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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Fábio Penteado faleceu em junho de 2021. Nesta entrevista feita poucos anos antes de sua morte, ele comenta aspectos de sua trajetória profissional, de sua preocupação com as multidões urbanas e do lugar de sua arquitetura na produção moderna brasileira.

english
Fábio Penteado died in June 2021. In this interview made a few years before his death, he talks about important aspects of his professional trajectory, his concern with urban crowds and the place of his architecture in modern Brazilian production.

how to quote

GIROTO, Ivo Renato. Dez anos sem Fábio Penteado. A dimensão pública da obra de um arquiteto-pensador. Entrevista, São Paulo, ano 22, n. 088.01, Vitruvius, nov. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/22.088/8312>.


Teatro de Ópera de Campinas, 1966
Foto divulgação [Arquivo Fábio Penteado]

Ivo Giroto: [continuando a conversa].

Fábio Penteado: Com o pessoal da minha geração, a gente tinha muito encontro, havia muito contato, muito dentro do próprio instituto dos arquitetos, e a gente conversava, tinha uma enorme convivência de ideias. Vieram muitos concursos internacionais em que a gente entrava solto para debater ideias, pois projeto mesmo, só começou a acontecer aqui em São Paulo na década de 60, quando houve o Plano de Ação do Governo do Estado, que de pancada contratou 400 projetos de arquitetura, no governo Carvalho Pinto. Isso é uma loucura também, acho que ninguém sabia fazer projeto direito, não tinha o cabedal suficiente para consolidar.

Tudo que é acontecimento da arquitetura brasileira começou no Rio de Janeiro, que foi a capital do país, teve imperador... Em São Paulo, mesmo quando a obra máxima da época que foi o Ministério da Educação estava sendo construída, aqui não mereceu que fosse muito observado para servir como alguma base. Eu vejo o projeto do Niemeyer aqui para o Ibirapuera em 1954, que abria um espaço muito grande, porém de uma maneira um pouco brasileira, paulista, pois ninguém sabia para que serviria. Era o quarto centenário da cidade, então foi feito um projeto dentro de uma área pública, o Parque do Ibirapuera, com vários pavilhões, mas que não tinha destino nenhum. Era para ser uma exposição do quarto centenário e até agora está sendo mudado, um que era para ser Secretaria da Agricultura, que virou Serviço de Trânsito, agora vai ser uma espécie de museu (8)...

IG: Mas esse projeto marca algum início ou inflexão para a arquitetura em São Paulo?

FP: Foi o primeiro projeto em grande escala, em uma área grande, só que não tinha uma programação. Daqueles pavilhões, um foi proposto e foi feito um convênio com a Fundação Bienal, outros ficaram vazios. Um deles virou a prefeitura de São Paulo.

Para você notar como conscientização, que nunca aqui em São Paulo foram feitos projetos em áreas públicas e edifícios públicos que criassem espaços públicos realmente arquiteturais. A prefeitura de São Paulo, durante muito tempo, funcionou em lugares precários, sempre provisórios. Tinha um pavilhão construído para uma feira industrial (9), virou prefeitura [...]. Mas tudo em desacordo, você chega lá e não tinha serviço de acesso, nada, uma adaptação melancólica. E assim tem sido, nunca houve uma política de valorizar o chão, a paisagem, a arquitetura.

Nessa época, além do Ibirapuera, o Niemeyer fez projetos imobiliários como o Copan, que foi lançado em 1948. Eu me lembro de que eu fui ao lançamento, uma obra interessantíssima na paisagem urbana, mas que era um projeto imobiliário terrível. São 900 unidades para vender, tinha de tudo, lojinha, loja grande, apartamentos de 30 metros, apartamento de 500 metros...

Então São Paulo sempre foi assim, não houve projetos indicadores de direção como no Rio de Janeiro, que tinha uma arquitetura muito ligada à paisagem, ao verde, e muito bonita. Arquitetura linda no Rio...

Aqui tudo aconteceu muito devido à atuação da FAU USP e do Artigas, que entrou na discussão de fazer projeto de arquitetura, através das ideias que ele propunha, com os grandes ateliês.

IG: A obra do Oscar Niemeyer é característica pelos grandes espaços. Existe alguma relação entre os espaços que o senhor propõe e os dele?

FP: Se o prédio nasce com uma forma, é claro que ela tem que ser pensada, imaginada, procurada, tem que se transformar em estabilidade estrutural. O que acontece na obra fantástica do Niemeyer, em grande parte dos projetos dele, alguns são excepcionais, mas uma boa parte é um grande balanço.

Eu acho que tudo influencia. Objetos tão bonitos, claro que eu conhecia. Mas o Oscar Niemeyer é a tal coisa: o que ele faz só ele faz. Como disse um arquiteto recentemente: como ele passa a ser o fazedor de tudo que é obra pública, e ninguém pode copiar porque não consegue, aquilo parou nele. Agora, ele consegue, aquela casa tão bonita, a Casa das Canoas. Eu estive lá nos cem anos dele, quer dizer, consegue ainda hoje fazer uma coisa com liberdade. E é bonito.

IG: E essa é uma liberdade que o senhor propõe em muitas das suas obras. Onde estaria, dentro da arquitetura paulista, situado seu trabalho?

FP: Eu ouvi de uma pessoa que estuda essas coisas que eu estava próximo, nas gerações a partir do meu tempo, das duas escolas. Dizia: o Fábio é o único que não seguiu a vertente. Porque é o seguinte, eu vou fazer um projeto que não usa régua “T” nem esquadro, eu fiz várias casas bonitas e que de um ponto de apoio surgiu uma casa. É um maneirismo também, se quiser dizer, você ter uma casa onde grandes vigas eram amarradas com flores (Residências Condomínio Sunshine, 1972).

Agora eu pensei... na grande parte da arquitetura da Europa, o bom arquiteto chegou ao ponto de fazer tudo bem feito, mas de maneira formalmente amarrada. Esse sentimento de se libertar não é fácil, nem um pouco fácil. [...]

Agora, ocorre que, como objeto arquitetônico, eles aconteceram não preocupados formalmente, mas em como fazer o projeto. A forma acontece dentro da discussão que você está fazendo. E algumas vezes são formas curiosíssimas, mas que rompiam inteiramente com a maneira de se fazer da Escola Paulista, que era tudo com régua, esquadro e régua T. Então se cria uma espécie de divergência, separando muito a minha convivência com os arquitetos de então.

A propósito, o Luiz Paulo Conde, meu grande amigo, ele falava, hoje ele não fala mais, ele dava aula no Fundão, no Rio. Quando ele dava aula de arquitetura paulista, então ele dizia: você põe quatro pilares, faz uma caixa e lá dentro faz o que quiser. Sacaneando, não é? [...]

Agora, eu te falei de vários momentos, não é? Eu ouvi também numa reunião de arquitetos... você conhece o Julio Katinsky? Isso me impressionou também. Estava um grupo de arquitetos e o Julinho, que eu conheço há muito tempo, comentava que de todos os arquitetos de São Paulo, ele me citava, o Fábio é o único que não seguiu numa onda marcante da época.

E por quê? Vai ver por causa da... porque eu não sei. Talvez por causa do encontro das dúvidas que você tem, com pessoas não só da arquitetura. Acho que a minha formação com gente do jornalismo... é fantástico o mundo do jornalismo, não é? Então foi esse conjunto de fatores que também vai fazendo a cabeça. E também, evidentemente, de fazer alguma coisa que exista, que gosta, que tenha sentido, não é? Aí tem toda a explicação da cultura, da arte, vai lá saber... é difícil de definir. [...]

Então é a mesma visão dessa linha de pensamento, e as formas resultantes desses projetos nunca foram premeditadas. Ele não partiu de uma forma para botar um programa dentro, essa forma foi considerada utensílio como futuramente uma forma de fazer totalmente fora daquilo que aconteceu em São Paulo, da arquitetura paulista. Por essa liberdade de fazer, mas muito em função dessa convivência com arquitetos notáveis, com o jornalismo, e tentando entrar no jogo. Já que você entra, tem que fazer parte do grupo que quer entrar. Mas então através daquela convivência, eu depois dessa linha de projetos que fiz, eles têm todos como se fosse uma linha costurando. Não que dessem certo, eram ensaios mesmo.

IG: É que há diferenças para se entender o espaço para a coletividade em São Paulo e no Rio, pela própria cidade.

FP: É que a origem da arquitetura brasileira é no Rio, o que se chama de Escola do Rio. Você tem coisas de grande beleza, de integração da arquitetura com os espaços verdes, com jardins integrando casas e apartamentos. Tem lá o Burle Marx, coisas belíssimas, o Parque do Aterro. Isso marca a vida do homem, o sujeito anda a pé, de ônibus, aquilo entra na vida dele, e também no arquiteto que está estudando.

Aqui não, aqui tudo foi feito ao oposto, tudo meio fechado, uma coisa curiosa, por falta realmente de motivação. Não tinha nada a ver com fechar, que o Artigas pensasse em fechar, é que não tinha mesmo, o cara pensava em fechar porque prefere fechado. Essa introversão vem da própria cidade. Isso gera uma maneira de ser, de pensar, de desenhar. Aqui não tinha nada.

IG: E por que o senhor, mesmo em São Paulo, prefere propor formas abertas, expansivas?

FP: Talvez para fugir dessa coisa que não representa uma coisa ideal. Talvez. Mas não sei. Isso aí teria que ser pensado...

Mas o Harmonia só pôde ser feito porque eu convivia com o Artigas e vi ele fazer a FAU. Uma vez, antes de acabar o projeto ele foi comigo na obra e até me lembro que falei: “Olha Artigas, eu acho que aqui vai ficar tão bonito um dia, que vão pensar que você que fez”. Então você não escapa, você convive e você é o que você vê, o que você ouve, o que você gosta de ver.

notas

8
Entre 1959 e 2008, o Palácio da Agricultura abrigou a sede do Detran. Em 2012 passou a ser ocupado pelo MAC USP. À época da entrevista, a mudança estava em negociação.

9
Refere-se ao Palácio das Indústrias (1911-1924), projeto de Domiziano Rossi, com Ramos de Azevedo e Ricardo Severo. Atualmente ocupado pelo Museu Catavento, já foi sede da Assembleia Legislativa, da Secretaria de Segurança Pública Estadual e da Prefeitura Municipal, entre 1992 e 2004.

Teatro de Ópera de Campinas, 1966
Foto divulgação [Arquivo Fábio Penteado]

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