Em 26 de junho de 2011, há dez anos, deixava-nos o arquiteto Fábio Moura Penteado. De família tradicional campineira, mudou-se para São Paulo ainda criança, em 1935, onde foi testemunha ocular das rápidas transformações urbanas e sociais que transformaria, em menos de um século, a provinciana capital em uma das maiores metrópoles do planeta. Não à toa, repetia como um mantra seu objetivo de idealizar uma arquitetura para as multidões.
Formado em 1954 no Mackenzie, descrevia a realidade contraditória de uma formação acadêmica que ainda mirava o modelo Beaux Arts enquanto seus estudantes olhavam interessados para a florescente produção moderna brasileira e internacional. Durante a faculdade, contava como a convivência e a troca de ideias com colegas como Paulo Mendes da Rocha e Carlos Barjas Millan constituía uma verdadeira “escola paralela” de arquitetura.
Dono de uma obra singular entre a produção canônica dos mestres da arquitetura moderna paulista, Fábio Penteado desenvolveu uma produção formalmente variada, mas extremamente coerente no discurso, que trata a arquitetura como agente ativo de transformação social, em um país diverso e exuberante, porém injusto e desigual. Seus projetos sempre partiam do pressuposto de que o artefato construído deve contribuir ao aprimoramento da sociedade e da cidade, e a eloquência formal que transparece em suas propostas, das mais simples às mais complexas, está sempre condicionada a esse princípio.
Em quase seis décadas de uma carreira excepcional e plena de referências variadas, construiu uma arquitetura que reflete sua rica trajetória vital e a abertura de seu caráter. A marcada dimensão pública de seu trabalho é o elemento unificador entre todas as suas obras. Nelas, convivem a beleza rigorosa apreciada pelo grupo paulista, e a sensualidade escultórica da arquitetura moderna carioca, além de abarcar a diversidade propositiva e formal presente no cenário internacional da época.
A realidade sempre foi a matéria prima de seu processo de projeto. A relação entre a cidade e o sujeito, poucas vezes tranquila e amigável no contexto brasileiro, sugere que a busca de uma sociabilidade renovada deve dirigir-se, na maioria dos casos, pelo caminho oposto ao observado na realidade.
A experiência de Penteado penetrou na diversidade do campo de atuação do arquiteto, e deixa uma importante marca na história recente da arquitetura brasileira. Ademais de sua bela proposta arquitetônica, explorou o campo jornalístico como articulista de arquitetura e urbanismo, atuou politicamente pelos direitos da profissão junto ao IAB e lecionou no Mackenzie. Essas atuações expandiram o alcance de seu trabalho e de seu próprio entendimento dos problemas da arquitetura.
A entrevista que segue são excertos editados de longas conversas travadas em dois encontros com Fábio Penteado, em janeiro de 2008 e 2009. A primeira em seu escritório à Rua Marquês de Itu, e a segunda em seu apartamento, à Rua Dona Veridiana, no bairro de Santa Cecília, região central de São Paulo, hoje sede do Arquivo Fábio Penteado.
Os trechos selecionados tratam mais de iluminar seu pensamento arquitetônico e menos de explicar obras específicas. Reler a conversa para selecionar alguns de seus trechos demonstra não somente que as respostas são mais inteligentes que as perguntas do inexperiente entrevistador, mas sobretudo, dá a medida da falta que faz a ausência de um arquiteto-pensador ousado como Fábio Penteado no deserto de ideias que capturou grande parte do debate público brasileiro.