Antônio Agenor Barbosa: O senhor tem uma atuação muito grande no setor de hotéis, pelo menos na pesquisa que eu fiz eu vi vários hotéis. O senhor acha que se tornou um arquiteto especialista no setor de hotelaria, ou isso não existe. Como pode nos falar sobre isso?
Paulo Casé: Isso não existe. Eu sou especialista em espaço.
AAB: E toda essa questão dos hotéis como é que surgiu?
PC: Foi um acaso, não foi nenhuma perseguição minha para nada. Uma coisa que eu não queria fazer era um hospital. Nunca vou projetar um hospital. Porque uma coisa que eu não quero é transar com a morte. (risos) Eu quero fazer é com a vida.
AAB: Então não fazer projetos de hospitais é uma opção deliberada também? O senhor nunca fez um projeto de Hospital?
PC: Não, não. Porque me faz mal ter que localizar a saída do caixão para um defunto. Nunca fiz e nem quero fazer. Já fiz até um projeto sim na área de saúde. Fiz pro Paulo Niemeyer, um grande médico neurologista, que é outra coisa. O cara era um gênio, eu o ajudei. O Niemeyer pai, irmão do Oscar. Mas esse projeto eu nem posso considerar um hospital. Aquilo era um recuperador, uma coisa maravilhosa. Não era aquela coisa de hospital que eu não gosto. Então podemos falar que num aeroporto e num hotel são lugares que você aperfeiçoa qualquer espaço onde as pessoas estão felizes. Você quase não vê no aeroporto gente triste. Pode até ter claro, mas noventa por cento tem alguma expectativa de ver outras coisas, de ver o mundo, de ver outro espaço. Isto vale para os hotéis também.
AAB: O senhor acha então que o hotel tem este caráter também?
PC: Sim, certamente. O lobby do hotel? É uma fantasia. É fantasia pura. Você está indo para uma casa que não pode ter defeitos. O hotel não pode ter defeitos. Porque o defeito pode tirar você de um sonho. Você está em um hotel onde tudo tem que acontecer com perfeição. Isso eu não sei por que, faz parte mesmo da doutrina dos hoteleiros, mas nada pode dá errado num hotel. Quando você entrar no quarto, você tem que aceitar psicologicamente que é a primeira pessoa que vai estar naquele quarto. Então o quarto tem que estar limpo, tem que estar perfeito. Então o hotel que tem retoques, acabamentos ruins, cocô no vaso, não presta. Então é um momento de fantasia, você entrar em um hotel. É descobrir um novo mundo, com novas pessoas.
AAB: Então o senhor pode definir que a sua relação de arquiteto com esse programa, que é o programa de hotel, sempre partiu dessa premissa?
PC: Da premissa de otimizar a vida. Eu acho que é um momento lindo. O lobby do hotel tem também essa missão de melhorar as condições. Quer dizer aquele momento de prazer tem que ser maravilhoso.
AAB: E no caso do Hotel Méridien em Copacabana, ele ficou durante anos como símbolo da cidade por causa da cascata de fogos que acontecia descendo por sua fachada na festa do Réveillon. Como é que o senhor vê o que aconteceu ali, o que exatamente isto significa?
PC: Ali é um símbolo de Copacabana e até do Rio de Janeiro. É um projeto atemporal. Isso deu certo porque o projeto de arquitetura do Hotel Méridien tem verdade. Não tem mentira nenhuma. Não tem nada que não seja estrutura a esquadria, a entrada, a marquise, tudo tem uma razão de ser e de estar ali. Então toda arquitetura que é atemporal, ela é verdadeira. Porque o formalismo, ele é perigoso. Porque você precisa descobrir, por quê? No diálogo com a arquitetura, você começa a ver os porquês. Por que isso, por que aquilo?
Também não sou daqueles que não defendam uma fantasia. Claro, com licença poética. Perfeito, você fazer alguma coisa como o Oscar Niemeyer faz é uma licença poética porque a gente precisa daquilo. A forma, ali tem uma função: a função de agradar. E agradar as pessoas é um papel fundamental da arquitetura.
AAB: Eu vi que nos seus livros o senhor fez algumas réplicas às criticas que foram feitas ao seu projeto Rio Cidade de Ipanema. Um dos mais ácidos críticos na época que eu lembre que o senhor respondeu a ele foi o Arnaldo Jabor, cineasta e jornalista. O senhor chegou a criar uma relação de inimizade com ele por causa disso? O Arnaldo Jabor é um cara que sempre tem essa coisa do deboche, do brincalhão, que é uma coisa bem típica do carioca. Fala um pouco sobre isso.
PC: Eu o acho um pouco ácido. Mas, o Arnaldo Jabor. Eu fico pensando na intelectualidade de um homem contemporâneo como ele, se assombrar com um poste inclinado é porque ele também não está no mundo de hoje. Você vai para a Europa, você vê que a arquitetura contemporânea toda ela é desconstruída, fragmentada, descontínua, ela é toda assim. Não há um determinismo da ortogonalidade, da linha reta. O Jacque Derrida já falou: “acabou o centralismo”. O centro não é mais importante. Era pura hierarquia determinista do centralismo que já acabou. Deleuze falava dos rizomas. Então eu fico pensando como ele reagiu de forma anacrônica. Puro anacronismo.
AAB: E o senhor se deu ao trabalho de dialogar com ele? Como foi esse embate?
PC: Ele evidentemente tem televisão, tem a Rede Globo e escreve no jornal O Globo. Eu tive que recolher minha indignação pelas críticas dele e deixar correr. Eu já encontrei uma vez com ele no Gero, um restaurante aqui em Ipanema. Eu passei por ele, e ele sempre fica um pouco assustado quando me encontra. Ele sabe que não tem tanta razão nas suas críticas por que ele é uma pessoa inteligente. Não pode brigar com as coisas que estão escritas, tudo ali tem uma razão de ser, está tudo escrito. Tudo escrito, e conceitualmente marcado. Eu lembro que um dia eu passei por ele e disse: “Oi Jabor, Eu sei que vou te amar! Eu sei que vou te amar!”
Eu passei outro dia lá perto do obelisco em Ipanema e tinham quatro americanos fotografando. Se não fosse importante na paisagem da Cidade ninguém estaria fotografando. O cara vai lá fazer uma fotografia porque, não importa se é bonito nem feio, mas o que importa é que é uma referência, você compreende? Então eu fico triste com o cara fazer lista, abaixo assinado para derrubar as coisas Se tirar, se derrubar vão sentir falta.
AAB: O senhor acompanha a produção da arquitetura contemporânea tanto no Brasil quanto internacionalmente?
PC: Eu já fui muito mais interessado em ver as novas conquistas da arquitetura. Mas quando o computador entrou na vida do homem, ele tira muitas coisas das verdades que eu defendo. Para você ver, as formas a coisas, são desdobramentos, a facilidade de você criar absurdos e construir absurdos. Eu uma vez cheguei de uma viajem assim, poxa, a estética na arquitetura tem que ser estática? A arquitetura pode brigar com a gravidade? Eu sei que ela pode porque a tecnologia permite, mas por quê? Por que se ela está em pé, a gravidade é uma só ela te puxa para o centro da terra. Eu digo isso em um edifício. Num poste é outra coisa, mais simples, mas um edifício todo torto não acho adequado. O que é essa Xangai? Eu passei lá muito tempo atrás, escrevi até contando para um arquiteto amigo meu. Primeiro não há nenhuma participação da cultura chinesa, nada. Segundo, uma competição entre arquitetos, e ainda entre empresas. É Uma demonstração clara de que num futuro próximo o homem não terá mais um país e sim uma empresa. Xangai é a demonstração clara desses pequenos países que nasceram grandes corporações que mandam e desmandam e cada um com sua arquitetura absolutamente extravagante. Por quê? Eu fico perguntando sempre por que tem que ser assim? Não se vê ali a verdade.
AAB: Então o senhor é cético com essa contemporaneidade velada na arquitetura?
PC: Sim, por que ali eu não vi conquistas. Não havia dimensionamento, não havia conquista, isso sim que tem que se desenvolver cada dia mais. Como fazem arquitetos como o Álvaro Siza, o Tadao Ando, o Rafael Moneo. São os arquitetos que conseguem fazer o moderno, mas com atualidade. Em Sevilha, aquele aeroporto do Moneo é uma coisa linda, aquelas obras do Álvaro Siza são irretocáveis.
AAB: Tem uma obra dele em Porto Alegre agora, a Fundação Iberê Camargo, o senhor conhece? A única obra dele no Brasil e, se não me engano, talvez até na América do Sul.
PC: Nunca fui, mas conheço a obra dele. Que coisa linda pura como somos nós. Branco, sol, cor, é isso! Aliás, uma das coisas que o Arquiteto Luiz Paulo Conde nos mostrou, quando ele trouxe os arquitetos catalães pra cá, é que eles fazem tudo com muito tijolo, uma coisa muito fechada, muito ranzinza. Puro fogo, o catalão não é fácil. São muito brabos. E na arquitetura quando ia por este caminho eu disse ao Conde: “Mas por que não procuraram a Escola do Porto?” O Álvaro Siza fala muito mais a nossa língua que a dos catalães. Catalão é tijolo!
AAB: O senhor é muito requisitado para proferir conferências, palestras em faculdades de arquitetura?
PC: Fujo um pouco destes convites quando eles aparecem.
AAB: Quando te chamam o senhor não vai?
PC: Toda vez que for possível arranjar um pretexto para não ir eu prefiro.
AAB: Por quê?
PC: Porque o papai teve trinta e cinco anos no rádio. Ele teve o rádio nas mãos. E nunca falou no microfone. A única vez foi em Recife, quando ele saltou em Recife levando a gente para conhecer um carro que ele tinha comprado. O Tico Tico, para irmos de carro até Caruaru, e aí levou os filhos a mulher, e quando chegou lá, para ser entrevistado ele perguntaram pra ele: “Por que você não gosta de falar?” E ele respondeu: “Sabe por que? Porque eu já vi tanta gente importante dizer besteira falando no microfone que eu não vou correr esse risco”.
Então te conto esta história para dizer que é puramente por autodefesa que fujo destes convites para palestras. Papai era assim e eu também tenho um pouco disso. Eu sou pop, minha cabeça é pop! Eu não tenho uma linearidade de pensamento assim como tem, por exemplo, o Barack Obama. O Obama é um orador fantástico. Ele entra falando e começa aqui e sai lá. Eu não sou assim, o meu pensamento é muito fragmentado.
AAB: Mas isto tem lá suas virtudes, o senhor não acha?
PC: Mas não tenha a menor dúvida de que tem virtudes. Mas que é sempre a falta de memória, a onda de memória às vezes nos trai e não tenho um tipo de memória capaz de guardar as coisas. De guardar textos, citações, referências, estas coisas eu não sei. Então, eu só estou falando aqui com você com a maior tranqüilidade porque não tem auditório. (risos)
AAB: Então aqui nesta nossa conversa o senhor está se sentindo plenamente à vontade, certo?
PC: Claro eu gosto de conversar. Gosto de conversa. E tudo fica mais a vontade conversando. E com gente inteligente é melhor ainda, porque senão eu já tinha corrido daqui desta conversa.