Sérgio M. Marques: Mas em termos de habilidades, e considerando o que estás expondo, em relação ao arquiteto atuando em outras áreas, isto não passa pelo domínio do projeto? O que o arquiteto aporta em outras áreas não é sua especificidade de dominar o processo de projeto?
Hernán Díaz Alonso: Sim! E entender também outras partes, já que arquitetura também é arte, ciência, sociologia, economia, psicologia... Há poucas disciplinas criativas que têm que manobrar com tantas variáveis. É diferente de um artista. Este produz obras de arte, depois vê se alguém compra ou não... Arquiteto nunca cria isolado, tem que atender um cliente público ou privado, tem que ser viável financeiramente, tem que entender como construir, que fará parte de uma cidade e suas necessidades sociológicas... Tem muitos "chapéus" para pensar. Tem que ter conhecimento de História, de Urbanismo, do tempo... Na moda tens que pensar na coleção da estação, porque depois de três meses já vem outra... Na arquitetura não podes fazer um edifício diferente por ano. É o peso do tempo...
SMM: É por isto que tenho outra dúvida: na América Latina, está em voga o tema da participação conjunta, as decisões são compartilhadas coletivamente e não pertencem mais a alguém que projeta ou planeja...
HDA: Eu não gosto disto. A ideia de desenho comunitário é um erro. Social Design é um erro. Imagina que tenhas um tumor cerebral. E o melhor cirurgião de São Paulo, chamado João Gilberto (risos), vai a tua casa e propõe que chames os vizinhos e os amigos para avaliarem a melhor maneira de tratares o câncer.
(Risos)
E nós arquitetos aceitamos isto com naturalidade? Estão loucos (risos)! Isto é um problema que a comunicação traz... A tecnologia traz coisas boas e coisas ruins. Hoje qualquer um opina. Qualquer um sabe. Por isto no tema da educação estou convencido de outra coisa: você e eu somos mais ou menos da mesma geração, não?
SMM: Sou sete anos mais velho...
HDA: Mas é a mesma geração, não importa. Fomos educados em depth of knowledge. Conhecimento profundo! Biblioteca, livros... A geração dele (Lucas) é density knowledge. Conhecimento por densidade. Tem acesso a tudo. É tanta informação que é difícil de entender. Na nossa época, história era com Bruno Zevi, modernidade era com Le Corbusier. Havia cânones. Agora nós como professores temos duas alternativas: ou nos colocamos como experientes dizendo que no nosso tempo o significado era este ou dizemos, OK, vamos ver como trabalhamos com esta densidade, vamos ver como isto pode ser uma oportunidade. Por exemplo, vejo que os estudantes da SCI-Arc sabem um pouco de tudo e não sabem muito de nada. Se perguntares a um deles qual seus quatro arquitetos favoritos dirão que não têm nenhum, o que na nossa época era impensável. Lucas, tu tens um arquiteto favorito?
Lucas C. M. Marques: Hum....
(risos)
HDA: Podemos discutir se isto é bom ou ruim. Mas temos que nos adaptar ao fato de que hoje o tempo e a maneira com que recebemos e distribuímos conhecimento são diferentes. Ninguém pode eleger quando mudar o tempo ou quando a cultura muda. As coisas mudam e temos que entender como operar dentro desta lógica. Isto me parece fundamental. Não estamos incorporando esta mudança com serenidade. Estas são as coisas boas e más da densidade. Da democratização do conhecimento. Na música, por exemplo, eu normalmente escutava um Long Play (vinil) inteiro. Não pulava de uma música para outra a cada minuto. Do Brasil eu gostava dos Paralamas do Sucesso. Então comprava um LP por causa de uma música ou duas e escutava inteiro várias vezes. E me dava conta, depois da quarta ou quinta vez, que havia outras músicas que também estavam bem... Então o conhecimento se acumulava de outra maneira. Hoje em dia com o smartphone, posso armar uma playlist com o que há de melhor dos Rollings Stones e escutar só isto. Mas eleger o que tem de melhor, também é bom. É outra forma de entender as coisas. Você (Lucas) escuta música de maneira distinta da que nós consumíamos. Qual é o equivalente disto em arquitetura? Passamos de profundidade para densidade. Temos que aprender como operar com isto. Como sofisticar a densidade. Como ensinar a eles que há tanto à disposição e eles têm que aprender a navegar entre o ruim e o bom.
E para mim boa e má arquitetura não mudam. Mas como se chega a isto muda.