Isa Clara Neves: Nos últimos tempos têm surgido projetos para o estrangeiro. As torres para a China são um desses exemplos. Como surgiu esta proposta?
Eduardo Souto de Moura: O projeto para a China surgiu depois da entrega do Prêmio Pritzker. Estes convites que tenho tido agora para trabalhar em alguns sítios, distantes da cultura portuguesa e ocidental, acho que se devem ao reconhecimento depois do Prêmio Pritzker. Este projeto está a ser coordenado por um arquiteto japonês, o Isozaki que me convidou para participar depois de o ter conhecido numa viagem que fiz ao Japão, quando visitei o templo Katsura. Ele é o coordenador dum projeto onde existem vários arquitetos, ou vários empreendimentos – 11 ou 12 –, e eu projetarei um deles, havendo regras rígidas que se têm que cumprir.
ICN: E está entusiasmado com esse projeto?
ESM: Estou entusiasmado. Primeiro, o fato de ter trabalho é um ponto de entusiasmo e interesse, porque praticamente não há e não tenho trabalho em Portugal. Tenho um projeto para fazer em Portugal, que é o edifício da barragem do Tua, que estava suspenso e que agora há um mês mandaram avançar. Estou entusiasmado pelo fato de ter esse tipo de trabalho de uma escala grande – são duas Torres. Segundo, é um projeto feito num país com uma cultura completamente diferente da nossa, o que me obrigou a estabelecer alguns parâmetros para poder desenvolver o projeto. Não digo que vou fazer uma Torre Chinesa, mas não vou fazer exatamente igual como se a fizesse em Nova York, ou Chicago, ou aqui no Porto, ou em Lisboa. Portanto, existe qualquer coisa de diferente que a distingue e faz com que pertença, ou tenha ligação, a determinada cultura. Daí ter-me obrigado – porque acho graça fazer alguma pesquisa sobre arquitetura chinesa, que em parte já tinha feito quando trabalhei em Macau para o Siza e para o Gonçalo Ribeiro Teles. Portanto, pode-se dizer que foi um recomeço. Hoje quando olho para o projeto penso que aquilo realmente tem algo a ver com a China. Esta ligação não significa que seja chinês. Nem a minha função é fazer torres chinesas, nem portuguesas, nem italianas, mas há qualquer coisa, uma empatia. Houve ali qualquer química que tem a ver com a cultura chinesa. Isso agrada-me.
ICN: Em que fase estão do projeto?
ESM: Fiz o estudo prévio. Fizemos o anteprojeto, eu e os engenheiros, e agora estamos à espera que o cliente nos peça o projeto de execução. Estou optimista porque avisaram que iam pagar, o que é um sinal que o projeto vai para a frente. Hoje em dia, institucionalizou-se que quando os projetos não vão para a frente, uma pessoa não quer pagar, ou seja: “eu não vou fazer isto portanto não pago”.
ICN: E depois desta experiência sente que o fascínio pelo Oriente aumentou?
ESM: Eu gosto muito do Japão, mas o exótico não é uma coisa que me fascine. Estou muito habituado e ligado a Portugal, a terra onde trabalho, à cultura ocidental, europeia e portanto o exótico não é uma coisa que me fascine. Essa sensação de ter visto sítios diferentes, culturas diferentes, o entusiasmo que vejo dos tipos que fazem viagens, que vão dormir no deserto… o Venceslau Morais que foi viver para o Japão e vestia-se com uns turbantes japoneses e tantos outros! Eu gosto muito da arquitetura japonesa e da cultura japonesa, no sentido do rigor e da preocupação estética que têm em todos os mais pequenos pormenores banais do quotidiano, desde um embrulho, ou um laço, uma etiqueta, qualquer coisa. Portanto, essa obsessão pela excelência, no fundo, dos materiais, das texturas e das cores, agrada-me. Em relação à China nunca tive essa atração, nem pela arquitetura – pois não é depurada como a japonesa, e as artes decorativas chinesas são um bocado complicadas, sempre com os dourados e os dragões, um bocadinho excessivos. Portanto, é uma experiência diferente e é isso que me entusiasma. Agora o que me está a acontecer é que, pela decadência da economia e da cultura ocidental, estão a aparecer as novas economias, países emergentes, que não têm nada a ver com o Ocidente. Bifurcam-se as possibilidades: ou é África – onde também estou a trabalhar, em Angola, já trabalhei em Moçambique – ou então é a China. Já aconteceu, tive uma proposta para fazer umas coisas para a Índia, mas não foi para a frente, pelo menos até agora. No fundo, esses países de longe são as economias emergentes, tal como o Brasil, que também promete uns projetos, mas depois nunca se passa nada.
ICN: Em Angola, o que é que está a desenvolver?
ESM: Em Angola estou a fazer uma parceria com um arquiteto de lá, um loteamento, uma urbanização grande, uma espécie de cidade-fundação. A dimensão não posso dizer que seja a de um bairro nem tão pouco de uma cidade, nem tem sentido desenhar uma cidade, mas, no fundo, uma urbanização hierarquizada. Não é uma sucessão de prédios, mas tem um centro, tem uma praça, tem uma praia. E faço sempre em parceria com outro arquiteto. Fui lá uma vez e espero que continue. Nestes países nunca se sabe bem. Tal como em Abu Dhabi, fico sempre à espera. Um dia vai tudo para a frente, no outro dia não vai.
ICN: Como é que está o de Abu Dhabi?
ESM: Está suspenso. Tenho pena. Ganhei o concurso, depois fiz a primeira fase e depois apareceu a revolução, a Primavera árabe, e os árabes começaram todos aos tiros uns com os outros. Como aquilo que eu ia fazer era uma escola árabe que reunia a língua e a cultura árabe, e como eles não se entendem muito bem, o Xeque disse que melhores dias virão e vamos aguardar.
ICN: E nestes projetos que está a desenvolver para o estrangeiro, sente restrições a nível económico , tal como cá tem sentido devido à crise que vivenciamos?
ESM: Não... Não se pense que são mãos largas, quanto mais ricos mais se preocupam com o dinheiro, senão não eram ricos.
ICN: Mas concorda que as grandes obras de arquitetura, em termos gerais, são as de tempos de crise?
ESM: Não. Aliás a palavra crise em chinês quer dizer “projeto”, ou seja é uma espécie de um êmbolo, que é o reconhecimento que alguma coisa acabou, falhou, e depois, com a consciência desse falhanço, a preparação para um novo projeto. É aquilo que eu digo, expliquei, e penso, quando fiz o discurso do Pritzker. Eu não sei se é por ser optimista, acredito que as crises e as épocas de decadência têm sempre contidas nelas o gene de uma nova fase. Aliás, penso que os grandes avanços da arquitetura vêm sempre a seguir a guerras. A guerra destrói e, nessa destruição, as cinzas são um pouco a semente da renovação. Aconteceu isso nas guerras deste século. A arquitetura moderna, se não fossem a Primeira e Segunda Guerra Mundial não tinha esse desenvolvimento: na primeira, o aparecimento do Movimento Moderno; e a segunda, com a divulgação desse Movimento Moderno na América, com fortes meios econômico-financeiros, fizeram com que a arquitetura e esse país mudassem.