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interview ISSN 2175-6708

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Benaminio Servino tem uma maneira pessoal de imaginar o presente, com um vocabulário próprio, feito de memória e desejo. Também de ironia, paródia, caricatura, distopias... Entrevista feita por Sérgio Hespanha e Federico Calabrese.

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HESPANHA, Sérgio; CALABRESE, Federico. Benaminio Servino. Arquitetura italiana contemporânea: entre o desenho e o projeto. Entrevista, São Paulo, ano 15, n. 059.01, Vitruvius, set. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/15.059/5329>.


Autobiografia
Fotomontagem


Benaminio Servino, nasceu em San Giuseppe Vesuviano (1), em 1960, graduou-se arquiteto pela Universidade de Nápoles, em 1985.

Vive em Caserta (2), onde mantém seu estúdio e desenvolve um trabalho que foge ao convencional. Ele produz intensamente imagens que não podemos cair na tentação de simplesmente chamarmos de desenhos, tal como geralmente os entendemos no âmbito da arquitetura. Estas imagens são divulgadas e não se restringem à comunicação interna ao desenvolvimento de cada projeto voltado a uma obra específica: compõe séries, livros e uma teoria da arquitetura.

A técnica de Servino é variada e tem, por si, um interesse artístico. Sem deixar de fazer uso do desenho, são imagens em que a relação com projetos existe, mas não é simples, nem direta. Esta relação é mediada por um elaborado discurso que coloca estas imagens num quadro complexo, com elementos que Servino reputa autobiográficos, visionários (mas não pré-visionários).

Uma maneira pessoal de imaginar o presente, com um vocabulário próprio, feito de memória e desejo. Também de ironia, paródia, caricatura, distopias...

Criando uma relação múltipla entre imagem e projeto, no entanto, Servino não despreza a construção, afirmando que a arquitetura acontece in vivo e o desenho é um laboratório que reconstrói artificialmente o ambiente externo.

As imagens que produz correlacionam-se de um modo diverso do que conhecemos e visam à obra, mas de modo mais teórico.

A divulgação destas imagens em meios como as redes sociais, especialmente o Facebook, constitui uma característica – já esta cada vez mais comum – que compõem parte do que nos pode levar a entender a natureza destas imagens e o tipo de vínculos que têm, ou que podem ter, de modo crescente, com a arquitetura, com sua produção e com o ato de projetar.

De um modo particular, o trabalho de Servino exemplifica um conjunto de transformações pelas quais vem passando o processo de representação da/na arquitetura, para além da questão instrumental: gráfica ou o que seja equivalente.

Autobiografia
Fotomontagem

Operando a distância entre concepção, representação e sua avaliação de um modo novo (numa perspectiva histórica), o trabalho de Servino aponta para questões acerca de como a representação, especificamente, e o ato de projetar, mais em geral, ultrapassam as condições da produção da arquitetura, até certo ponto prescindindo dela (o que não quer dizer desvincular-se), transformando e potencializando o processo de projeto; até mesmo o estatuto da arquitetura. Com Servino ela virtualiza-se de um modo peculiar.

A representação emerge como vontade, pesquisa, especulação, desejo, mais do que como instrumento de aplicação imediata, numa intensidade e frequência maiores, compondo o quadro atual de um papel das ‘comunicações arquitetônicas’ que, como nunca antes, apresenta-se qual um novo domínio.

Excede-se de diversas formas, por diversos motivos, dilata-se o tempo da ação projetual. Esta, de certo modo, distancia-se da ação construtiva, adiando-a, mas não em cada projeto em si, mas sim na instauração de um pensamento arquitetônico mais geral, que interpela diversos autores, e feito na representação, em sua reprodução, bem como na produção de imagens mais específicas, como as que temos no caso de Servino; cheias de um caráter próprio. Parece-nos que tudo isto transforma o ato de projetar de modo incontornável.

As várias línguas da arquitetura (palavra, desenho, modelagem, obra) servem ao problema irrefutável da simbiose entre a arquitetura e sua representação.

Sempre está envolvida uma busca por definições alternativas da arquitetura, que acompanhem as transformações de tudo o que a influencie. Com os meios digitais (softwares, parametrização, prototipagem) temos já algo assim, compondo aquele quadro de comunicações multiplicadas, pois existe a facilidade instrumental na representação tecnológica, também uma difusão de imagens. No entanto, com o exemplo de Servino, teríamos outro caminho, diante do que caracteriza a contemporaneidade?

Servino parece manter algo das tradições, mas também não se prende a elas e ainda se insere, ao menos em parte, no que temos de novo: ou seja, no mínimo, tem na intensidade da produção e divulgação de suas imagens, muito do que é próprio de hoje. De certa congestão que ultrapassa e inclui Servino, teríamos o que constitui o pensamento acerca da arquitetura atualmente?

Na produção de Servino, o desenho constitui um rico repertório; ele evoca suas memórias e desejos, mas também os leva adiante, nos oferece o que elaborou. Sua representação é a do pensamento, menos do que de cada desenho em si (pois uma imagem não se restringe, não configura um projeto). A arquitetura é autobiográfica pela sincronicidade do que se vê, do que se vê que se vê na contemporaneidade de sobreposições. Como ele afirma, a memória elabora imagens continuamente, produzindo pensamento.

Servino parte de fortes impressões/memórias de sua terra. Alimenta-se de imagens provindas das mais variadas fontes; em seu repertório as imagens se tocam, são corrompidas, corrompem, se misturam, são transfiguradas, não há purismo, mas sincretismo.

No uso intenso que faz Servino, o desenho é um aforismo, de comunicação rápida. Ele observa, fixa imagens e as usa indiferentemente na produção de suas próprias imagens. Muitas delas, em poucos traços, rápidas colagens, simples corrupções do pré-existente.

Desenhos sobre desenhos, muitos desenhos...

San Giuseppe vesuviano e seu territorio
Foto divulgação

A força da memória, que está também na sobreposição dos estratos acumulados na cidade (numa interessante relação arquitetura e urbanismo possibilitada pela interação entre imagens, constituindo o imaginário), comprime tudo em sincronia numa horizontalidade do presente. Assim, para Servino, a forma não segue a função, segue a si mesma. Com ela cabe buscar o monumental que expressa o entendimento coletivo, pois a autoria individual não difere, ela leva ao coletivo.

Trata-se de buscar monumentos sem função, que admitem atualização constante, defende Servino. Desse modo, o projeto não interpreta, mas intervém no lugar. A qualidade do projeto não estaria em sua capacidade de interpretação, mas na forma mesma. A nudez na arquitetura (explicando-a) seria um não possuir máscaras, contudo, ela tem peles.

Podemos destacar algumas expressões ou conceitos que sintetizam o trabalho de Servino, tais como: O antigo não existe: tudo se comprime no presente; A arquitetura é sempre autobiográfica; O desenho é um aforismo (comunica rapidamente); A necessidade do monumental na paisagem do abandono (finda a cidade de limites conhecidos, a monumentalidade é o recurso para o reconhecimento coletivo); A autonomia recíproca entre arquitetura e paisagem (o mimetismo é falso); O óbvio (aquilo que vem naturalmente fácil); A forma segue a ela mesma, não à função.

Servino reflete teoricamente de modo mais direto publicando vários livros, como: Intrecci. Note sul rapporto tra committente, progettista e esecutore nella produzione dell'oggetto architettonico (Priulla. Palermo, 1997; organizador); CE 900. Guida all'architettura del 900 in provincia di Caserta (Ordine Architetti Caserta, 1999; organizador); La Cittá Eccentrica. Esemplificazione del sistema urbano-territoriale della provincia di Caserta (Nuova Arnica. Roma, 1999; organizador); Elementare-Superficiale. album di architetture 2007-1985 (Skira, 2008); Architectura Simplex (Lettera Ventidue, 2012); Necessitá Monumentale/Monumental Need (LetteraVentidue, 2012) e Obvius – Diario [con poco scritto e molte figure] (LetteraVentidue, 2014).

O trabalho de Servino foi exposto, nas seguintes situações: na Bienal de Veneza dos anos 2002, 2008, 2010 e de 2014. No Pavilhão Italiano de 2008 apresentou Obus incertum, um monumento residencial extensível na paisagem italiana. No Pavilhão Itália da XII Mostra de Arquitetura 2010, apresentou L’Osservatore Veneziano, sobre a versatilidade do uso dos arquétipos.

Servino obteve as seguintes premiações: no Padiglione Per la casa a Pozzovetere recebeu o l’International Award architecture in Stone 2007, depois o Premio di architettura Arch&stone'08: architetture in pietra del nuovo millennio, e o The Special Honour del German Natural Stone Award 2011.

Antes de apresentarmos a entrevista com Servino, um pequeno extrato de seu último livro nos dá uma boa ideia do que alimenta sua produção representativa.

“I miei disegni/le mie immagini non sono delle visioni.
I miei disegni/le mie immagini sono dei progetti.
Anche quando la dimensione monumentale potrebbe far pensare a semplici speculazioni teoriche questi [i miei disegni/le mie immagini] sono dei progetti.
Usano la forma e il linguaggio in misura definita. Non schemi.
Quando intervengo sull’abbandono non lo faccio con il cinismo [e la distanza] del reporter.
Lo faccio con un alto coinvolgimento emotivo dall’interno desiderando conservare le tracce e mostrando una via di riscatto dall’interno.
La memoria non è euristica [non cerca prove alla sua oggettività].
La memoria fonda una vita parallela/possibile/verosimile.
La memoria ci fa convivere con un nostro avatàr”
Benaminio Servino, Obvius, p. 46.

Cava de tufo e reggia de caserta
Fotomontagem

notas

1
San Giuseppe Vesuviano é uma pequena cidade no interior de Nápoles perto do vulcão Vesúvio.

2
Caserta é capital de província da Campânia a região de Nápoles.

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