Aplicaram uma vez uma metáfora ao processo do vosso primeiro projeto – a Casa de Melides, dos vossos pais. Seria como uma laranja, em que o arquiteto Nuno Mateus trabalharia a casca da laranja, ou seja, a forma, o significado formal, enquanto que o arquiteto José Mateus iria depois descascar a laranja, testando o programa, a funcionalidade, o desenho. Qual é a metodologia que os ARX empregam no seu trabalho? Há algum campo específico de acção para cada um?
Pedro Jordão: Nós usamos essa metáfora, por vezes. Quando desenhamos um projeto, há sempre muita escavação, em que o exterior tem uma determinada expressão e quando escavamos aparece o interior da laranja ou da maçã. Mas nesse projeto o que efectivamente se passou, é muito simples. Dois filhos, arquitetos, ambos queríamos fazer o projeto da casa dos pais, como é natural...
Nuno Mateus: Ao princípio...
José Mateus: Sim, ao princípio. No fim, ninguém queria... Mas o que aconteceu foi que eu iniciei o processo cá, com o meu pai, a fazer uns primeiros desenhos, maquetes, já a tentar dar uma forma à casa, que já estava mais ou menos dissecada por dentro e por fora. Depois, enviei fotografias e desenhos ao Nuno e ele trabalhou naquilo para que estava mais treinado, que era introduzir uma investigação mais ao nível do conceito do que a casa poderia ser. Porque eu tinha pensado num sentido mais escultórico mas mais limitado na relação entre uma forma que começava a ganhar algum sentido e o conteúdo em termos de distribuição espacial. Depois o Nuno fez o seu trabalho em Nova Iorque. Depois, curiosamente veio e naquele caso até foi o Nuno que acompanhou mais a obra.
NM: Essa pergunta contém uma questão muito importante e muito interessante. Eu não sou especialista numa coisa e o José noutra. Aliás, eu nem saberia dizer como é que trabalhamos aqui a esse nível. Nós estamos a trabalhar em simultâneo em dez, doze projetos de escalas muito diversas. Obviamente, nos projetos mais pequenos há sempre um ou outro a levá-lo mais. Mas fazemos como toda a gente aqui no ateliê, maquetes, desenhos, no computador, fora do computador, o almoço... Nos projetos maiores varia muito. Se um projeto é grande e tem um curto espaço de tempo para o resolver – habitualmente o caso dos concursos – tendemos a desdobrar certos conteúdos, certas áreas de abordagem do projeto. Se fosse uma pessoa só a fazê-la, teria que parar de fazer a maquete do contexto para ir tratar dos papéis da burocracia ou parar para ler o programa de ponta a ponta. No fundo, o que nós fazemos é essa partição do que uma pessoa sozinha tem forçosamente de fazer. E depois vamos articulando a par e passo. Nós começamos por dar instruções muito simples às pessoas que trabalham aqui. Começam por fazer uma leitura do programa e constróem volumetricamente todas as áreas do programa, as quais codificam, identificam por cores, enquanto que outra pessoa está a fazer uma maquete do contexto. E depois de nós termos aquele imaginário e aquele contexto e aqueles ingredientes fisicamente aqui, no atelier, muitas vezes ficam aí em cima de uma secretária, durante uma semana ou duas, e vamos todos, consciente ou inconscientemente, trabalhando nisso. A informação passa a estar residente. Depois, consoante a disponibilidade, começa-se.
JM: Vai-se discutindo. Temos a preocupação de estar sistematicamente a pedir opinião ao outro e a perguntar-lhe o que está a fazer e a contar as idéias que têm ocorrido. E tentar ter sempre a mente aberta para o que é a sensibilidade do outro para aquele problema que estamos para ali sentados a tentar desenhar.
NM: Outra coisa que existe como metodologia, é que, quando um entra num projeto do outro, entra sem grandes cerimônias e começa a trabalhar como se fosse seu. Não é a deferência entre nós que nos vai levar muito longe. É justamente o espírito crítico, um enriquecimento mútuo que estendemos às pessoas que trabalham conosco. Neste momento, no maior projeto que estamos a desenvolver, que é a Escola Superior de Tecnologia do Barreiro, o conceito sobre o qual estamos a trabalhar não foi encontrado por mim nem pelo José. Foi encontrado por um arquiteto que trabalha conosco há muitos anos e que está imbuído neste espírito. E ele sabe que estamos a trabalhar num projeto em que a descoberta foi feita por ele, mas cabe-nos a nós providenciar um lugar em que essa descoberta possa acontecer. E eu fiquei com uma alegria imensa, porque esse objetivo dos ARX está a funcionar, no sentido em que alberga outras pessoas como parte integrante desta grande textura que é fazer um trabalho a partir de um corpo de trabalho. Isto é tudo muito informal, as pessoas são bem tratadas e maltratadas, mas sempre num sentido muito horizontal, de igualdade. Não me interessa andar a impor coisa nenhuma. Não aprendo nada com isso. O que me interessa é acrescentar alguma coisa ao dia a dia.