Favela-bairro
Érico Costa: Como vocês esperam que o Projeto Favela-Bairro seja mantido? Há verba para o controle das 700 favelas que existem atualmente?
Jozé Cândido de Lacerda: Quando você implanta o Favela-Bairro, a intenção é que cada comunidade vire um bairro. No momento em que ela vira um bairro ela passa a ser mantida como uma cidade. Se o administrador vai manter bem ou mal é outra questão. Hoje temos dentro da secretaria um programa de manutenção dos primeiros Favelas-Bairros. Ainda existe nas divisões de conservação da área formal uma certa relutância em subir na favela e limpar, consertar parques e jardins ou a rede de água. O importante é não deixar o pessoal bagunçar senão vira um ciclo vicioso. Ou seja, o ideal é educar o povo.
EC: Se as comunidades são carentes como esperar que os moradores passem a pagar contas que elas não pagavam anteriormente?
JCL: A idéia do Favela-Bairro é você regularizar. É claro que é complicado você fazer a regularização fundiária de cada lote já que às vezes é difícil saber onde começa e termina o lote de um morador. Quanto à questão de pagar, é evidente que ele paga, não ao poder público mas a alguém que faz aquele “gato” e que pega aquela água. A grande maioria dos casos é assim. A Light hoje está privatizada. Quase todos os barracos têm um relógio de luz. Aquele emaranhado de fios que se vê nas favelas é basicamente de telefone. Se a pessoa tem o telefone cortado, é mais barato fazer uma outra ligação do que achar qual daqueles cabos era o seu. A água é que já é mais complicada. Quando você entra com o Favela-Bairro, você faz toda uma estrutura nova de água e de esgoto. Cabe a CEDAE chegar lá é cobrar.
EC: E eles teriam condições de pagar?
JCL: Teriam. O importante é você criar uma obrigação. Não que o valor cobrado pague aquilo que ele está usando. Se você cobra pela água apenas R$2,00, duvido que alguma família não vá pagar. O prejuízo que se tem quando se “sangra” uma tubulação é muito maior do que se a CEDAE cobrar R$1,00 ou R$2,00 (simbolicamente falando).
EC: E o IPTU não existe?
JCL: Para cobrar o IPTU você precisa fazer a regularização fundiária. Todos os moradores querem pagar IPTU. Seria a garantia da propriedade daquele imóvel. Hoje o imóvel na favela está vinculado à associação de moradores, que paga pra registrar no cartório. No dia em a gente disser “Aqui está o seu ITPU”, todos irão correndo pagar. E digo mais: nenhum deles irá atrasar. A gente já conseguiu em alguns casos fazer a regularização fundiária e dar a certidão a cada um.
EC: Você acha que a tendência é todos os moradores terem a certidão de propriedade?
JCL: Essa é a parte mais lenta do programa, mas a tendência é todo mundo ter sua certidão de propriedade. A partir do momento que você urbanizou e criou vias identificando o que é privado e o que é público, só fica faltando legalizar. A dificuldade é legalizar tudo isso, pois normalmente, as terras ou são da União ou são terras invadidas. E aí tem todo um processo burocrático.
EC: O Favela-Bairro favorece uma certa especulação imobiliária na favela? Com a cobrança de novos impostos e a valorização dos lotes na favela não é possível que os antigos moradores acabem vendendo suas casa para pessoas de classe média baixa e comecem um novo processo de favelização em outras áreas?
JCL: Uns podem querer ver a casa, outros não. O que acontece é que quando você entra com um programa tipo o Favela-Bairro, o local passa a ter uma atratividade muito grande, passando a agregar pessoas que não estavam ali e fazendo a comunidade aumentar. O problema não é vender as casas, mas atrair novas pessoas. É claro que existe a especulação imobiliária como na Barra, Ipanema, etc. Depois que o Favela-Bairro passa asfaltando a rua e trazendo água e esgoto, a casa que valia 2 reais passa a valer 10. Você sabe que o projeto tem que ser aprovado pela comunidade e temos que dizer o que vai ser feito. As áreas que identificamos como vazias, onde serão construídas por exemplo uma creche ou uma quadra de esportes, a gente pede para que os moradores tomem conta e não deixem ninguém invadir pois o cadastro já foi feito. Só que às vezes eles não respeitam isso e invadem. Quando a gente volta lá é outro problema para tirar as pessoas. O temos feito para frear o crescimento da favela, é cercar a área com trilhos de trem. Calculamos as redes de água e esgoto para aquela comunidade. Se ela dobrar de tamanho foi embora todo o dimensionamento.
EC: Que medidas então devem ser tomadas para que a classe média não deseje ir morar nas favelas?
JCL: Precisaríamos ter uma política habitacional. Você tem que fazer habitação independentemente. Urbanização de favela é uma coisa, carência de habitação é outra. Nós temos carência de habitação. Existe um novo programa cuja idéia é cobrir um pouco desta lacuna. A política habitacional não anda sozinha, ela tem que estar atrelada a uma série de políticas, principalmente a de transportes. O indivíduo tem que se locomover de forma confortável e rápida. Se ele demora horas para chegar ao trabalho, a que horas ele vai ter que sair de casa?
EC: O ideal seria criar condições de ele ficar por lá mesmo?
JCL: Sim. Mas como criar essas condições? Tem que infraestruturar toda a área, prover de água e esgoto, estimular o comércio, a indústria, etc. Você sabe tão bem quanto eu que a cidade tem um monte de vazios urbanos.
EC: As equipes para desenvolver os projetos Favela-Bairro são escolhidas através de licitação. Como garantir que as obras serão efetivamente executadas? Como é feita a fiscalização?
JCL: Nós licitamos os projetos baseados na lei. As propostas são analisadas e os escritórios que apresentam melhor técnica e preço são os selecionados. Posteriormente, desenvolverão as idéias que precisarão ser aprovadas por nós. Há vários passos: Primeiro o diagnóstico, depois o plano de intervenção e finalmente o projeto executivo. Temos hoje as coordenações de orçamento, de infraestrutura, de estrutura e de arquitetura e urbanismo. Independentemente do fiscal, temos diversas pessoas para dar apoio ao trabalho.
EC: Que financiamento “toca” o Favela-Bairro?
JCL: O dinheiro do Favela-Bairro vem do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com uma contrapartida da prefeitura. O BID entra com uma parte e nós entramos com a outra.