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GHIONE, Roberto. A cidade como deveria ser. As gravuras de Terciano Torres retratam centros históricos de cidades brasileiras. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 164.03, Vitruvius, mar. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.164/5087>.
Para amar uma cidade é preciso conhecê-la. Para valorizá-la é preciso saber difundi-la.
Conhecemos uma cidade quando percorremos suas ruas, caminhamos nas calçadas, curtimos os parques e praias, mergulhamos no burburinho dos mercados, feiras e áreas comerciais, falamos com os habitantes, compartilhamos as festividades, comemos as comidas, compramos os produtos, observamos os personagens, sentamos nos bares, torcemos pelos times, entramos nos edifícios, analisamos a arquitetura, passeamos nos jardins e lugares públicos, brincamos no carnaval, cantamos as músicas, dançamos os ritmos, lemos os jornais, navegamos nos rios, circulamos nos transportes públicos, pedalamos nas ciclofaixas, estudamos a história, fotografamos as paisagens, visitamos os museus e espaços culturais, assistimos aos espetáculos e eventos, participamos dos movimentos sociais... Em definitivo, quando sentimo-nos partícipes da vida urbana e social.
A difundimos quando a desenhamos, pintamos, fotografamos, filmamos, falamos dela, promovemos eventos, convidamos visitantes, construímos edifícios, criticamos e escrevemos acerca dela... Enfim, quando atuamos como agentes de cultura.
A obra de Terciano Torres (1) expressa o conhecimento e carinho do artista pelos centros históricos das cidades desenhadas. Apela à nostalgia de cidades vivas e humanizadas, onde arquitetura, espaço público e pessoas constituem uma ambiência urbana qualificada. Essas características sociais hoje estão, lamentavelmente, perdidas; vencidas pelo atropelamento dos automóveis que tomam conta da cidade e pelo abandono de áreas que se encontram ociosas e subutilizadas.
Não aparecem carros na obra de Terciano, e isso reflete o encanto das imagens e das paisagens urbanas desenhadas. A arquitetura configura e qualifica o espaço público e as pessoas se apropriam dele com naturalidade.
A realidade atual dos espaços desenhados pelo artista é muito diferente. Os carros dominam o espaço público, as pessoas não existem na convivência idealizada e os edifícios não estão ocupados nos pisos altos pelas residências imaginadas. Hoje, o centro da cidade é uma grande oportunidade que se perde pela falta de revitalização: uma enorme quantidade de metros quadrados de áreas ociosas a espera de ideias inteligentes que permitam o retorno da vitalidade merecida por uma configuração urbana altamente qualificada, porém desvalorizada.
Intervenções de maquiagem nunca irão devolver a vitalidade, nem atividades exclusivas de lazer ou usos para o mercado empresarial. Muito menos, transformar o centro da cidade em palco de eventos, como acontece hoje.
A vitalidade, qualificação, segurança e dignidade de um espaço urbano só se garantem com as pessoas habitando nele: com residências compartilhando a cidade com outros usos e estimulando as pessoas a vivenciar os espaços públicos. Como Terciano desenha a cidade: real na estrutura física e imaginaria na apropriação social. Na obra do artista é possível verificar o patrimônio tangível que a cidade oferece e, ao mesmo tempo, imaginar os valores intangíveis que poderia ter, representados pela vivência social hoje perdida.
Convivência social e apropriação dos espaços públicos hoje viraram utopias, desafios que merecem ser assumidos para o renascimento das qualidades urbanísticas da cidade, precisamente no lugar mais significativo: o centro histórico, depositário da história e da identidade urbana.
A obra de Terciano Torres é um sinal de alerta, mais uma crítica sutil e inteligente ao atual processo de desconstrução das cidades brasileiras nos lugares representativos da identidade social e cultural, mediante o abandono do patrimônio material e a eliminação do aspecto essencial de um fato urbano: a apropriação do espaço público pelas pessoas, marca da vitalidade e da persistência dos valores através do tempo.
nota
1
Terciano Torres é um Maranhense Pernambucano. Quando criança, no interior do Maranhão, começou a observar a paisagem e ilustrar tudo que via: o povo, hábitos e expressões da nossa gente. Formou-se em Design e estudou Artes, formando sua própria escola. Terciano viaja o Brasil documentando a evolução das capitais brasileiras. O primeiro projeto lançado foi a evolução urbana de São Luis. O autor possui um acervo de mais de 2.000 gravuras feitas a bico de pena com temas Maranhenses. Seus últimos projetos foram: São Paulo pátio de Colégio, uma história ilustrada a bico de pena, livro lançado nos 450 anos de São Paulo pela editora Globo, e nos 470 anos da cidade do Recife, o livro arte O Bairro do Recife a bico de pena.
sobre o autor
Roberto Ghione, arquiteto, é formado pela Universidad Nacional de Córdoba, Argentina. Pós-graduado em Preservação do Patrimônio, Crítica Arquitetônica e Planejamento Urbano pela Universidad Católica de Córdoba. Titular do escritório Vera Pires Roberto Ghione Arquitetos Associados, Recife PE.