Pedro Jordão: Que influências subsistem resultantes da colaboração do arquiteto Nuno Mateus com o Peter Eisenmam e de ambos com o Daniel Libeskind?
José Mateus: No início do ateliêr, e com a tal insegurança do jovem arquiteto, as influências dos ateliês em que trabalhamos e cujo trabalho andamos a fazer, obviamente que eram fortíssimas...
Nuno Mateus: Eram o produto da educação, o produto do nosso passado. Com o tempo essas influências foram tornando-se mais intrínsecas, menos visíveis. Claro que, depois de quatro anos a trabalhar com o Eisenman, eu era um eisenmaniac. Só poderia ser. Curiosamente, quando estudei em Columbia, estudei com o Eric Owen Moss, com o Thom Mayne [dos Morphosis] e com a Zaha Hadid. Fiz um projeto à la Moss, um projeto à la Morphosis e um projeto à la Hadid. A última vez que lá fui, era só coisas em plástico tensionado. Tinham trazido uns alemães quaisquer e estava tudo a fazer aquelas coisas, tudo muito interessante, tudo muito igual. Parecia que estava a mesma pessoa a trabalhar em quarenta cadeiras. E se forem ao sítio onde o Steven Holl está a dar aulas, anda tudo a descofrar betão e a oxidar cobres e a descolorir plexiglass. O que lhes dá uma cultura e um assimilar de saber que é importantíssimo. Para mim, são dois grandes mestres que me ensinaram muitíssimo. O Eisenman deu-me um sentido de disciplina tremendo, de organização mental de idéias e noções. O Eisenman trabalha com grandes preocupações, estranhamente, de programa e de noções mais poéticas, quase fenomenológicas – quero um hotel que pareça uma corda que se parta e se desfie... E depois nós tentamos dar corpo a isso num sentido arquitetônico, para depois organizá-lo num sentido conceitual. Com o Libeskind, a história é radicalmente diferente. O Libeskind é uma espécie de anjo, um Angelus Novus. O Daniel Libeskind é um gigante mental. É um poeta da arquitetura, em que a liberdade é absoluta, em que a matéria física tem tanto valor como outros tipos de matérias quaisquer e fazem todas parte da concepção e da experiência arquitetônica. O Libeskind é formado em música – aos treze anos tocava Bach no Carnegie Hall. Era um menino-prodígio da música. Tanto que se formou tardiamente em arquitetura. E a relação que tem com a arquitetura é muito canalizada através da experiência que tem com a música, que lhe abre um espectro cultural muito diferente. A nossa relação com ele foi de uma dilatação, de uma abertura de possibilidades próprias dos poetas – O quê, não se podem fazer ângulos? Não se pode fazer? Então já não me interessa. Esse tipo de relação com o mundo das possibilidades tem muito que se lhe diga, não digo que seja o que me interessa. Mas interessou-me imenso e foi um excelente complemento da minha educação. Mas neste momento, nada nos influencia mais do que o trabalho que está em curso, em construção e dos trabalhos que estão completos. Aqueles em que as pessoas já começaram a dizer mal ou bem ou assim assado – normalmente é mal e bem assim assado... Nada nos influencia mais do que a obra feita. Recentemente temos trabalhado muito com estruturas navais – na Expo98, no Museu Marítimo de Ílhavo... Construímos intensamente em estaleiros navais reais. Trabalhamos com geometrias incríveis, com as quais tínhamos dificuldades em trabalhar, enquanto que aqueles velhotes com um ar de quem não sabem o que é um computador, sabem muito bem o que é uma curva com uma complexidade tremenda. E sabem regrá-la e sabem lê-la em tamanho natural desenhada no chão. Nós, na construção naval, podemos ver e caminhar sobre os nossos desenhos em tamanho natural. Aquilo é uma percepção para a qual não estamos preparados. Uma construção naval é, seguramente, uma influência incrível.
JM: Tudo o que podemos retirar, tudo o que encontramos bem feito, influencia-nos. Não temos problemas nenhuns em receber todas as coisas bem feitas na nossa mente e incorporá-las no nosso trabalho. Isso faz parte da nossa educação, esse assimilar da cultura. E as coisas podem aparecer no nosso trabalho, de um modo mais ou menos consciente. Certamente não será com o tal sentido de heterónimos – agora vou fazer um projeto à la não sei quantos... Trabalhamos sem problemas e com um sentido de experimentação muito grande. As nossas influências, amanhã, se calhar já são outras. Eu não sei o que é que vamos ver hoje à noite...
PJ: Há uma pergunta inevitável. Qual é a vossa posição relativamente à frequente classificação dos ARX como a face portuguesa do Desconstrutivismo?
JM: Sabem quantas vezes é que eu e o Nuno falamos do Desconstrutivismo? A propósito de um qualquer projeto nosso nos últimos dez anos? Acho que nenhuma. Eu acho que isso é naturalmente uma observação que se faz em virtude das nossas referências, nomeadamente o passado com o Peter Eisenman ou com o Daniel Libeskind. Ou de aspectos do nosso trabalho, por ser mais fragmentado ou por ter enfoques diferentes. É a diferença entre alguém que se preocupa com uma caixa do [artista plástico americano] Donald Judd e outra que persegue questões eventualmente mais ligadas à dinâmica ou a gestos mais fragmentados. É uma relação que não existe. Nem sei se é bom ou mau... É estranho. Como foi estranho para os arquitetos que foram inseridos nessa lógica.
NM: A necessidade de classificar não tem um mau objetivo. A intenção é a de nos organizar relativamente às coisas. E, por definição, toda a classificação é simplificadora. Obviamente, não vão abrir uma gaveta por cada conteúdo. É forçosamente simplista. Mas já lemos coisas que nos surpreenderam muito mais, obviamente feitas por pessoas que não tinham lido nada sobre o Desconstrutivismo. Para nós não é uma coisa que tenha grande importância.
PJ: A imagem ou informação tornou-se mais poderosa que o objeto 'real'. É uma frase do Frédéric Levrat, contida no vosso livro, Uma Segunda Natureza. Isto define um pouco o contexto que se vive atualmente na arquitetura. Como é que os ARX atuam neste contexto?
NM: Em 1993 fizemos uma exposição no CCB intitulada A Realidade-Real, quando muito se falava na Realidade Virtual. Que serviu, em parte, para percebermos o que era a arquitetura. Obviamente que a arquitetura pode ser muita coisa, mas o que essencialmente me motiva é a construção de um contexto físico, seja urbano ou não. É a sua implicação última, o edificado. Também na nossa relação com a representação, ou por ignorância ou por metodologia, acabamos por privilegiar os objetos concretos, nomeadamente a maquete. Nós fazemos muito mal perspectivas em computador, acho que em todos os concursos que fizemos, em todas as tentativas, o resultado foi desastroso. Aqui privilegiamos a questão física, do objeto tangível. Eu não acredito muito em frases visionárias sobre a arquitetura. O nosso tempo tem coisas próprias deste tempo e de outros tempos. Tal como eu sou um produto de uma série de coisas próprias de um tempo e de um percurso e das pessoas que me ensinaram a ver.