Beatriz Carra Bertho: Em entrevista à revista AU, Marcelo afirma que a formação de vocês foi baseada na imposição de modelos e que o ensino de um modo geral está sempre vinculado a regionalismos, internacionalismos e escolas. E que, além disso, jovens arquitetos estão “desesperados por alguma âncora... com um monte de revistas estrangeiras querendo copiar o que está feito lá fora” (7). Ou seja, arquitetos recém-formados aparentemente desorientados e sem referência. Hoje professores (8), como vocês interpretam o papel da escola na formação do arquiteto?
Marcelo Ferraz: A escola tem que fazer o estudante ser curioso, ser reflexivo, tem que fazê-lo pensar, tentar construir coisas, pois essa é uma profissão que constrói. E que crie nexos nessas coisas. Além disso, essa é uma profissão humanista, é para servir mesmo a comunidade e a sociedade, mais do que muitas outras profissões, é uma profissão bastante pública, ela tem uma interferência enorme na vida das pessoas.
É impressionante a capacidade que a arquitetura tem de interferir na vida das pessoas, mudar trajetos, mudando comportamentos numa cidade. E esse grande poder deve ser tomado com muita responsabilidade. Não é com medo, é com responsabilidade. Projetar é tentar olhar ao máximo para frente e ver o que pode acontecer adiante, isso é projetar, não é só desenhar, é olhar e ver no futuro. Acho que cinema é um pouco assim, uma coisa parecida. Você faz o roteiro, e aí vai olhando lá na frente, vai construindo uma história. Em arquitetura, a gente faz isso, mas não fica na tela, fica na vida das pessoas, nos espaços vividos. E eu acho que a escola tem que ser um laboratório de provocação, para sensibilizar os estudantes, para fazê-los abraçar a profissão com muito gosto; uma profissão que pode ser praticada com muita poesia, com muita criatividade, coragem e liberdade, principalmente. Porém, sabendo que envolve uma grande responsabilidade civil. Eu acho também que a formação de um arquiteto deve ser ampla, abrangente, não deve se restringir ao campo da arquitetura, criar fanáticos monotemáticos (e olha que existem muitos).
Francisco Fanucci: Eu acho que uma escola de arquitetura não é uma escola muito fácil de fazer, fácil no sentido de que a arquitetura não pertence exclusivamente ao universo da ciência, mas também não é algo que pertence, exclusivamente, ao universo da arte. A própria origem das escolas de arquitetura no Brasil, ora das belas artes e ora das politécnicas e escolas de engenharia refletem o caráter complexo desta disciplina, que migra entre muitos domínios. No Brasil há uma distorção no sistema educacional, que faz com que um dos melhores negócios da praça seja a educação privada. Boa parte das grandes fortunas no Brasil hoje está ligada, de certa forma, aos proprietários das grandes universidades privadas. Ficou muito fácil fazer escolas de arquitetura medíocres, formando um enorme número de arquitetos. E o problema nem é o número de arquitetos que se forma, o país necessita de muitos profissionais, mas é o baixíssimo nível de formação que se oferecem nessas universidades. Uma boa escola tem que ser, necessariamente, um lugar de embate de idéias. Um ambiente que explore as diferenças, onde se tem acesso a diversas maneiras de pensar. É difícil fazer uma boa escola de arquitetura com essas características. Nesse aspecto, talvez seja mais fácil fazer uma escola de medicina, por exemplo, em que há um conhecimento que precisa ser passado do que uma escola de arquitetura, onde o que tem que passar, na verdade, é uma multiplicidade de visões.
MF: E as pessoas que deverão agir fortemente depois, essas pessoas têm que estar preparadas para esse tipo de coisa, devem estar encorajadas. Com a certeza da dúvida. É um jargão, mas é verdade. É necessária a certeza da dúvida.
FF: Por falar em jargão, tem um que eu acho que numa escola de arquitetura importa muito: “qual é a pergunta e não qual é a resposta”, sabe? Se você formula uma pergunta real, sem se perder em academicismos, historicismos, em falsas questões, se você tiver as perguntas corretas, você já está se encaminhando para uma resposta. É diferente de uma escola em que o que se espera dos professores são respostas.
MF: E isso é que faz da arquitetura essa coisa bonita que é. Podem existir múltiplas respostas, não um só caminho, se você olha projetos de seis arquitetos para um concurso, todas as seis respostas são diferentes. Então essa individualidade, essa diferença, é justamente o caminho interessante da arquitetura.
notas
7
FERRAZ, Marcelo. Preservação da vida. Entrevista concedida a Simone Sayegh. Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 130, jan. 2005, p. 48-51.
8
Marcelo e Francisco são professores fundadores da Escola da Cidade, São Paulo.