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my city ISSN 1982-9922

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português
Uma contribuição às reflexões sobre o urban sprawl, a periferização e as bordas urbanas; um exame desses fenômenos sob um enfoque estrutural, considerando fatos fundamentais da dinâmica urbana, a exemplo dos deslocamentos e da segregação socioespacial.

how to quote

SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da. Urban sprawl, periferização e bordas urbanas. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 164.07, Vitruvius, mar. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.164/5106>.


Dinâmicas de dispersão, fragmentação e compactação na cidade [Fabiano José Arcádio Sobreira, 2003. Adaptação do autor]


Este texto constitui modesta contribuição às reflexões sobre o espraiamento urbano, sobre a periferização e as bordas urbanas. Ao longo do tempo, a fisionomia e o traçado da cidade foram influenciados tanto pelas ações humanas quanto pela localização geográfica em que se formou a urbe. Historicamente são observadas em áreas de expansão, nas cidades brasileiras, ocupações controversas do espaço, tanto por parte da população de baixa renda quanto por parte das classes sociais mais abastadas, decorrentes dos processos de especulação e das restrições de localização e de capacidade das áreas urbanas em absorver essas populações, oriundas de processos de migração-segregação e que se refletem na consolidação dos atuais padrões espaciais urbanos. Pesquisas identificam, no Brasil, o período que se estende de fins do século XIX até os anos 1950 como o estágio em que o rural e o urbano eram dois polos bem delimitados e caracterizados pela dicotomia e contraposição. Nos anos 1960, houve uma tendência à descompactação e à descentralização, nos padrões contemporâneos, quando fatos denotavam a preferência de pessoas e de alguns equipamentos e serviços pela localização em periferias, na busca pelo “novo”, afetando continuamente as possibilidades de visão da totalidade da cidade. Cada vez mais extensas, as periferias firmaram-se, ao longo da década de 1970, em detrimento do centro principal, acompanhando as dinâmicas de deslocamento e de segregação de classes sociais no espaço da cidade.

Modelo de Homer Hoyt, 1939 [J. John PALEN, 1975 e Roberto L. Corrêa, 1989]

Movimentos de pessoas e grupos, dinâmicas de segregação e produção de bordas urbanas [Roberto L. CORRÊA, 1989 e Deyglis Fragoso de LIMA, 2011. Adaptação do autor]

Os anos 1980 e 1990 marcaram um contexto em que as áreas periféricas e de transição rural-urbana passaram a ser territórios onde se evidenciaram, mais do que nos anos anteriores, uma diversidade de interesses e processos, em combinação e conflito, de vários atores sociais modeladores do espaço, fato que acentuou o interesse acadêmico sobre elas. Assim, as últimas décadas assistiram a um crescimento urbano avantajado, com uma forma de estruturação anômala que evidencia a dispersão, a fragmentação e a mescla de territórios urbanos e territórios ditos “semirrurais”, onde se destacam verdadeiras excrescências na malha urbana. A periferia urbana se tornou hoje um palco de muitos interesses, com variados padrões espaciais, que produzem efeitos sobre a morfologia, a organização funcional da cidade, o desenvolvimento socioeconômico, as relações centro/periferia e a qualificação da paisagem urbana, elementos participantes da dinâmica estrutural da cidade. Embora essas áreas não tenham sido historicamente o foco central dos estudos sobre o espaço urbano e sobre o seu planejamento, expressam hoje forte convergência de fenômenos, processos e conflitos socioeconomicos, territoriais e ambientais, com repercussões sobre a qualidade de vida das pessoas. Dessa forma, torna-se tarefa intricada delimitá-las e descrevê-las de maneira satisfatória.

O estudo da periferização e dos espaços ditos “de transição rural-urbana”, franjas ou periferias rural-urbanas, apresenta dificuldades, pois esses espaços se colocam como territórios de convivência (e conveniência) de diversas configurações e usos, limitações da legislação e de complexos processos socioespaciais, resultantes de modelos que legitimaram uma urbanização espraiada, precária e incompleta da terra urbana (1). O geógrafo Milton Santos apontava o desafio que é tratar do fenômeno urbano, entendendo a cidade como fato que revela problemas estruturais, num organismo de círculo vicioso onde fatos mutuamente se causam, mas também como elemento de inovação e difusão, que pode ser visto como materialização de diferentes comportamentos e novos modos de vida que condicionam e podem viabilizar os lugares (2). As dificuldades para descrever as propriedades típicas dos espaços territoriais periféricos e rural-urbanos se devem notadamente à fragmentação e dispersão, variedade de processos, continuidades e descontinuidades e, daí, a questões de densidade construtiva e populacional, em geral baixas. Os níveis de contato existentes entre o ambiente construído, as áreas passíveis de ocupação urbana e de restrição ambiental constituem elementos importantes de discussão.

A estruturação do espaço urbano é fortemente marcada pelas condições de deslocamento cotidiano do ser humano, onde a sua organização é heterogênea e setorizada, a partir das principais rotas de acesso. Como a tendência de concentração de diferentes classes sociais em áreas da cidade, a segregação constitui o outro pilar fundamental da produção do espaço da urbe capitalista, mostrando que a integração e a exclusão não são processos independentes um do outro, mas são duas dimensões do processo de segregação influentes na periferização (3). Os fenômenos influem na constituição de vetores de expansão, formando uma estrutura espacial básica que se movimenta na direção de um padrão que se realiza segundo setores de círculo, mais do que segundo círculos concêntricos, podendo acentuar eixos de expansão e as áreas periurbanas (4).

Fato inquietante é que a dispersão da cidade parece não ter barreiras, onde as forças são predominantemente de distensão, pontuando conflitos entre as condições de acesso e a ocupação e o uso da terra urbana. As manchas urbanas parecem movimentar-se continuadamente “para fora”, num deslocamento centrífugo, produzindo excentricidades que expulsam as pessoas do tecido consolidado e referencial da urbe. Existem, aí, fatos com pesquisas em andamento e outros ainda pouco capturados satisfatoriamente, campos de pesquisa férteis, a exemplo dos graus e intensidades da dispersão, desempenho urbano, indicadores e índices de espraiamento, padrões e permeabilidades existentes nos novos contextos e contatos territoriais periféricos.

O movimento, a diversidade e a multiplicidade de pontos e escalas são tendências próprias de sistemas urbanos sujeitos a “dinâmicas naturais e espontâneas de uso e ocupação” (5). A complexidade no espaço urbano parece ser uma função natural do tempo e do uso; a multiplicidade de escalas parece sugerir uma expressão natural da dinâmica social, ao longo do espaço e do tempo. Na verdade, as cidades podem ser visualizadas como estruturas fragmentadas resultantes de um processo de auto-organização, que converge espacialmente para uma espécie de “estado crítico” (em combinação e conflito), caracterizado por uma ordem hierárquica não-linear e pela diversidade de pontos territoriais e de escalas de suas unidades componentes. São sistemas complexos que exibem uma ordem subjacente sob uma aparente desordem, de onde se podem identificar determinados padrões de ocupação e uso do solo, na sua lógica evolutiva, onde, em vetores principais de expansão, os fatos ganham amplitude (6).

Dessa maneira, a dispersão e a fragmentação mostram certa tensão entre forças de expansão e aproximação no espaço, existindo bordas que estabelecem um extremo, um limite territorial, ou seja, uma fronteira em continuada transformação, ainda pouco conhecida, no âmbito das interfaces existentes entre as possibilidades de acesso e o uso da terra urbana, onde as forças são predominantemente de distensão, e com cisão entre setores do tecido urbano. O padrão de urbanização historicamente caracterizado pelo binômio modernidade-pobreza produziu aglomerações urbanas que experimentam uma expansão extensiva, fragmentada, descontínua e desestruturada, pautada principalmente pelos interesses do mercado – e também pelos interesses políticos do estado – e pontuada pelo transbordamento dos assentamentos precários e pela distribuição desigual dos bens e serviços públicos, num quadro dicotômico de formalidade e informalidade/ilegalidade urbana. Nesse contexto, as novas áreas periféricas e de transição rural-urbana passam a ser, mais que antes, um palco complexo onde se materializa certa convergência social e política, e uma diversidade de interesses, condutas e processos, em articulação e conflito, de vários agentes modeladores do espaço, o que realça a relevância do estudo da periferização e das bordas urbanas, como espaços mais avançados da cidade, e a necessidade de se refletir sobre as novas (des)relações centro – periferias urbanas.

Bordas urbanas. Loteamentos às margens do rio Gramame desprovidos de equipamentos urbanos em João Pessoa
Wellintânia Freitas dos Anjos [DIEP/SEMAM, PMJP]

Bordas urbanas. Loteamentos às margens do rio Gramame desprovidos de equipamentos urbanos em João Pessoa
Wellintânia Freitas dos Anjos [DIEP/SEMAM, PMJP]

notas

1
MIRANDA, L.I.B. Planejamento e produção do espaço em áreas de transição rural-urbana: o caso da Região Metropolitana do Recife. Tese de doutorado, Recife: UFPE, 2008.

2
SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo: HUCITEC. 1993.

3
VILLAÇA, F. Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo: Nobel, 1998.

4
HOYT, H. The structure and growth of residential neighborhoods in American Cities. USFHA, USGPO, Washington, DC, 1939.

5
SOBREIRA, F. J. A. A lógica da diversidade: complexidade e dinâmica em assentamentos espontâneos. Tese de doutorado. MDU, UFPE. 2003.

6
Idem, ibidem.

sobre o autor

José Augusto R. da Silveira é arquiteto e urbanista. Doutor em Desenvolvimento Urbano (UFPE). Professor Associado do Departamento de Arquitetura do Centro de Tecnologia da UFPB. Coordenador do Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado – LAURBE.

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