Letícia de Castro Gabriel: Você poderia nos contar das suas obras e experiências projetuais paisagísticas mais marcantes?
José Tabacow: Não, na verdade eu não tenho nenhuma obra minha que tenha sido feita como eu projetei, né e eu acho que o próprio Burle Marx também não tem. Alguma coisa sempre vai mudando e, ao longo do tempo também muda, enfim... Eu gosto muito de um período que eu trabalhei em Salvador, na Bahia, sabe, eu tinha feito um parque em Salvador com o arquiteto e urbanista Manoel Lorenzo. Era amigo de um amigo meu, me apresentaram ele e ele me chamou pra trabalharmos juntos. Nós entramos na licitação da Companhia de Desenvolvimento Urbano do estado – Conder, e ganhamos a licitação. Então começamos a fazer esse parque. É um parque pequeno de 77 mil m² na orla de Salvador né e chama-se Parque Costa Azul. Foi muito interessante o trabalho. O projeto foi desvirtuado em muitos pontos, mas as linhas gerais da composição estão lá ainda. Considero que o resultado foi bem bom em função das dificuldades no local, as próprias dificuldades com a equipe, com o governo baiano, intervenções do secretário que ia lá e mudava as coisas arbitrariamente e a dificuldade do local, que é o segundo maior em salinidade do Brasil. Eu saía da obra com uma casquinha de sal na lente dos óculos!
É difícil escolher plantas para essas condições. Então fizemos a proposta de um viveiro pra aclimatação das plantas. Esse viveiro ficou pronto muito tarde, não deu tempo de produzir a vegetação que eu tinha especificado e eles plantaram tudo com coqueiros que é a garantia que vai dar certo na beira-mar. O projeto sofreu muito, mas as estruturas, o desenho, ficaram. Tem aquela pista, aproveitando a berma do talude, uma ciclovia que integra com a que tem na orla marítima através de uma passarela e depois uma ponte que liga também para o bairro vizinho que é a Pituba. Depois disso, coincidentemente, o arquiteto foi nomeado foi nomeado secretário de obras e me chamou para ajudá-lo na prefeitura. Trabalhei em muita coisa por lá, o Parque da Cidade, a Praça da Sé, a Via Paralela, a arborização de várias avenidas de Salvador. Foi um período bom de trabalho, bem ativo, eu ia para a Bahia a cada mês e meio, mais ou menos, entre 1994 até 2002, por aí, foi quando mudou a prefeitura.
Outra coisa que eu tenho boa lembrança é o projeto de um parque que eu fiz recentemente pra Tractebel lá em Capivari de Baixo, no sul de Santa Catarina. É um parque grande, 600 mil m² que está sobre lagoa de decantação e é uma espécie de compensação ambiental que a empresa faz porque a cidade de Capivari sofre com a fuligem que sai da usina termoelétrica, é a geração de energia a partir de carvão, então ela deixa dois subprodutos industriais: um é essa fuligem que sai pela chaminé e cobre toda a cidade, e o outro é o chamado carvão pesado, que é retirado por água de dentro da indústria e vai para as lagoas de decantação. Então, esse parque eu fiz sobre quatro lagoas de decantação dessas já saturadas. Ele tem tido um uso muito intenso. Também tem problemas de execução mas ainda dá pra salvar, tem uma grande área reflorestada com espécies autóctones. São cerca de 300 mil árvores que ali foram plantadas. Esse parque é mais recente, é de 2006, 2007, por aí.
Agora no escritório, tem alguns projetos que eu fiz que também me são caros, por exemplo, a Praça Peru em Buenos Aires, era uma pracinha que praticamente foi feita num trabalho do escritório que teve participação de todo mundo, de estagiários, até da moça que limpava as salas. Ela dava palpite também (risos). O Roberto fazia os traços iniciais do projeto, depois o Haru e eu desenvolvíamos e ele supervisionava e dizia se estava bom, queria mudar e tal e quando ele liberava, a gente passava pra o pessoal de desenho. Nós fizemos uma espécie de revolução lá no escritório, porque o Roberto nunca queria saber muito da organização. Essas coisas não eram com ele e, pouco a pouco, foi deixando em nossas mãos. Primeiro, acabamos com a figura de desenhista profissional, os desenhistas eram todos estudantes. Quem queria fazer um estágio, quando tinha vaga, fazia. Tinha eventualmente, de outras áreas, mas a maior parte era de Arquitetura, cerca de 80%. Mas tinha de Belas Artes, tinha de Biologia, de Agronomia. Na época os desenhos eram a nanquim. Quem entrasse aprendia a desenhar a nanquim com a gente. Todo mundo desenhava muito bem no escritório, desenho técnico, de projeto, porque era uma coisa que, quando a pessoa aprendia, ela passava a ser remunerada por produção. Então por isso que a gente podia viajar sabe, porque eu dizia aos estudantes desenhistas: nós vamos viajar sexta-feira, se você acabar antes você pode vir com a gente (risos).
Outra grande mudança foi a forma de remuneração. Eu também ficava muito irritado com o sistema de pagar por hora, porque tem umas coisas que são terríveis, por exemplo, você ficar controlando se o desenhista chegou na hora marcada, se ficou meia hora tomando cafezinho. Então, eu atribuí a responsabilidade, eu digo eu, porque com o tempo, o Haru ficou muito mais vinculado a desenvolvimento de projeto e eu fiquei fazendo a parte administrativa. Aliás, foi por isso que eu quis sair do escritório em 1982, porque eu tinha me tornado um administrador, não saía do avião, viajava para tudo que era lado e prancheta mesmo, tinha cada vez menos oportunidades.
Voltando ao assunto, nós acabamos com o desenho por hora. Passou a ser por tarefa. Então, no verão o pessoal começava a chegar no escritório às duas da tarde, todos iam para a praia, depois ficavam trabalhando até as duas, três da manhã, eles podiam ficar até a hora que quisessem. Nós deixávamos a sala de desenho e o portão abertos, o resto era trancado porque ali também era a casa do Roberto. E eles ficavam lá na sala de desenho, tinha banheiro, uma pequena copa, tinha tudo de que podiam precisar. Na hora que queriam, iam embora e eu nem estava controlando, só controlava a entrega e a qualidade do serviço. Então eles podiam, inclusive, participar das viagens, que para um estudante era uma experiência fantástica. Roberto convidava os grandes botânicos do país. Eram de primeiro time: Graziela Barroso – eu dizia que Graziela Barroso era argumento de congresso: “a Graziela disse” pronto, ninguém discutia mais nada. Luis Emygdio, que era do Museu Nacional do Rio de Janeiro, uma humildade, uma pessoa fantástica, então a gente aprendia muito em viagem.
Voltando àquela questão do dia-a-dia no escritório, às vezes o Roberto começava a falar sobre o que ele estava fazendo e porquê, e então, pouco a pouco, todo mundo que estava naquelas pranchetas, era um salão enorme, tinham dez pranchetas que eram “portas” de 1mx2,10m na horizontal, porque os desenhos de paisagismo são desenhos grandes, mapas grandes, então, o pessoal vinha e começava a se juntar em volta da mesa. Virava uma aula. Esses momentos eram preciosos porque o Roberto estava descontraído e ele falava muito bem nessas horas sabe. Ele nunca fez uma palestra falando, fazia lendo, porque tinha medo, ficava nervoso. Você chegou a assistir alguma? Quando acabava de ler, começavam as perguntas. Então ele já se descontraía um pouco para responder, começava a falar mais descontraído e todo mundo já gostava mais.
Muitas vezes pessoas vieram falar comigo, “Por que o Burle Marx fica lendo? Ele falando é tão mais legal” e eu disse ó “Não tem jeito, ele não quer abrir mão disso”, mas na prancheta dele, ali ele falava muito bem e muito claro o que ele estava pensando e eram aulas, como se fossem palestras de bolso sabe, assim, rapidamente, meia hora, vinte minutos, mas eram de grande conhecimento, de grande aprendizado para nós. E depois criamos a figura, nos mais desenvolvidos, que já estavam por se formar, de chefe do projeto. Ele era um intermediário entre a gente e os desenhistas, tinha mais de experiência, ganhava um pouquinho melhor e viajava, ia pras obras, ia pra ver se a implantação estava correta, dava assistência ao cliente. Isso também deu uma vida muito grande ao escritório, que era também um ambiente de aprendizado muito grande.