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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
O arquiteto paisagista José Tabacow conta sobre sua formação e as possibilidades abertas ao trabalhar com Burle Marx. Relata ainda sua atuação enquanto professor e as divisões equivocadas entre paisagismo e urbanismo, paisagem natural e urbana.

english
Landscape architect José Tabacow tells about his training and the new possibilities when working with Burle Marx. He also reports his role as a teacher and the mistaken divisions between landscaping and urbanism, natural and urban landscape.

español
El arquitecto paisajista José Tabacow cuenta sobre su formación y las posibilidades abiertas al trabajar con Burle Marx. Divulga sus actividades como maestro y divisiones equivocadas entre el paisajismo y el urbanismo, paisaje natural y urbano.

how to quote

PIPPI, Luis Guilherme Aita; GABRIEL, Letícia de Castro; NOGUEIRA, Ana Paula. Relatos em arquitetura paisagística. Entrevista com José Tabacow. Entrevista, São Paulo, ano 19, n. 076.02, Vitruvius, nov. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/19.076/7177>.


Luis Guilherme Aita Pippi: Quais as memórias e vivências com o Roberto Burle Marx que mais ficaram desse período, em especial em suas viagens?

José Tabacow: Olha, pra mim, o mais marcante, certamente foram as excursões de coleta que a gente fazia. Não é a toa que eu fui chamado pela televisão pra fazer esse programa porque, primeiro eu sempre fui viajante explorador, eu sempre gostei de explorar. Quando ia pra faculdade com um fusquinha, a faculdade no Rio... e eu fazia caminhos diferentes mas não podia perguntar nada pra ninguém, tinha que voltar pra casa sem perguntar nada, a gente se perdia intencionalmente lá pela zona oeste do Rio de Janeiro e se re-encontrava nos lugares mais surpreendentes. Eu sempre tive isso... quando eu cheguei no escritório, foi em agosto de 1965, em setembro Burle Marx saiu pra uma excursão e foi uma excursão fatídica porque ele convidou o Rino Levi, que era amigo dele e o Rino morreu na excursão, teve um infarto. As condições foram dramáticas porque na hora em que ele se sentiu mal estava sozinho, então o corpo ficou desaparecido um dia e meio, quase dois dias. Tinha morrido e Burle Marx quase foi acusado de assassinato pela polícia local, que fez investigações. Foi dramático e ficou algum tempo sem o Roberto fazer viagens.

Quando passou o trauma, na primeira viagem que houve, o Roberto já convidou a gente pra participar, o Haru e eu. E nós fomos, foi uma viagem em Rio dos Macacos lá na região de Brasília, em Goiás, e aí eu me apaixonei por aquele tipo de viagem. Eu fiquei assim, doido para viajar mais, para fazer aquelas coisas, porque era muito enriquecedor, aprendíamos muito sobre botânica, ecologia e paisagem. Quando eu já estava há bastante tempo, já estava administrando o escritório, esse tipo de coisa, eu passei a ser mais ou menos organizador de viagens de longo curso que era o que o Roberto não fazia antes. Ele ficava entre Rio, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia e Goiás, no máximo, sabe. Essa de Brasília foi porque ele ia a Brasília de avião, nós fomos de carro e encontramos com ele lá, uma coisa rápida de três dias. É...

Então eu comecei a participar das viagens e a inventar viagens maiores. Eu queria ir muito ao Pantanal e o Roberto tinha medo do tempo e do custo, porque ele tinha uma despesa muito grande, pagava um caminhão, o motorista do caminhão, os empregados que iam pra ajudar na coleta, pra acomodar as plantas, esse tipo de coisa, então não saia barato, ele pagava o hotel pra esse pessoal todo e, o resto do pessoal, os que queriam ir do escritório, pagavam as suas despesas. Então ele tinha receio, mas eu insisti muito com o Pantanal, até que ele cedeu. Foi engraçado, porque ele disse “Tá bom, eu vou. Mas você é o responsável”. Respondi “Tá bom, eu sou” e até hoje eu não sei qual era a minha responsabilidade na história, mas eu fui o responsável, sabe. Eu não sei se era pelo itinerário ou se era se acontecesse alguma coisa eu ia ter que responder... não sei até hoje, mas eu aceitei. E foi uma viagem fantástica, muito boa. Fomos pelo sul, pela parte sul do Pantanal, por Miranda e depois até Corumbá, de onde avançamos um pouquinho pra entrar na Bolívia, em Puerto Suárez.

A partir de então eu inventei a nossa grande viagem à Amazônia que só aconteceu em 1983. Eu já tinha saído do escritório, mas a viagem foi fruto do meu trabalho, eu que corri atrás, eu que pedi financiamento, essas coisas todas, eu já estava perseguindo isso, sei lá, durante uns 8 ou 10 anos, até que saiu o financiamento e a gente fez a essa grande viagem lá pra a Amazônia. Bom, esses foram os momentos assim que eu gostava mais, embora não tenha muito a ver com paisagismo, a não ser pelas plantas que a gente coletava, pelo meu aprendizado do ambiente brasileiro sabe, hoje eu me orgulho de conhecer praticamente, não todo o Brasil, eu não sou louco de dizer isso, mas de conhecer um pouquinho de amostras de cada ecossistema que tem nesse país que é tão rico. Inclusive, daquele grupo lá, o único que continuou fazendo viagens de uma certa forma, prolongando aquelas viagens, fui eu.

Hoje em dia a gente não pode coletar mais pela legislação, mas eu coleto imagens, fotografias. Então eu continuo viajando pelo interior do Brasil e adoro. Adoro viajar, adoro ver e ter esses momentos inspiradores. Esses programas de televisão que nós fizemos foram muito gratificantes pra mim fazer, foi uma revisita a muitos lugares. Eu pude rever que antes eram absolutamente selvagens com cidades novas na Amazônia. Na primeira viagem, nós havíamos parado num lugar pra tomar banho de rio, no Igarapé das Pedras que fica a uns 150 km ao norte de Manaus. Em 1983 era floresta e água. Hoje em dia tem uma cidade ali, Presidente Kennedy, com pousadas para todos os lados, porque é um lugar muito bonito, muito bom pra banho, essas coisas... tem pousada pra tudo que é lado, asfalto, coisas impensáveis na época.

No Mato Grosso, quando eu fui com a equipe da TV, procuramos a cidade de Campão mas, aparentemente ela já não existia. Eu pensava que estava louco. Eu dizia: é Campão o nome da cidade. Olhava nos mapas não achava, perguntava lá, ninguém sabia. Mas eu tinha este nome na memória. Eu lembrava de Campão por causa de um concerto de sapos, tinha um brejo perto da cidade e dele vinha aquele som fervilhando à noite. Nós fomos pra lá pra ouvir e acho que nós ficamos umas três horas em silêncio sentados na beira do brejo e aquele barulho “uelueluel...” os grilos e as pererecas, sapos, aves noturnas... Foi muito bonito! Mas eu não encontrava a cidade, até que eu vi um senhor mais velho e perguntei: estou procurando uma cidade... Campão, não existe Campão? Aí ele riu e disse: hoje em dia a cidade se chama Bodoquena, era Campão há muitos anos atrás, já mudou o nome. Tudo tinha mudado e estava irreconhecível, não existia mais o brejo, aterraram tudo, fizeram construções, casas, edifícios, hotéis. Foi uma mudança muito forte.

O próprio Pantanal quando a gente foi, isso foi no ano de 1978, via-se animais – jacarés, porco-espinho, pacas, todos na beira da estrada, era uma estrada de terra de Miranda para Corumbá. Hoje em dia é asfalto, você não vê um bicho, não vê água mais, não vê planta, brejo... não tem mais, aterraram tudo ao longo da estrada, acabou-se. Pra ver alguma coisa de original do Pantanal você tem que buscar um daqueles resorts que tem Jeep tracionado que te apanha no aeroporto em Campo Grande e só eles conseguem chegar, assim bem difícil. É a única forma de você ver amostras do Pantanal como era o original.

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