Fernando Diniz Moreira / Giselle Cristina Cantalice de Almeida: Quando vocês vão realizar os projetos, como é o diálogo com a comunidade?
Héctor Vigliecca: Isso é fundamental, inclusive é obrigatório por lei! Fazemos assembleias, mostramos o projeto para comunidade, etc. Entretanto, nosso papel como arquitetos não é só fazer o que a comunidade pede. Temos de ouvir, entender o que tem de ser feito, mas é preciso interpretar esta realidade. Nem tudo o que a comunidade pede é o que deve ser feito.
Não expomos as carências da área nem um programa de equipamentos a ser implantado, mas oferecemos uma visão de nossa interpretação da cidade. Não dizemos dessa maneira: “ah, falta uma escola, falta um parque”. Nós analisamos se realmente precisa de uma escola, entendeu? Ou seja, duvidamos dessas leituras dos levantamentos iniciais. Tem empresas que vivem disso, fazendo diagnósticos imensos que não param nunca. Nosso processo é diferente, é formulado por meio de hipóteses. Então você já sabe o que quer, por isso fazemos um diagnóstico bem pequeno. Você já tem a hipótese do que quer fazer. Tem empresas que enriquecem com isso e o interessante é que o poder público paga muito bem para esses diagnósticos, mas para o projeto querem pagar o mínimo possível. Essa é a nossa realidade.
FDM/GCCA: Em um de seus vídeos no Youtube, intitulado “Habitação social – diferentes configurações através de elementos componíveis” (1), é possível identificar um estudo preliminar com protótipos para o projeto do Morro S4 (Renova SP). Como se dá esse processo projetual? Você parte de algum pressuposto relacionado aos materiais e estruturas ou ao custo e depois partem para adaptá-los ao contexto onde serão inseridos?
HV: Ah, vocês viram aquele filminho? Bom, em certa medida isso foi uma exigência da prefeitura. Eles queriam algum “modelinho” que servisse para as diferentes condições, para não ter que pagar hidráulica, mas que possibilitasse que cada projeto fosse diferente. Então a gente começou a pensar em elementos componíveis que poderiam se adaptar a diferentes formas de lotes e topografias. Isso é resultado de um raciocínio, de como fazendo duas ou três unidades [...]
Neli Shimizu: Na verdade é só uma unidade que se adapta a lugares diferentes.
HV: Mas isso foi uma iniciativa nossa para atender o que a prefeitura estava pedindo.
NS: O nosso projeto era o que tinha os maiores terrenos e mais áreas, se não me engano, 23 terrenos.
HV: Esse, por exemplo, nem chegamos a construir. Ainda me lembro que eu estava de férias, não estava aqui no Brasil, e recebo uma ligação da prefeitura a dois dias antes do Natal. Dizendo assim, olha é para parar o projeto. Olha que bonito presente de Natal você me deu! Para parar o projeto até nova ordem, e paramos. Nós já estávamos no projeto executivo desse trabalho.
NS: Nós agora vamos investir em concursos fora do Brasil.
HV: Sim, o arquiteto deve ser capaz de interpretar diversas realidades e trazer coisas novas, imprevistas.
FDM/GCCA: É possível perceber o interesse do escritório por concursos, sabemos que vocês já concorreram a 77, ganharam 41 prêmios e nove primeiros lugares. Por que essa paixão por concursos? O que eles oferecem ao arquiteto?
HV: Não [...] não é paixão, é necessidade. É necessidade de ter trabalhos. Eu não sou brasileiro. Então quando cheguei ao Brasil, a única possiblidade de acessar a um trabalho grande era o concurso e também percebia que o concurso para o escritório, nós aprendemos a trabalhar juntos, a fazer coisas em equipe. Isso foi muito positivo e continua sendo um espaço de reflexão. Os concursos são também uma oportunidade única para experimentar, inventar e refletir sobre arquitetura.
nota
Vigliecca & Associados. Habitação Social – Diferentes configurações através de elementos componíveis. YouTube, 18 out. 2016 <https://www.youtube.com/watch?v=-uMXE-84zak>.