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my city ISSN 1982-9922

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BARCELLOS DE SOUZA, Gisela. O espaço urbano das cidades latino-americanas. Reflexões cruzadas sobre o SAL 15 e o SAL 5. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 164.04, Vitruvius, mar. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.164/5089>.


Bogotá
Foto Gisela Barcellos de Souza


As palavras que são escolhidas para definir algo não são fruto do acaso; por meio dessas evocam-se associações e vínculos com memória, constroem-se significados. Sua capacidade de determinar a sua recepção, no entanto, é restrita. Como nos alertava Adrian Forty, há no discurso de arquitetura um “constante fluxo entre palavras e significados, de significados que perseguem palavras e de palavras que escapam de significados” (1). Em setembro de 2013, realizou-se em Bogotá o décimo-quinto Seminário de Arquitetura Latino-americana – o SAL 15 –, cujo tema central foi “Arquitetura e Espaço Urbano: Memórias do futuro” (2). Tanto as palavras do título do seminário, como, em parte, as de sua estrutura e de sua programação, ecoavam aquelas empregadas no evento que ocorreu 22 anos antes em Santiago do Chile, o SAL V. Ao longo dos 28 anos de história desses seminários, estas foram as duas únicas ocasiões em que se enfocou o tema do espaço urbano sob a perspectiva da arquitetura. A relação entre ambos os eventos não foi ocasional, mas sim buscada e confirmada pelos organizadores do evento (3). Contudo, ao passo das duas décadas que separam ambos os eventos, não apenas os debates na cultura arquitetônica e as representações das cidades latino-americanas mudaram, como, também, o próprio lugar que os Seminários de Arquitetura Latino-americana ocupam naquela primeira já não é mais o mesmo. O presente texto propõe-se, portanto, a analisar brevemente esta tentativa de retomar hoje o debate que se colocou em pauta em 1991 e contribuir, desta forma, para que se desvelem algumas de suas possíveis interpretações.

Enfoquemos, primeiramente, a temática comum a ambos os eventos. A opção pelo emprego da noção “espaço urbano” e não “espaço público” – frequentemente tratadas como sinônimas nos discursos de arquitetura e urbanismo, apesar da inadequação e do reducionismo que implica esta aproximação (4) – não parece casual no evento realizado em Santiago do Chile, em 1991, momento em que, justamente, Otília Arantes alertava para a obsessão dos arquitetos pelo “lugar público” (5). Tratava-se, no caso do SAL V, de clara evocação do livro Urban Space (6) de Rob Krier. Este livro, no qual autor luxemburguês definia o espaço urbano a partir de suas características morfológicas, foi uma importante referência na virada dos anos 1970 aos anos 1980 para parte significativa da comissão organizadora do evento de 1991. Naquele momento, os futuros organizadores do V SAL – Cristian Boza (seu coordenador), Humberto Eliash, Pedro Murtinho e Manuel Moreno – estavam engajados no grupo Cedla – Centro de Estudios de la Arquitectura que, fundado em 1977, foi, ao lado das Bienais de Arquitetura chilenas, um dos agentes propulsores da revisão do Movimento Moderno no Chile (7). Ao propor que a discussão no V SAL fosse reunida sob o título “Nosso espaço urbano: propostas morfológicas”, estes arquitetos buscavam reatar, como já demonstramos em outra ocasião (8), com as discussões que haviam fomentado no início dos anos 1980, período em que estiveram fortemente envolvidos com o Cedla (9). Contudo, se o “espaço urbano” do evento no Chile era um dispositivo encontrado para direcionar o debate a aspectos da forma urbana, este não é foi caso do SAL 15, em cuja convocatória definia-se esta noção como “espaço político, (...) lugar do público, a saber, lugar da convivência, da confrontação e do encontro cidadão” (10). Portanto, a opção pelo emprego da expressão “espaço urbano” no título do evento bogotano não se explica por uma opção de enfoque morfológico – e, menos ainda, por alguma referência ao livro de Krier –; esta deve ser interpretada como uma maneira encontrada para fazer aflorar a referência latente ao debate iniciado no V SAL.

Ao longo da história dos SAL, o evento de Santiago do Chile teve como particularidade a proposição de duas inovações: uma foi a de que o debate fosse pautado por situações urbanas específicas – o centro histórico, a periferia marginal, os loteamentos tipo cidade-jardim e os tecidos compostos por edificações isoladas de média altura –; a outra de que estas partes da cidade fossem objeto de reflexão a partir de projetos desenvolvidos especialmente para o seminário. O evento de Bogotá recuperou parcialmente esta estrutura, amalgamando-a com subtemas recorrentes nestes seminários. Logo, três seções temáticas dedicaram-se a situações urbanas específicas: centralidades (tratando de questões de patrimônio); bordas (frentes de água, segundo especificado na convocatória) e cidade marginal. A cidade latino-americana, no entanto, não foi objeto apenas de reflexão “por partes”; dois subtemas dedicaram-se a abordagens transversais que possibilitaram o debate sobre intervenções recentes em cidades latino-americanas: o da participação cidadã e o relativo à regeneração urbana por meio transporte coletivo. Para além destes subtemas que tratavam diretamente do “espaço urbano”, o seminário de Bogotá permitiu também que debates recorrentes nos SAL tivessem lugar nas seções “projeto arquitetônico” e “crítica e comunicação” (11). A figura da reflexão por meio do projeto, a qual marcara profundamente as memórias do V SAL (12), também esteve presente em Bogotá: para além da discussão pautada na exposição de projetos profissionais, estudantes colombianos elaboraram projetos especificamente para sua apresentação no SAL 15, os quais foram previamente debatidos no que se chamou de seminários preparatórios (13).

No entanto, ainda que a estrutura do SAL 15 tenha retomado parcialmente os subtemas do evento de Santiago do Chile, o cenário no qual estes eventos tiveram lugar transformou-se consideravelmente neste lapso de 22 anos. Primeiramente, as representações da cidade latino-americana não são mais as mesmas. Se no passado as elevadas taxas de urbanização permitiam o desenvolvimento de especulações teóricas sobre um tipo de urbanização específico ao subcontinente (14), hoje as grandes cidades latino-americanas tiveram seu status desbancado pelas asiáticas, cujo crescimento vertiginoso atrai os olhares mundiais: a grande cidade não é mais um tema latino-americano. Por outro lado, o debate sobre a urbanização dispersa, que apenas se iniciava na virada dos anos 1980 aos anos 1990 (15), tornou-se atualmente quase incontornável (16). Outro aspecto não menos importante, é o próprio lugar ocupado pelos SAL na cultura arquitetônica do subcontinente. Em 1991 estes eventos ainda contavam com o apoio e engajamento dos periódicos latino-americanos que eram constantemente reafirmados nos Encontros de Revistas que ocorriam paralelamente aos SAL (17). Interrompidos em 1995 e retomados com formato distinto em 2009, o interesse das revistas pelos SAL alterou-se profundamente. Indício significativo desta mudança foi a reação dos editores presentes frente a uma das perguntas elaboradas por Pedro Belaúnde: questionados sobre qual poderia ser a contribuição de sua revista para os SAL, os debatedores, em geral, não souberam o que responder, parecendo-lhes mais fácil pensar sobre qual seria o aporte possível dos SAL para as revistas (18).

O seminário de Bogotá revelou, no entanto, as potencialidades que um evento que congregue acadêmicos, críticos, editores e profissionais atuantes no mercado pode ter no contexto atual. Longe de indicar uma vigência dos temas de identidade que motivaram o surgimento dos primeiros SAL – como quis afirmar Ramón Gutiérrez em sua conferência de encerramento e de entrega do Prêmio América –, este evento, cuidadosamente organizado pela comissão encabeçada por Silvia Arango e Jorge Ramírez, mostrou as possibilidades da reflexão pautada em um panorama transversal aos diferentes agentes que participam da cultura arquitetônica latino-americana coetânea.

notas

1
FORTY, Adrian. Words and Buildings. A Vocabulary of Modern Architecture. London, Thames & Hudson, 2000.

2
O discurso de abertura do SAL 15 foi publicado no portal Vitruvius: MADRIÑÁN, María Elvira. SAL Bogotá 2013. 15º Seminario Latinoamericano.Drops, São Paulo, ano 14, n. 073.02, Vitruvius, out. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.073/4896>.

3
Em conversas informais, Silvia Arango confirmou que ela e Jorge Ramirez conversaram diversas vezes sobre a necessidade de retomar o debate de Santiago do Chile, reconhecendo-o como o evento precedente na história dos SAL.

4
Cf. ARANTES, Otília. A ideologia do lugar público. Um roteiro. In: ARANTES, Otília. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Nobel/Edusp, 1993 ; DEVILLARD, V. ; JANNIÈRE, H. Espaces publics, communauté et voisinage, 1945-1955. in: PICON-LEFBVRE, V. (org). Les espaces publiques modernes. Paris, Groupe Moniteur, 1997, p. 15-32.

5
Idem, ibidem.

6
KRIER, Rob. Urban Space. Nova York, Rizzoli, 1979.

7
Este reconhecimento do papel do Cedla é recorrente, para tanto, remetemos ao leitor aos capítulos de Fernando Pérez Oyarzun e de Jorge Francisco Liernur publicados em: LIERNUR, Jorge Francisco (org). Portales del laberinto. Arquitectura y Ciudad en Chile, 1977-2009. Santiago de Chile, Universidad Andrés Bello, 2009, p. 59-120.

8
SOUZA, Gisela Barcellos. Tessituras híbridas ou o duplo regresso: encontros latino-americanos e traduções culturais do debate sobre o retorno à cidade. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2013.

9
Entre sua fundação e meados dos anos 1980, o Cedla tem uma forte atuação mediante da promoção de eventos, palestras, exposições, publicação de livros e da revista ARS. O engajamento dos membros fundadores nos SAL coincide com a diminuição do interesse pelas atividades específicas do grupo que permanece apenas com as atividades vinculadas à revista ARS, que mantém sua publicação até 1989. Cf. SOUZA, Gisela Barcellos. Op. cit.

10
CONVOCATORIA Internacional – SAL 15 – Bogotá, 2013. Bogotá, 2012. Disponível em: <www.fundacionrogeliosalmona.org/fundacion-rogelio-salmona/actividades/sal15>. Acesso em: 10 dez. 2013.

11
Evitou-se, desta forma, o constrangimento de contribuições de habitués em seções temáticas que com as quais estas tinham pouca relação – tal qual ocorrera em Santiago. Cf. SOUZA, Gisela Barcellos. Op. cit.

12
Cf. SOUZA, Gisela Barcellos. Op. cit.

13
Reflexões gerais sobre estes seminários e seus resultados estão disponíveis em: <http://sal15frs.wordpress.com>.

14
Vide, a título de exemplo: CASTELLS, Manuel. Urbanización dependiente en América Latina. In: CASTELLS, Manuel (org.). Imperialismo y urbanización en América Latina. Barcelona, Gustavo Gili, 1973, p. 7-26.

15
Marina Waisman e Jorge Francisco Liernur já discorriam sobre esta questão nas contribuições que elaboraram para o SAL V. Cf. SOUZA, Gisela Barcellos. Op. cit.

16
Ainda que não tenha sido previsto pela estrutura do evento, este transpareceu como pano de fundo de diversas apresentações e foi enfocado especificamente pela exposição de Alfredo Garay.

17
O primeiro Encontro de Revistas ocorreu em 1985, durante a V Bienal de Arquitetura do Chile, a partir de sua terceira edição estes eventos passaram acompanhar os SAL e a seguir sua mesma numeração até o SAL VII, em 1995, ano a partir do qual foram interrompidos. Cf. SOUZA, Gisela Barcellos. Op. cit.

18
Esta alternativa de resposta foi sugerida durante o evento por Maarten Goossen.

sobre a autora

Gisela Barcellos de Souza é arquiteta (Universidade Federal de Santa Catarina, 2002), mestre em Projet Architetural et Urbain (Universite de Paris VIII, 2004) e doutora em arquitetura (FAU USP, com período sanduíche em Pontificia Universidad Católica de Chile, 2013). Atualmente é professora assistente da Universidade Estadual de Maringá.

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