Fernando Diniz Moreira / Giselle Cristina Cantalice de Almeida: Muitos dos seus projetos foram feitos utilizando a estratégia de infill, de se costurar ao traçado existente. Você pode comentar um pouco mais sobre isso? Como você articula com a pré-existência? E se as circunstâncias não forem ideais, como você tenta compensar essas dificuldades?
Héctor Vigliecca: Bom, olha, tem preexistências que tem valores e tem preexistências que não tem valores. Não é porque é preexistente que tem um valor que você precise respeitar. Ou seja, nós tentamos extrair das preexistências, do que está oculto, os elementos que podem nos dar alguma nova leitura. Então a preexistência é importante quando você consegue extrair dela elementos que te dão caminhos, caminhos diferentes e frutíferos. Então não é questão apenas de costurar, é costurar e extrair da preexistência valores que você não vê nesse momento porque eles não ficaram muito claros nos processos de construção da cidade. Mas devemos fazer um esforço de extrair da preexistência realmente os elementos de valor. Por exemplo, às vezes temos de nos imaginar tirando tudo o que está construído, para verificar como é a topografia e ver como a partir desta podemos estabelecer hierarquias na maneira de projetar essa área urbana. Falamos de demolirmos tudo, mas nós nunca promovemos a demolição das coisas, teoricamente eliminamos o existente para permitir o que está por baixo. Entendemos que as situações urbanas hoje resultam de anos e anos de sobreposições e coisas, não é? Temos que extrair delas uma leitura positiva.
FDM/GCCA: Em países como o Brasil, onde boa parte da população de menor renda vive em assentamentos informais, o que é importante considerar desta realidade nos projetos de habitação social?
HV: Como transformamos esses lugares chamadas favelas? Nós chamamos isso de infiltração. Para atuar nesses lugares, nós infiltramos urbanidade. Visitando áreas carentes, observamos que em uma rua asfaltada, com calçada e iluminação, mesmo que precárias, o morador cuidava da fachada que dava para esta rua, enquanto que dentro da quadra por pequenas vias, víamos que o desleixo era total, eram os excluídos. Assim, se quisermos que os habitantes se sintam cidadãos, se sintam parte da cidade, temos de inserir alguma infraestrutura urbana legível que o vincule ao espaço da cidade. É um modo de operar simples e eficiente. Em suma, é preciso trazer mais cidade formal (infraestrutura, calçada, equipamentos) para dentro da cidade informal, mas sem fazer tábula rasa. Chamamos isto de cunhas de infiltração: a introdução de urbanidade em pequenas inserções que espalham por toda a área. Essas infiltrações tem a possibilidade de contaminar todo. É a introdução de algo que é necessário e que é legível e valoriza a estrutura existente.
Nós fizemos projetos grandes em Paraisópolis e no Rio de Janeiro. Lamentavelmente, todas essas experiencias não foram adiante. No Rio, criaram a expectativa de que iriam ser feitas grandes transformações urbanas nas favelas, mas terminaram sem fazer nada, absolutamente nada. Participamos de um concurso nacional, o qual ganhamos, mas não fizeram nada. Aqui em São Paulo, fizemos um projeto grande para Paraisópolis. Fizemos propostas de grande, digamos originalidade, mas que não foram realizadas. Ou seja, as próprias prefeituras do Rio e de São Paulo aplaudiram o trabalho e eu apresentei isso centenas de vezes, mas o resultado final foi não fazer nada. Aqui houve uma mudança administrativa e eles jogaram no lixo o projeto de Paraisópolis.
FDM/GCCA: O que tudo isso tem a ver com o título do seu livro, O terceiro território?
HV: Eu imaginei usar terceiro território, inspirado num paisagista francês que não me lembro agora que chamava a terceira paisagem. Li isto há muito tempo e achei muito interessante. Decidi chamar terceiro território porque na verdade eu pensava no exemplo da passagem da cidade medieval para a cidade renascentista. O que o renascimento fez? Ele não fez uma cidade própria, apesar de que existem algumas cidades renascentistas como Palmanova e algumas cidades aqui na América também. Na verdade, os ideais renascentistas trabalharam em cima da cidade medieval, ou seja, naquela malha introduziram praças regulares, palácios, a catedral, intervenções pontuais mas que conferem um novo sentido. Digamos que eles fizeram uma infiltração. A superposição de duas épocas diferentes transforma a cidade em um terceiro território. Era uma maneira de incorporar a preexistência através de um projeto novo que não precisava, e nem podia, fazer toda a cidade nova. Você precisa inserir alguns elementos que transformam a cidade como todo. Mas isso é uma imagem bastante didática.