Antônio Agenor Barbosa: Inicialmente eu queria que o senhor fizesse uma narração, da maneira que for mais adequada, como foi sua infância, sua juventude e quais os fatos e pessoas deste tempo, anterior a sua formação de arquiteto, que o senhor considera os mais relevantes e que foram importantes na construção da sua personalidade e da sua sensibilidade.
Paulo Casé: Para responder à sua pergunta, eu parto da seguinte afirmação: a vida é uma coincidência inenarrável. Meu pai é de Caruaru (Pernambuco) e minha mãe carioca e neta de portugueses. O papai desceu as escadas nordestinas até chegar aqui no Rio, conheceram-se, casaram-se, tiveram três filhos e perderam outros. Se eu pegar a ovulação de minha mãe e os espermatozóides de meu pai, são trilhões de possibilidades, meu caro.
A vida, portanto, como eu disse é uma aventura e quem está vivo agora tem que considerar que a vida é esta aventura, é um momento mágico, é uma sorte você estar vivo agora e eu também para poder lhe dar esta entrevista. Por isso que morrer é uma coisa que eu nunca vou experimentar. Aí eu desenvolvo esse decreto para a minha vida, ela é só uma coincidência, só uma coincidência e mais nada.
E mais, eu fui nascer aqui no Rio de Janeiro, ou seja, outra sorte que tive, fui nascer na Tijuca; eu sou um carioca da gema. Já a coincidência de nascer é uma aventura, essa aventura se extrapola quando você nasce no Rio de Janeiro, na Tijuca e depois vai morar na Zona Sul no início dos anos 30 (do século XX). Eu nasci em 1931 na Tijuca, depois fui morar em Copacabana, depois em Ipanema e moro hoje na Lagoa onde eu tenho uma seleção de amigos de alta estirpe, tenho quatro filhos maravilhosos, estou casado com uma mulher sensacional, e eu sou uma pessoa beneficiada e privilegiada. E, sobretudo, pelo fato de ser carioca.
AAB: Quem era o seu pai?
PC: Meu pai era Ademar Casé, foi o homem que tinha uma coisa fantástica que era uma grande criatividade. A criatividade dele rompeu com tudo, todos os trabalhos, em diversas áreas, ele foi quem inventou. Ele criou o Rádio no Brasil, por exemplo, foi pioneiro do Rádio, teve o Programa Ademar Casé, e foi um homem que ficou conhecido na América Latina inteira. Não me lembro bem de certos detalhes, mas ele foi da Rádio Nacional, depois foi da Rádio Mayrink Veiga, depois teve na Rádio Tupi e depois entrou para a fábrica da televisão no Brasil com o meu irmão mais velho, Geraldo que morreu recentemente, morreu não, pois para mim ele ainda está vivo. Geraldo Casé, meu irmão, um sujeito extraordinário, de grande caráter e talento. Também esses genes Casé, esses genes da família Casé que herdamos do papai, eu vejo isso pela minha geração, meus filhos, meus netos, todos eles são criativos, todos eles têm esta grande criatividade que meu pai e meu irmão também tinham. Porque eu acho que a coisa mais importante do homem, é que ele sendo criativo você enfrenta as dificuldades da vida de uma forma melhor.
AAB: E aonde o senhor estudou?
PC: Eu estudei primeiro no colégio público, em Copacabana, que era ali na Praça Serzedelo Correia e depois fui para o Colégio Santo Inácio. Depois fui servir ao exército e depois do exército, por diversos episódios absolutamente inexplicáveis fui ser arquiteto, e logo eu que não tinha nenhuma referência de arquitetura na minha família.
AAB: Ainda nessa linha de memória, em que momento o senhor foi despertado para a arquitetura?
PC: Você não vai acreditar, é um negócio interessante. Para não ficar na caserna, para não ser um Casé na caserna (risos), pois eu era um menino que gostava muito da vida de jovem, tinha uma vida muito boa, tinha o CPOR, você tinha que passar dois períodos de férias do colégio, para mim isso não era possível. Mas, ainda assim, eu larguei o segundo e o terceiro ano do colégio e, acredite, fui para o exército, e só depois que eu voltei para o colégio. E nesta época conheci um amigo, muito mulherengo, aí ele me perguntou; “você vai fazer vestibular?” Cara, tomei meio que um susto, eu tava numa fase da vida de muita alienação e nem sabia o que era um vestibular, para você ver o tamanho da minha alienação. Aí eu perguntei para ele: “e você? Vai fazer esse vestibular aí que você ta falando?” E olha só que curioso, ele respondeu: “Ah! Vou fazer arquitetura, pois a arquitetura fica do lado da escola de educação física, e lá tem cada menina linda” (risos). Era o Maurício Paiva. Ele que me levou para arquitetura, mas ele nem se formou arquiteto, ela era um bon vivant, um homem bonito pra caramba. E aí, eu fiquei com aquela coisa na cabeça.
Depois eu fui então encontrar o Ronaldo Cumprido, era engenheiro e que eu acho até que ele faleceu faz pouco tempo, e ele era levantador de peso na época. E quando eu o encontrei na Rua Santa Clara, em Copacabana, descendo em direção à praia, eu perguntei a ele: “Você tá fazendo o que?” E ele me respondeu: “Eu me formei em engenharia.” Então eu pensei com os meus botões, um homem que levanta peso já está trabalhando na engenharia. Aí eu respondi em seguida à pergunta dele sobre o que eu estava fazendo: “eu vou fazer arquitetura.” Então ele me disse: “Se você vai fazer arquitetura então você tem que conhecer um cara genial, indescritível! Chama-se Baiense.” Era um professor que ensinava geometria descritiva, que tinha uma didática fantástica! E eu me apaixonei por este professor e ele por mim! Eu tinha a cabeça criativa e já entendia a lógica espacial. Quando eu via a descritiva espacial, tinha uma vibração, e comecei a ver através deste professor os planos se entrecortando, e toda a lógica espacial e fiz o vestibular para arquitetura e passei em quarto lugar. Aí comecei a estudar, e a levar a sério. Foi quando realmente houve uma mudança, entrei na FNA (Faculdade Nacional de Arquitetura) de 1950 para 1951 e me formei em cinco anos, na Praia Vermelha, naquele belíssimo prédio.
O mais interessante, quando nós entramos na faculdade, jovens todos, já levávamos a bandeira do modernismo contra todo um corpo docente que era em sua maioria eclético, todos acadêmicos, ecléticos. Não havia nenhum tipo de comunicação, então nós formamos grupos de estudos entre nós mesmos, para ler livros que chegavam por cima dos muros da faculdade, livros ingleses e franceses, então nós criamos uma espécie de graduação e de uma faculdade paralela, e isso deu uma força muito grande para nós todos.
AAB: E quem era esse grupo?
PC: Marco Vasconcelos, Bernardo Tunio que já morreu, José do Nascimento Ribeiro, e vários outros. Éramos um grupo de pessoas interessadas em arquitetura e fizemos um grupo paralelo dentro da própria escola, enquanto a gente não tinha nenhuma forma de comunicação com o corpo docente na época. Agora, por que eu estou falando isso pra você? Para lhe dizer uma coisa que acho muito importante: o idealismo é uma forma de ver o mundo que pode ser muito perigosa! Adotando um certo idealismo de forma obsessiva e cegamente você não vê mais nada em sua volta. Então, aquele prédio da reitoria, ali na Praia Vermelha é, em si, uma aula de arquitetura, como se faz arquitetura, como você se coloca em relação à água, à temperatura, ao clima, ao sol, os azulejos colocados até certa altura, os rodapés, mas nós não observávamos isso, achávamos o prédio careta na época. E o idealismo teve na política, teve nas artes, em todas as áreas, que seria negar os valores que fazem parte do seu próprio passado.