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interview ISSN 2175-6708

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Paulo Case, 80 anos, é um dos mais importantes arquitetos de sua geração. A ousadia formal e sua capacidade em articular coerentemente estética e funcionalidade em seus projetos arquitetônicos e urbanos são características marcantes de sua obra.

how to quote

BARBOSA, Antônio Agenor. Entrevista com o arquiteto Paulo Casé. Entrevista, São Paulo, ano 13, n. 049.02, Vitruvius, jan. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.049/4185>.


Union Church, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Arquiteto Paulo Casé, 1969
Foto divulgação [Website do arquiteto]


AAB: O senhor tem ideia de quantos projetos e obras suas foram executadas? Uma ideia, uma ordem de grandeza.

PC: Eu tenho aí no currículo, eu tenho aí umas duzentas. Agora eu tenho umas dez a quinze prediletas. Engraçado, que você sabe que quando eu encontrei aquela casa e o prédio, eu parei de participar da premiação do IAB. Porque eu tinha encontrado uma saída, eu escrevi sobre as duas experiências. Porque chegaram a anotar que eu não tava querendo medalha, que eu era o cara que não tava querendo medalha. Eu não estava querendo me exibir, mas sim queria mostrar as qualidades que tinham o meu projeto e ninguém sabia o que eu estava discutindo com eles, ninguém percebeu que eu estava discutindo com a sociedade inteira através dos arquitetos que ali estavam representados nas premiações do IAB. Então eu estava fazendo um diálogo surdo, você esta entendendo? Parei ali. Eu só fui voltar em 1982, com aquela capela na Barra da Tijuca, (da Union Church) a pedido: Manda esse Projeto aí, me falavam”. Eu mandei e foi premiado de novo. Depois me chamaram de novo: “entra com o seu projeto do Edifício da Fininvest” eu entrei e acabou.

AAB: Bem, eu quero entender melhor isso aí, então o senhor não se inscreveu nas premiações?

PC: Porque eu usava exatamente as premiações do IAB como um exercício de crítica. No momento em que eu me achei, encontrei o meu caminho, eles que critiquem a mim. Eu não preciso mais deles.

AAB: Foi uma estratégia deliberada sua para tentar ter os canais de diálogo com a classe e com a sociedade?

PC: Exatamente. É isso tudo está no meu livro que escrevi. Ele nasceu assim. O Museu de Arte Moderna fez uma exposição com o Oscar Niemeyer, feita com o Sergio Bernardes, aí me mandaram uma carta. Eu tenho as cartas aí. Convidando-me para fazer isso, em 80, 79. Mandaram-me uma carta-convite. Eu aceitei, mas disse: “olha, arquitetura não é fotografia, você não pode aprisionar quatro dimensões em duas”. É frustrante. Se você não tem ideia porque você fez aquilo então é pior ainda.

Union Church, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Arquiteto Paulo Casé, 1969
Foto divulgação [Website do arquiteto]

Aí eu decidi fazer o seguinte, eu comecei a escrever a minha experiência e as obras que eu apresentei na exposição seriam as seqüências do livro. Então, comecei a escrever. Levei dois anos, não tinha muito tempo, não sabia escrever bem, tinha imensas dúvidas. Fui aprendendo a escrever que é a arquitetura no seu estado mais puro. A ideia, o exercer é igualzinho. Inclusive eu fico até assustado. Como é a mesma coisa você fazer arquitetura e você escrever um texto. Fiz e mandei para o Maurício Roberto, mandei para o Moriconi, que era um arquiteto italiano, mas um teórico. Tinha também um conhecimento com o Millôr Fernandes, mandei para ele também. Todos me responderam, e eu tenho as cartas. O único que não me respondeu de imediato foi o Millôr. Eu sei que ele é um homem fechado nele mesmo. Mas um dia ele me ligou: “Casé, eu quero conversar com você.” Aí ele foi lá para casa. Ele foi lá para casa, aquele cara sensacional. Mostrou o que estava errado em termos de colocação do português. E achou bom o livro. E ali efetiva toda minha história acadêmica, não fizemos a exposição, nem importa. Para mim. Eu fico triste das pessoas não poderem ver essa história bonita, contada e materializada.

Eu uma vez escrevi um texto que falava entre o arquiteto e o artesão, entre o filósofo e o estudioso. Se você pega a vida de um filósofo, ele trabalha conceitos, então ele desenvolve conceitos que são incapazes de serem comprovados. É metafísica. O filósofo fica numa cultura, então o filósofo trabalha em pensamentos conceituais. O arquiteto também é um artesão, pois além do pensamento, ele tem que ter a capacidade de transformar o seu pensamento em matéria. E quando se transforma em matéria, você vê a crítica, você vê o que você acertou e o que errou. Então eu digo, as vidas em paralelo são mais confortáveis para o arquiteto. Se ele tiver capacidade de em vários projetos aprimorar os seus conceitos. À medida que você vai aprimorando, a matéria sólida vai respondendo. Então é muito mais interessante você conseguir ser um arquiteto com pensamento, um filósofo, com capacidade de realizar e de materializar conceitos. Basta isso. O arquiteto ser o filósofo e ao mesmo tempo ser o artesão, isso é uma coisa extraordinária.

AAB: O senhor foi presidente do IAB. Eu queria que o senhor falasse principalmente dessa sua experiência com presidente do instituto, e também se teve atuação como docente, como professor de arquitetura a despeito de eu achar que essas suas ações como escritor, como colunista do Jornal do Brasil, são atitudes pedagógicas, sem dúvida nenhuma. Mas sobre a sua presidência no IAB o que o senhor acha que deixou como legado para o instituto? E fale também um pouco sobre a sua experiência como docente.

PC: Com a presidência do IAB foi até um fato interessante. Havia, mais ou menos em 1971, um grupo de arquitetos fazedores de arquitetura que dominavam o Instituto. Os que circulavam no IAB, eram arquitetos de projeto. Maurício Roberto era um dos principais. Depois começou a aparecer outro tipo de arquiteto que ele não era o fazedor, ele era o funcionário público que estava sempre em busca de uma oportunidade de fazer. E tinha uma tendência, não era só ser de esquerda, mas era ser contra. Criou-se outro grupo que era do contra. E na época esse grupo chamou a atenção por que queria fazer uma chapa, para a eleição do IAB. Aí eu falei. Eu topo, acho que é uma coisa boa para a gente. E tinha outra, com todos os meus amigos, na primeira reunião disse assim: “Escuta, somos tão poucos, a vida é tão difícil para o arquiteto, nós vamos rachar isso? Será que vale a pena”? Aí me falaram: “ah! Casé, não vem com esta conversa”. E eu respondi: “então vocês querem saber de uma coisa, se vocês não quiserem unir a classe vão para a puta que os pariu!”

Capas de livros de autoria de Paulo Casé

E saí, fui embora. Aí aconteceu um monte de estalo na minha cabeça. Deu tudo certo. Quem tava ali querendo fazer política era outra coisa. Eu estava querendo pensar a arquitetura no esquema social e buscar soluções, esse é o nosso papel e por isso tínhamos que estar unidos.

E o Crea? O Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, aquilo lá era uma merda! De repente, resolveram fazer uma coalizão. Henrique Mindlin como Presidente e eu como Vice-Presidente. Foi a minha primeira vitória dentro do meu papel, que foi unir a classe dos arquitetos. Depois desuniram de novo. Aí o Henrique Mindlin morreu e eu passei a ser o Presidente. Eu acho que na escola eu pude contribuir mais do que como presidente do IAB. Eu não tenho uma visão muito boa de administrar nada, eu sou meio personalista nesse campo. Para você ver como eu sou fechado para essas coisas. Mas uma coisa eu me lembro perfeitamente, é que o Zanine que era meu amigo, um cara extraordinário, um maquetista que de repente passou a fazer uma arquitetura de qualidade, e os arquitetos ficavam putos porque ela não tinha diploma na escola de arquitetura. Aí começou essa luta com o diploma. Aí eu fiz um artigo criticando esta visão contra o Zanine. O Le Corbusier não era arquiteto, não era diplomado em arquitetura!

AAB: Então o senhor sempre foi a favor que o Zanine desenvolvesse a produção dele?

PC: Lógico, claro!

AAB: Sem ter uma visão corporativa que o Crea tinha, por exemplo?

PC: De maneira nenhuma! Isso é burrice.

AAB: Podemos dizer tudo do Zanine, menos que ele não era arquiteto. O senhor concorda com esta afirmação?

PC: Tudo menos isso.

AAB: Embora ele não tivesse diploma.

PC: Mas era um cara muito melhor que muitos outros diplomados. Sempre apoiei o Zanine. Não só isso como também ia visitar as obras que ele fazia. E ao mesmo tempo, tenho uma visão crítica do seu trabalho, eu faço a visão crítica do trabalho do Zanine porque ele não cria escola, a escola é ele. Ele usa materiais mortos. Ele não avança porque ele usa o baú velho, a madeira velha, a coisa velha, que também confere sabor à obra dele. O tempo é a coisa mais importante. A ruga é uma coisa importante. A arquitetura que traz o tempo junto é uma coisa maravilhosa, mas o difícil é você fazer arquitetura contemporânea que tenha a capacidade de trazer essa história e essa memória. Você tem que estar na história. E tem que ter representação histórica para ser compatível com a comunidade. E o Zanine tinha grandes qualidades, mas também um grande defeito. Como ele usava muitos materiais artesanais e quando isto entrava junto com blindex, com as coisas modernas, o aço, e criava um choque até mesmo na própria construção, problemas com vazamentos, infiltrações e etc. Puro conflito de tempo na obra dele. Mas o Zanine ia muito bem, muito bem, melhor que muita gente.

AAB: E a sua atividade docente?

PC: Ai é uma coisa interessante. Quando apareceu para eu fazer a casa do Arnaldo Wright no Leblon, um terreno bonito para eu fazer. Tem até no meu livro, tem fotografia. Ai eu botei na premiação do IAB e ganhei menção honrosa. Porque o que eu fiz era uma casa que estava dentro dos princípios desconstrutivistas.

Edifício Fininvest, Botafogo, Rio de Janeiro. Arquiteto Paulo Casé, 1979
Foto divulgação [Website do arquiteto]

AAB: A casa foi construída?

PC: Não foi construída. Mas todos os princípios do desconstrutivismo estão lá, eu fiz a casa há mais de vinte anos. Eu pensei o seguinte, para que a casa não se desgaste, o meu quarto, eu posso imaginar como é meu quarto, ele é um prisma de paredes paralelas. Isso em 99% dos casos. Então eu queria fazer um projeto que rompesse com este princípio por dentro. As paredes, os tetos, não têm uma ortogonalidade. Foi premiado. Com a premiação deste projeto um professor da faculdade, encontrei com ele e me perguntou: “você não quer ir lá para a faculdade?”

AAB: E como foi esta experiência?

PC: Sabe como é que faziam na época? Casa, você escolhe o local e o terreno. Mas eu já tinha uma grande experiência profissional. Isso não existe antes de tudo você tem que ter programa, eu falava na época. Primeiro eu adotei o programa. Mas eu não fazia só o programa, exigia o lado conceitual de buscar o livro para ler. Por exemplo, eu fiz um negócio extraordinário, que eu acho extraordinário. Quando eu estava na escola, na Ilha do Fundão, eu percebi que aquela Catedral do Rio de Janeiro é a coisa mais horrorosa que tem lá na Avenida Chile, feita por um engenheiro. Então eu dei como tema, um projeto naquele local, como se não existisse aquela catedral. Mas eu queria que os alunos fizessem um trabalho sobre o Gótico e uma análise de programa religioso.

Eles faziam o histórico, o que era o Gótico, o Romântico na arquitetura religiosa toda. Faziam o programa, o terreno já existente para apresentar. Apareceu um projeto de um Dominicano, de um aluno que até bem pouco tempo ele me escrevia, que ele me fez um projeto espetacular. Aí falei com o Walmir Ayala, que trabalhava na crítica de cultura do Jornal do Brasil. E falei para o aluno: você vai publicar no Jornal do Brasil o seu projeto. Ai saiu a foto do projeto e etc. Passados dois anos, eu estou no escritório na Sisal e entra um argentino: “Que coisa incrível! Eu estava lá em São Domingos e quando eu desci tinha uma banda de música tocando e os jornais falavam: arquiteto Dominicano se destaca com um projeto no Brasil”. Por que tem coisa mais bonita que isso? Saiu no jornal uma critica sobre a Catedral, e dei a oportunidade para um jovem rapaz ser publicado, e ganhar uma festa na cidade dele, no país dele.

Edifício Estrela de Ipanema, Ipanema, Rio de Janeiro. Arquiteto Paulo Casé, 1967
Foto divulgação [Website do arquiteto]

AAB: E o senhor ficou como professor quanto tempo?

PC: Eu fiquei como professor até 1969, durante uns cinco anos, mais um pouco talvez. De repente eu tive que fazer meu escritório. Eu trabalhava na Sisal, mas já era hora de eu fazer meu escritório. E era professor na faculdade, Presidente do Instituto de Arquitetos, enfim muitas atividades. Meu escritório particular e a Sisal e aí eu não tinha tempo. Então eu pedi ao Vice-presidente do IAB para mandar uma carta para a faculdade dizendo que eu ia viajar. Eu ia fazer um salto desses, deixar de ser empregado que eu já tinha experiência para fazer um escritório de arquitetura. Eu vou viajar, vou viajar, e sai para viajar. E quando eu chego o Banco do Brasil já tinha me enviado várias correspondências porque eu não estava indo lá buscar os meus salários, então a faculdade suspendeu o meu contrato de professor.

AAB: O senhor foi expulso da faculdade?

PC: Expulsaram não, o Banco, o Banco que determinou. Aí o Diretor da Concremat, Mauro Viegas, me chamou: “Ô, Casé, os estudantes estão pedindo para você voltar” E eu falei: “Ué, eu não saí, vocês que me tiraram da faculdade, eu acho também uma coisa importante pra mim”

Não Casé, inclusive você pega a turma do quarto e vai até o quinto ano. Então eu digo: Maravilha, melhor ainda! Então vou recomeçar! Aí fui e chegou lá pro meio do ano, Vladimir Alves de Souza, assume a direção e me chama com a mesma historia: “você é importante” E eu digo: “eu não tenho duvida, já estou ai” ai passava de vez em quando lá na faculdade e perguntava: “como que esta minha situação ai?”

Tinha a grana que era pouca, mas o que eu queria era formalizar minha situação lá na faculdade. Um dia eu estou num daqueles corredores compridos quando eu ouço: “Doutor Casé!”. Vem um bedel com um livro enorme na minha direção e fala “Doutor Casé, o senhor foi reintegrado. O senhor pode assinar aqui? Agora com uma condição, o senhor não vai receber nada daqui para cá, esses meses, o retroativo”.

Aí eu falei pra ele: “você diga a todos os seus patrões que todos vão para a puta que os pariu”. Fechei o livro e nunca mais voltei lá. Que coisa para mim desagradável. Para entrar os caras mandaram me chamar com honras e etc. e agora para me mandar embora eles botam um Bedel no meio do corredor. Que coisa mesquinha, e queriam me reintegrar sob condição. Imagina se vou entrar lá sob uma condição. Então esse é o Paulo Casé que você está conhecendo, sabe. Eu me chamo assim, um leão manso, tá entendendo? Depois eu fico mais calmo, mas eu tenho esses rompantes, que é muito do papai. Papai que era muito assim, não admitia coisa que te desonra de maneira nenhuma.

AAB: Mas isso de alguma forma, é como se o senhor estivesse expressando a sua verdade interior, certo?

PC: Não sei pode ter gente que não gosta de mim por essas razões. Agora, sabe que eu tenho razão. Eu tenho uma vida que eu nunca atravessei ninguém, nunca pulei em ninguém, nunca afastei ninguém. Eu estou sempre levando a minha vida profissional, sem disputa. Não quero disputar com ninguém porra nenhuma.

Mas a escola que foi importante, não só o programa, quando eu levava livros e lia junto com os alunos em sala de aula. Cheguei por lá a ver o absurdo de a escola ter cátedra. Na medida em que o professor está na cátedra, então você é hierarquicamente superior aos alunos, você está acima deles. Um dia eu falei, sempre detestei isso, seja mais pela visão, mas como eu falo mais que escrevo, então tem uma besteira aqui outra ali, como um orador no púlpito. Então eu vou fazer um seguinte eu vou propor uma aula diferente. O Fausto Wolf, que morreu a pouco, eu, Millôr Fernandes e acho que o Moriconi, cada um vai ficar em um canto, vocês vão sentar, e não podem se mexer. Você vai ouvir, mas você não vai ver. Ouvir te desperta outras coisas, você vai ouvir uma pergunta e a resposta vem por aqui ou por aqui. Isto que é a forma de você aprender.

AAB: O senhor levou o Millôr na escola de arquitetura?

PC: Não cheguei a levar, mas a ideia que eu tive, eu ia fazer, ia ser uma experiência fantástica e única. Eu não gostava da ideia da cátedra, compreende? Queria propor uma conversa anárquica, todo mundo sentado no chão, não tinha cátedra. Mas tudo era concebido sobre um conceito, eu criei em cima de uma ideia. Não era nada por acaso. Porque, uma cátedra não é boa, o chão é pra todos, e o cruzamento das conversas, isso criava um clima de entendimento muito mais amplo.

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Fredy Massad

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Abilio Guerra

049.04

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