Nuno Teotónio Pereira: Os dias de hoje são muito marcados por um grande individualismo, tal como na altura do 25 de Abril, cujos festejos e entusiasmos foram de uma efervescência muito superficial. Tem-se perdido a noção de colectivo, não se vêm movimentos a actuar…
Eu passei a vida, durante anos e anos, em reuniões de vários grupos, aqui e ali... havia essa atitude de resistência.
Uma coisa curiosa é o facto de o meu atelier nunca ter executado nenhum projecto para um grande grupo do sector imobiliário. Embora tenha feito projectos de habitação relativamente importantes, para classes altas, as encomendas não eram feitas pelas empresas imobiliárias que hoje dominam completamente o mercado. Eles até vinham ter connosco, mas começávamos a conversar e acabávamos por nos desentender sempre. E eles iam-se embora.
NU: Por quê esse desentendimento?
NTP: Por vários motivos. Por exemplo, uma vez recebemos uma encomenda para um projecto ali no Saldanha, onde está agora o Atrium Saldanha, por um grupo espanhol. A certa altura, veio cá um “mandão” espanhol ver o projecto, a maquete… e não gostou! Disse que não era suficientemente apelativo. E como era um edifício que teria, segundo ele, uma grande visibilidade e importância aqui em Lisboa, acabou por encomendar o projecto ao Ricardo Boffil. E lá está o Atrium Saldanha…
Um dos grandes problemas na arquitectura em Portugal, dos últimos anos, tem sido o excessivo culto ao objecto e, ao mesmo tempo, um grande desprezo pela cidade. E aqui grande parte da culpa deve-se ao poder político. E dessa forma o arquitecto decide virar-se para os objectos, que aparecem aqui e ali perdidos na cidade.
NU: Gostávamos que comentasse a seguinte frase “o edifício arquitetônico já foi uma oportunidade para melhorar a condição humana. Hoje é entendido como uma oportunidade para expressar e questionar essa condição humana” (Robin Evans, historiador americano).
NTP: A condição humana no fundo é uma contradição. Vivemos num mundo contraditório, cheio de conflitos (cada vez mais). E há as questões ambientais, sociais, as questões culturais. Cada vez essas contradições se agudizam. Confesso que às vezes sinto uma certa comoção acerca disso, do caminho que o mundo leva. Eu cresci num ambiente em que o futuro ia ser melhor, havia muita miséria, muita fome mas o futuro ia ser melhor, e de resto hoje vivemos numa situação em que o futuro pode ainda ser pior do que aquele em que vivemos hoje. Há novas ameaças, novos perigos, coisas inesperadas, e eu acho que nisso a arquitectura está a desempenhar o seu papel exprimindo estas contradições, de alguma forma essas angústias. No tempo em que eu nasci nós acreditávamos num mundo melhor, havia ideais a atingir. Se calhar na altura o problema da arquitectura era resolver problemas básico da habitação. Isso hoje está mais ou menos garantido e há uma maior liberdade para explorar mais a condição humana.