Júlia Kotchetkoff: Como você descreve sua formação em projeto de arquitetura? Poderia discorrer sobre como eram estruturadas as aulas, os exercícios, qual era o papel e atuação de seus professores?
Maria Madalena Pinto da Silva: Entrei na Escola Nacional Superior de Belas Artes em 1972, antes da Revolução de 25 de Abril de 1974. Imediatamente depois do 25 de Abril, foi uma altura muito marcada (e muito importante) pela intervenção da escola no exterior, nos movimentos de associação de moradores na luta por habitação digna e pelo direito à cidade.. Nos anos seguintes a prática de projeto voltou-se novamente para as questões académicas nunca se esquecendo, contudo, a experiência dessa abertura da Escola para o exterior. Porque arquitetura é um ato social. Fundamentalmente, o ensino de arquitetura não pode ser unicamente dirigido aos alunos, professores, escola, sobre as matérias, e as disciplinas: deve-se perceber que o arquiteto não vai resolver nada sozinho, mas faz parte de um sistema que pode ajudar e contribuir para uma cidade melhor, mais livre.
Mas em relação ao ensino de projeto, uma das coisas que caracterizava, e ainda hoje caracteriza a nossa escola, é uma relação muito grande com o lugar, com o sítio onde se vai projetar. Nunca tive nenhum projeto, enquanto aluna, que fosse para um lugar utópico, um lugar indeterminado, um sítio sem lugar. Era sempre em função de um lugar específico, um lugar que se podia visitar, percebendo quais eram as pré-existências, percebendo tudo o que envolvia, a sua história, as suas capacidades de transformação. Portanto, este fator constitui uma das primeiras questões.
Depois outras questões que são determinantes no ensino de projeto é a capacidade de se entender que o projeto não vive só de si, isto é, o ensino de projeto vive também, e em meu tempo isso era muito visível, das outras disciplinas. A construção era dada sobre o projeto, e história e teoria contribuíam para a sua concepção e execução, para o entendimento do próprio projecto. O desenho era também dado em cima do projeto.
Depois a nota era a mesma: a nota que se tinha em projeto era a nota que se tinha em todas as outras disciplinas. Hoje é um bocado diferente...
Portanto, enquanto aluna, considero que o que foi importante para mim não foi tanto a bagagem específica nesta ou naquela disciplina, mas a formação com que saí da Escola Superior de Belas Artes, aliás, e naquele aspecto, penso que hoje os alunos saem melhor preparados do que nós saímos. Mas o que ficou, de facto, foram as coisas fundamentais. Isto é, num período em que Portugal era um país muito promissor, que tinha um futuro muito aberto e grandioso, a escola estava inserida nesse processo. Depois, o ensino era muito gracioso, não era pesado, tudo era encantatório. No entanto, a homogeneidade que se supõe existir então não existia, mas os professores comungavam todos em uma paixão muito grande pela arquitetura, pela cidade, pelo ensino, quase todos pelo ensino. E portanto eu tive o privilégio de ter como professores algumas das pessoas que ainda hoje são os pilares fundamentais da nossa escola. Portanto, isso são ensinamentos que não são mensuráveis, não estão nesta ou naquela disciplina, é um espírito de escola, que não se pode limitar a dizer: na disciplina de tal, tive tal, não, é uma questão mais geral e mais essencial. Portanto, não vou remeter para o que era o ensino de desenho, ensino de projeto, ensino de construção, algumas disciplinas que nem sequer me recordo o nome. O que me ficou, e eu acho que ficou em todos nós, foi esta capacidade de sabermos olhar e conseguir ver e perceber; nos interrogarmos sempre; sermos curiosos, querermos saber. Fernando Távora foi fundamental em relação a esta abertura, para nós percebermos que as questões são complexas, mas ao mesmo tempo são simples. E temos é
que ser genuínos, procurar as coisas e interessar-nos, apaixonar-nos, e, ao mesmo tempo, não limitarmos a intuição em nós. Quer dizer, sermos capazes de refletir sobre as coisas, nunca deixar de ser quem somos mas ter cuidado com os outros, sendo que esta procura do que sou, do que faço, como faço, é fundamental.
Portanto, mais que estar a discorrer sobre como era o plano de estudos, o que fica é isto, é uma formação que contribuiu para a compreensão da arquitetura como contributo para o avanço de uma sociedade, em relação a um futuro melhor, mas também como disciplina autónoma e como ofício com as suas particularidades e circunstâncias.. E depois outra coisa fundamental que se vai aprendendo com os professores, enquanto alunos, mas depois vai se aprofundando como professor, é esta relação sempre intrínseca de arquitetura, cidade, e território.