Fernando Diniz Moreira / Giselle Cristina Cantalice de Almeida: Conhecemos pouco sobre a escola em que você se formou, a Universidad de la Republica – Udelar, exceto por alguns arquitetos do Rio Grande do Sul que foram lá estudar com Maurício Cravotto. Parece-nos que esta escola tinha uma fonte ênfase na relação do urbanismo com a arquitetura, ao passo que no Brasil, essas dimensões foram tratadas quase como dicotomias. Como se deu, então, esse processo de formação no Uruguai? Ele influenciou sua forma de projetar?
Héctor Vigliecca: Sim, eu me formei lá, mas não tínhamos uma formação tão sólida no que diz respeito à cidade como a que temos hoje. Era muito superficial porque o Uruguai não tinha tantos trabalhos de escala urbana. Então, tudo que estudávamos sobre a cidade na escola era muito superficial, muito teórica, nada que podemos dizer que você fica formado em urbanismo. Entretanto, tínhamos ali perto o ambiente de Buenos Aires.
FDM/GCCA: Conte-nos um pouco sobre como vocês viam o ambiente argentino naquela época.
HV: Em Buenos Aires aconteceu um processo interessantíssimo entre as décadas de 1960 e 1970. A produção era absolutamente extraordinária. De fato, era uma releitura do que acontecia na Europa. Nós líamos a Europa através da arquitetura produzida na Argentina. Tanto que nessa época existiam arquitetos que eu particularmente considero extraordinários e que influenciaram muito minha vida profissional, como Justo Solsona e José Ignacio Díaz. Solsona e seus associados fizeram um conjunto habitacional maravilhoso como o La Rioja no final dos anos 1960. Díaz dominou o tijolo como ninguém e fez edifícios magníficos em Córdoba. Alguns deles já morreram, mas eram escritórios, naquela época, jovens mas com um enorme potencial.
A Argentina tinha uma capacidade econômica de construir essas coisas. Também teve naquela época uma extensa produção teórica. Eles também tiveram muitas oportunidades devido aos concursos que concederam espaço para jovens arquitetos. Bom, eu poderia te lembrar uma meia dúzia de pessoas. Só vou te contar uma coisa curiosa, acabei de voltar de Buenos Aires, dei duas palestras lá e eu falava dos arquitetos argentinos daquela época, mas notei que a plateia não se lembrava bem. Os próprios argentinos parecem não ter uma ideia muito clara do que eles produziram naquela época.
FDM/GCCA: E sua experiência na Itália e na Europa? Naquela época o panorama europeu era dominado por uma visão muito crítica em relação à arquitetura e ao urbanismo moderno. Como estas posturas críticas transformaram e/ou interferiram na sua prática projetual?
HV: Após me formar, passei três anos na Europa, primeiramente em uma pós-graduação em urbanismo na La Sapienza, depois viajando pelo continente. Este período foi muito importante em minha formação, particularmente por que foi um momento de questionamento das soluções modernistas para a cidade e de valorização das pré-existências, do homem na comunidade onde estava inserido, do contexto, da rua e do pedestre, por parte de arquitetos como Aldo Rossi, o casal Smithson, Aldo Van Eyck, James Stirling, entre outros. O casal Smithson, por exemplo, não entendia a habitação apenas como espaço de moradia. Para eles, agregados a essa moradia estavam os espaços de convívio e os espaços públicos. A proposta deles para o concurso do Golden Lane tinha passagens aéreas, as street in the sky, que criariam possibilidades de encontros e de vida comunitária. Nesta época o Archigram ainda estava em alta e aprendi com eles que o arquiteto não define a arquitetura, mas que pode criar uma estrutura que a realidade transforma depois na obra final. O projeto não pode ser algo fechado, concluído e intocável, mas como um objeto inicial a ser transformado mediante as necessidades e as mudanças que o tempo requerer.
Outro arquiteto importante para mim foi o James Stirling. Veja só o edifício daquela galeria em Stuttgart (Neue Staatsgalerie), Ele buscou criar uma nova galeria de arte fazendo conexão com a antiga galeria de 1843 ao lado. O projeto novo é um U tradicional que faz referência ao neoclássico da antiga galeria, mas ele aproveita o declive do terreno como parte de um passeio arquitetural que direciona a passagem pública através do edifício. Ele buscou se integrar como o lugar e com o passado. É um projeto de grande sabedoria. Aliás, é isto que devemos procurar na história, sabedorias e não questões formais ou estéticas.
Estas influências foram importantes para mim, mas na verdade, aprendi a trabalhar com essas escalas maiores quando vim aqui para o Brasil. Aqui, eu aprendi por meio dos trabalhos que fizemos para os concursos que participamos. Devo mencionar a ótima experiência que tive com Joaquim Guedes, para quem fui trabalhar, logo quando cheguei ao Brasil, em um projeto de um hotel no Morumbi. Fiquei lá por três anos, quando o volume de trabalho do escritório era em planejamento urbano. É lógico que aprendi muito em uma cidade como São Paulo. Edifícios como o Conjunto Nacional de Libeskind e muitos edifícios no centro me impressionaram muito pela forma como traziam a cidade para dentro deles.
Já no meu próprio escritório, fizemos aqui trabalhos grandes e importantes, como o projeto da Luz e o projeto do Arco do Futuro aqui em São Paulo, e o Morar Carioca no Rio de Janeiro. São áreas urbanas imensas, estamos falando assim em áreas com 1600 hectares. Fizemos um projeto lá em Salvador muito grande para toda capital. Não sei se me esqueço de algum outro, mas esses são os principais. Depois fizemos os parques esportivos para as Olimpíadas, um trabalho muito importante em quase dois anos. Então, tive uma formação inicial da Udelar mais uma formação que eu fiz aqui no Brasil sem escola, em cima de trabalhos profissionais. Enfim, isso é o que posso dizer em relação a formação.