barros, o Bill, que era o chefe do setor para o qual eu prestaria serviços. De cara ele me pediu para que realizasse o projeto de uma praça em Santa Cruz.

Este foi o meu primeiro projeto de paisagismo, a despeito do fato de eu – ainda muito inseguro com a tarefa que me fora delegada – ter feito uma grande “colagem” de desenhos do próprio Burle que tentei imitar para que conseguisse conferir ao espaço um aspecto de praça. Todo o projeto daquela minha primeira praça foi uma cópia fiel das idéias e do pensamento do Mestre subtraídas de projetos seus que consegui no seu arquivo com quem eu tinha trabalhado até recentemente. Também não resisti ao impulso de colocar um lago no meu primeiro projeto de paisagismo, enfim na minha praça. Aí eu tive o cuidado de fazer uma bonita apresentação do meu trabalho, não sem antes preparar um desenho do arranjo geral da praça, em papel schoeller e naturalmente pintado a gouache, o que ratificou, perante os meus novos colegas da Prefeitura, a posição de discípulo direto de Burle Marx. Por pudor eu nunca contei ao Burle este fato e, felizmente, a praça de Santa Cruz nunca saiu do papel.

A partir daí também senti a necessidade de iniciar a minha carreira solo, e independente, como arquiteto paisagista. Mas a obra de Roberto Burle Marx ficou sempre referenciada para mim, desde então. Um fato que me deixou especialmente feliz foi o de ter sido seu parceiro – por vontade expressa pelo próprio Burle – em um projeto de um complexo hoteleiro, de autoria de Paulo Casé, na Bahia nos anos 80.

Vista aérea, antes da implantação do Parque da Gleba "E", atual Península, mostrando a degradação da estrutura superficial

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