Isa Clara Neves: Afirmou recentemente o seguinte: “A minha posteridade é a atual, só me interessa o presente.” Consegue viver o presente com tanta intensidade? Não se preocupa com o futuro?
Eduardo Souto de Moura: Não. Há uma frase que explica bastante bem essa minha questão – não é pela frase que eu sou assim – é do Einstein que diz: “o futuro chega demasiado depressa”. Não vale a pena pensar como é que vai ser o futuro. É uma constatação, portanto, o futuro é praticamente o presente.
Segundo, com a idade, uma pessoa vai percebendo algumas regras do jogo – não queria usar a expressão “à medida que se fica velho” – mas com a idade, com a experiência, percebe-se que o futuro, as vanguardas não são assim tanto rupturas com o passado, e que a arquitetura é uma coisa muito lenta e pode ter um aspecto de imagem muito diferente, mas tem um suporte e uma compreensão muito semelhante entre as várias épocas e as várias linguagens, que são as alterações de materiais, sistemas construtivos, etc. Há uma espécie de conceito, de ideias base de arquitetura, de casas, de portas, e de janelas, etc. Portanto, eu sei que aquilo que vem aí não vai ser muito diferente do que se tem feito. Andou aí num jornal uma pergunta qualquer sobre como vai ser o mundo daqui a 20 anos. Vai ser muito parecido com o que é agora, porque nós estamos em 2012, e se virmos um filme de há 20 anos é tudo igual. Ainda no outro dia vi o Blow Up, do Antonioni, o tema é atualíssimo, e até reparei no modo das pessoas se vestirem...o filme tem uns 40 ou 50 anos e podia ser passado hoje, quer pelos carros, quer pelas roupas, que é uma coisa que data muito os filmes...As pessoas com as calças à boca de sino, uns bigodes, umas patilhas. E, portanto, há esses artistas, ou realizadores, ou arquitetos, quase universais, que não têm data... isso eu vi... portanto o que interessa não é o presente, é resolvê-lo . E não queria ser saudosista, porque acho que o mundo, com todos os defeitos, muda para melhor. É uma frase um pouco preocupante, parece que estou conformado e não estou, mas o que é certo é que as gerações posteriores não são piores. O balanço não é assim tão negativo. Aquilo que interessa no presente é continuar a fazer o melhor possível, para que depois mais tarde não me arrependa de dizer “podia ter feito assim e não o fiz por isto ou por aquilo, ou por comodismo, ou por aí fora”. Portanto, vivo um bocado obcecado pelo presente, como se fosse, não digo o último dos momentos, não nesse dramatismo, mas pode ser uma maneira para fazer aquilo ou tratar daquilo. Depois, no dia seguinte, não sei se posso tratar e se vai ficar mal.
ICN: E, para terminar, vejo na sua postura um jeito algo monolítico nesse interesse do presente, ou seja, o modo de estar com um projeto e estar a fazer uma coisa só, inteiramente.
ESM: Sim, eu acho que aquilo que faço – aí pode-se dizer que sou orgulhoso – gosto de fazer bem. As pessoas pedem-me para fazer bem e eu peço-me, sou exigente comigo próprio. E mesmo assim um tipo espeta-se, imagine se não for assim. Pode dizer-se que esse culto de excelência está ligado a uma certa vaidade, de querer que as coisas fiquem bem. Mas eu não vejo outra maneira de fazer as coisas, porque ou não se faz, ou se tenta fazer bem. É um tributo que as pessoas nos pedem, nos vários campos de atividade, eu admiro essas pessoas que se exigem. Para acabar digo aquela coisa maravilhosa: perguntaram ao Oscar Wilde o que é que ele fazia e ele disse que era escritor. E o tipo muito admirado disse:
— Ai é? E o que é que fez hoje?
— Eu hoje de manhã pus uma vírgula.
— E o que vai fazer de tarde?
— Vou tirar a vírgula.”
É isto, a obstinação. Até chegar lá.