Júlia Kotchetkoff: Enquanto docente e arquiteto, você acredita ser possível ensinar projeto? E o que pode ser ensinado?
Maria Madalena Pinto da Silva: Possível é, porque ensina-se. Os alunos, quando entram, entram com uma determinada formação, uma capacidade de fazer, e quando saem essa capacidade é melhor. Portanto alguma coisa ficou, alguma coisa foi apreendida, ou aprendida, ou ensinada. Outro dia (Aula Magna de Paulo Mendes da Rocha, com o tema “Arquitetura, Cidade, Natureza”, realizada em São Carlos por meio da IAU-USP), Paulo Mendes da Rocha dizia que arquitetura não se ensina, aprende-se. Não sei se é verdade, quer dizer, quando se aprende é porque alguém ensinou, agora como é que se ensina? O que acho que isto quer dizer é que não há uma metodologia rigorosa de ensino de arquitetura, não há uma sebenta (apostila), um tratado em que se diga “ensina-se arquitetura assim”.
Eu dou aulas há 25 anos, e para além de atualmente também dar aulas em doutoramento e pós graduação, dei sempre “Projeto” do segundo ano. E mesmo quando sou regente da disciplina, que os regentes de projeto da nossa faculdade normalmente não têm turma, dou aulas e tenho turma. Porque o que mais me encanta é mesmo a relação entre professor e aluno, e a maneira com que se vê o projeto nascer e ser desenvolvido, portanto, quando se diz que o projeto “não se ensina, aprende-se”, o que eu acho que se está a tentar dizer, é que não há uma forma de ensinar projeto. Grassi tem uma frase que eu cito muitas vezes aos alunos, onde diz que o mais importante não é ensinar os alunos a fazer belos projetos, é pô-los a pensar. E uma das coisas mais importantes, não é só pra quem ensina projeto, é pra quem ensina qualquer coisa, é pôr as outras pessoas a pensarem, questionarem, se interrogarem. Em projeto, não há, eu penso, receitas, portanto não há formas ortodoxas, rigorosas, unidirecionais de fazer. Mas há um modo, dentro de um processo maiêutico, que é de extrair do aluno aquilo que ele realmente pode ser, no qual ele começa a perceber o que é que pode genuinamente fazer. Vou me recorrer doutra frase (de Gaudí), que um dos meus orientadores do doutoramento, Carlos Martí Aris, recorria-se muitas vezes, que diz que a ciência aprende-se com princípios, e a arte, entre as quais a arquitetura, com exemplos. Eu acho fundamental dar exemplos aos alunos porque eles conseguem fazer analogias, ter afinidades com o que estão a fazer, sendo que a história da arquitetura são os exemplos da arquitetura. Portanto, busca-se sempre informar os alunos, mas não de uma maneira desinteressada ou acumulativa: sempre em função daquilo que é questionado, dos problemas que têm. Tenta-se exemplificar sempre, porque é mais fácil perceber-se as coisas, e é mais fácil perceber inclusive o próprio projeto, quando se começa a relacionar com outros afins ou análogos.
O professor de Projeto deve fornecer informações que ajudem o aluno a superar os problemas sucessivos que vão sendo colocados. Problemas muito precisos e específicos que despois de identificados e avaliados serão resolvidos através da aplicação crítica e selectiva de uma solução escolhida entre as várias possíveis. Esta capacidade de eleição ou escolha é fundamental na aprendizagem, traduz uma forma de conhecimento crítico que importa sedimentar. O mais importante é que o aluno descubra a sua própria maneira de começar a ver a arquitetura e, ao mesmo tempo, a perceber como é que a formas se criam, porque arquitetura cria formas, faz espaço. Para isso é importante também pedir aos alunos para investigarem, começarem a ver com que arquitetos ou com que obras da arquitetura, é que se identificam e porquê. Porque esta procura de identificação, de verificação, também ajuda a perceber o ato de
projetar, contribuindo para a sua evolução. Portanto, o ensinar projeto passa por ter um entendimento do que é a arquitetura. E a arquitetura primeiro é um ato social, mas a arquitectura cria formas, produz espaço. Fernando Távora dizia que o arquiteto era fazedor de espaço e criador de felicidade. Netse sentido, o arquiteto, como sempre foi dito na nossa escola, não é um especialista. Não é um especialista mas é-lhe exigido a capacidade de perceber que o importante é uma interdisciplinaridade que una várias áreas, várias pessoas, várias matérias, contribuindo ele próprio com o seu próprio saber.