Antônio Agenor de Melo Barbosa: Talvez esta pergunta possa lhe parecer tola ou ingênua, mas como acho que ainda há uma certa desinformação na sociedade sobre a profissão do paisagista e a sua relação com a arquitetura, então eu pergunto: o que é, o que faz, e como atua profissionalmente um arquiteto-paisagista no Brasil?
Fernando Chacel: Não, não é uma pergunta tola. Eu acho que realmente é uma consciência que você demonstra ter sobre estas lacunas na formação do paisagista. Na realidade o arquiteto paisagista no Brasil vem de diversas formações. Na verdade este profissional não existe no Brasil. Nós assim nos intitulamos mas, na verdade, somos arquitetos que trabalhamos na paisagem. Não há uma habilitação formal sobre a atuação deste profissional no Brasil, infelizmente. Eu para conseguir me firmar nesta profissão eu tive que fazer uma grande revisão técnico-científica de meus conhecimentos sobre o assunto. E tudo isto como autodidata. E há uma grande demanda por este profissional que, na maioria dos casos trabalha se ter os conhecimentos necessários. É por isto que é importante a formação criteriosa destes profissionais que vão atuar nesta área, sejam eles arquitetos, biólogos, agrônomos e etc...
AAMB: O senhor considera que o ensino do paisagismo é satisfatório nas escolas de arquitetura do Brasil?
FC: Não, não é satisfatório até por conta das questões que mencionei na resposta anterior.
AAMB: O senhor atualmente coordena cursos de graduação e de pós-graduação em paisagismo no Rio de Janeiro. Como pensa e aplica esta sua longa experiência profissional na formação de jovens paisagistas?
FC: Este curso de graduação em paisagismo na Universidade Veiga de Almeida é o que mais me interessa, pois ali eu procuro realizar um ideal antigo de um currículo que pensei há alguns anos com Aziz Ab´Saber para as escolas de Arquitetura e Urbanismo. E isto naquela ocasião nunca foi implantado dada uma visão corporativista que os arquitetos brasileiros ainda têm. E é um corporativismo às vezes no sentido pior do termo, compreende? Alguns arquitetos na época achavam que queríamos dividir a classe e coisas deste tipo. Mas a nossa intenção nunca foi dividir a classe e sim ampliar a qualidade da formação de nossos paisagistas, apenas isto.
De forma que com esta oportunidade de coordenar estes cursos eu estou pondo em prática a questão da interdisciplinaridade na formação do paisagista. Uma idéia antiga agora posta em prática. Pois lá no curso o corpo docente é oriundo de diversas formações. Temos no quadro de professores do curso urbanistas, biólogos, paisagistas, arquitetos, artistas plásticos, designers gráficos, geógrafos e etc...E esta graduação está sendo feita com muito cuidado, pois eu quero que ela seja sólida. E nas escolas de arquitetura e urbanismo, com raras exceções, o paisagismo é tratado de forma superficial e flácida. O paisagismo envolve uma série de disciplinas que os alunos sequer ouviram falar na sua formação de arquiteto.
AAMB: Dada a sua longa experiência em mais de 5 décadas atuando na profissão; se o senhor pudesse fazer uma breve lista das vantagens e das dificuldades da profissão de arquiteto-paisagista o que teria a dizer aos mais jovens?
FC: Para mim é a profissão do futuro. Ela está ligada de forma total à ecologia. A arquitetura da paisagem é uma ferramenta da ecologia. Fazer jardins é uma coisa que sempre existiu e as relações com a natureza e a paisagem são temas que cada vez mais precisarão ser entendidos e explorados pelos profissionais do futuro. A idéia do conforto climático também é uma questão importante para o homem nas cidades. O investimento na criação de soluções e de alternativas que tenham como premissa a ecogênese são certamente temas que estarão norteando os debates e os projetos de paisagismo num futuro próximo. E, no meu entendimento, vai faltar gente capacitada para compreender estas questões tão complexas. De maneira que os jovens que quiserem investir numa boa formação por este caminho, eu garanto que haverá espaço no mercado de trabalho.
AAMB: Gostaria que o senhor nos falasse a respeito da sua metodologia de trabalho no cotidiano da profissão.
FC: A minha metodologia de trabalho é a metodologia clássica do arquiteto paisagista, isto é: a gente parte de um inventário de uma paisagem seja ela natural, seja ela cultural, em que a gente analisa cada um destes elementos desta paisagem que nós levantamos. Observamos os aspectos físicos, bióticos e antrópicos desta paisagem e a suas inter-relações, depois estabelecemos um programa para atuar dentro deste setor, depois elaboramos um conceito e, somente depois de estabelecido o conceito é que partimos para o desenho donde vai se originar o projeto propriamente dito. O importante é nunca começar pelo desenho, pelo projeto. Eu procuro seguir com rigor esta metodologia, pois esta parte prospectiva inicial é fundamental.
AAMB: O senhor teve a oportunidade de trabalhar no escritório Burle Marx, então penso que seria interessante nos contar um pouco como ocorreu esse desenvolvimento nos trabalhos de ambos, com linhas projetuais tão diferentes em que se destaca, a meu ver, uma dicotomia entre o ecológico-preservacionista e o pictorismo.
FC: Creio que já falamos um pouco da minha relação com o Burle Marx. Eu penso que não haja uma dicotomia propriamente dita entre as nossas linhas projetuais. Mas ele não deixava de aliar o artista plástico que ele era – e que sabia usar bem no seu trabalho – a um grande conhecimento sobre a vegetação. Arrisco dizer que, se numa primeira vista o que pode saltar aos olhos nas obras dele é o pictorismo, se formos fazer uma avaliação mais rigorosa, veremos que não é só o pictorismo a mola mestra dos trabalhos dele.
Eu não sou artista plástico, mas no meu trabalho eu também tenho um excessivo cuidado com o desenho, compreende. Eu sou arquiteto, desde muito jovem fui desenhista e como eu sempre trabalhei dentro desta rigidez metodológica, talvez isto tenha me afastado um pouco de uma preocupação mais pictórica, digamos assim. Mas eu faço questão que meu desenho tenha qualidades de um bom desenho. E eu, embora trabalhando em equipe, faço questão de desenhar e de conceituar os meus projetos.