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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Conhecendo diferentes bairros das cidades construímos visões multifacetadas e abrangentes do patrimônio cultural material e imaterial que constituem seu acervo; preservar esses patrimônios não é mero apego mítico pelo passado, mas questão de cidadania.

english
Knowing the city and the different neighborhoods built multifaceted and comprehensive views of cultural tangible and intangible heritage that constitute its collection, and preserve these assets is a matter of citizenship.

español
Conocer los diferentes barrios de la ciudad construimos diferentes puntos de vista del patrimonio cultural, así como productos tangibles e intangibles que constituyen su patrimonio, y preservar sus benes es una cuestión de ciudadanía.

how to quote

ARRUDA, Phrygia. De quê os bairros do Rio de Janeiro precisam? Crônica do cotidiano carioca. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 166.02, Vitruvius, maio 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.166/5156>.



Caminhões para transporte de estrutura temporária em Copacabana
Foto Phrygia Arruda

Passarela para estrutura temporária em Copacabana
Foto Phrygia Arruda

Saí às 21 horas do dia 15 de março de 2014 para dar uma caminhada no calçadão pós-lanche da noite. Convidei minha irmã e fomos tomar cafezinho e espairecer. Ao dobrarmos a Rua Anchieta, no Leme, com a Avenida Atlântica nos surpreendemos com a parafernália de caminhões de grande porte com guindastes além de funcionários da Prefeitura do Rio de Janeiro, inúmeros agentes de trânsito (coletes verdes) que organizavam o caos do trânsito para que ônibus e moradores do Leme pudessem adentrar no bairro. Resolvi perguntar ao representante da Prefeitura do que se tratava. A explicação dada foi que estavam construindo uma passarela que seria colocada no Posto 6 e que a armavam no Leme por falta de espaço no final da praia de Copacabana. Quando perguntado se não pensavam nos moradores do Leme que tem sofrido com obras, que se arrastam por mais de três anos, e que interditam as poucas ruas existentes no bairro, não me recordo se houve alguma resposta, pois de tão estupefata até me esqueci de perguntar: que uso teria tal passarela? Passei a tirar fotos para ter certeza de que não era sonho, ou melhor, pesadelo.

No mesmo instante veio à minha memória reportagem que lera no O Globo (1) que indagava: “De que o Rio precisa? Um Rio de Novos Traços”, a respeito de um “[b]raço da Universidade de Columbia na cidade [que ] tenta mapear a arquitetura carioca às vésperas da Copa e das Olimpíadas”, sobre os projetos desenvolvidos na cidade e as dificuldades de definição de estilo da nova arquitetura carioca.

Diante deste espetáculo noturno minha resposta é: os bairros do Rio de Janeiro precisam resgatar o espírito do lugar (genius loci) e sua identidade. E os mentores de tantas interferências oficiais nos bairros, principalmente da Zona Sul da cidade, precisam inspirar-se em autores como o arquiteto Christian Norberg-Schulz (2), o filósofo Martin Heidegger (3) e em Gaston Bachelard (4), poeta e filósofo. Estes estudaram e trabalharam na construção e na preservação dos ambientes culturais das cidades, dos bairros e mesmo de moradias para que as interferências não se sobrepusessem aos significados específicos de cada lugar.

Norberg-Schulz descreve a relação entre indivíduo e espaço explicando que ao se moverem através dos espaços, as pessoas freqüentemente ou revivem emoções, ou aplicam modelos de lugares já visitados. Tais emoções estão associadas também aos visitantes, que devem compreender que cada lugar tem um jeito e um estado emocional, independente do estado de espírito do visitante. Este é o sentido do espírito do lugar. Seus estudos são fundamentais. Quando adota a fenomenologia enquanto investigação sistemática da consciência e seus objetos na Arquitetura, constrói método que exige um retorno às coisas, ou seja, que os ambientes tenham significados diante de lugares específicos.

Para tal, introduz a antiga noção romana do genius loci ou espírito do lugar (5), que estabelece uma ligação com o sagrado, criando outro lugar que se possa habitar, pois o lugar é mais do que a localização geográfica, ou seja, mais do que um simples espaço, ele é a concreta manifestação do habitar humano. Habitar é estar em paz num lugar protegido.

A construção dessa passarela, por comodidade, aproveita do espaço público de outra localidade para tal “artefato”, que será instalado nalgum evento na zona sul da cidade. Ao atravessarem essa passarela, não se esqueçam de que o valor embutido da sua construção implicou na interferência na vida do pequeno bairro próximo de Copacabana.

Por fim, nessa mesma noite chamou minha atenção o seguinte aviso: “QUEM AMA CUIDA: não traga seu cachorro para a praia: É ruim para você e pior para ele.” Pensei que alguma coisa estava fora do lugar. Que me perdoem os cães e as pessoas, mas os bairros, assim como as cidades, são fundamentais na preservação dos espécimes, sejam humanas, animais, da natureza e tantas outras. É preciso, portanto, defender todos os cantos das cidades pensando que a vida de cada bairro tem sua personalidade própria da qual emana a sua alma.

Placa "Quem ama cuida"
Foto Phrygia Arruda

Passarela para estrutura temporária em Copacabana
Foto Phrygia Arruda

Finalmente no dia 18 de março avistamos a passarela instalada precariamente no Posto 6 de Copacabana. Qual a utilidade dela? Não sei. Mas vamos descobrir

Estrutura temporária em montagem para evento em Copacabana
Foto Phrygia Arruda

Estrutura temporária em montagem para evento em Copacabana
Foto Phrygia Arruda

No dia 23 do mesmo mês, continua a instalação da passarela no Posto 6 interferindo e maltratando as calçadas, tanto do calçadão ao lado da areia, quanto do calçadão do meio da Avenida Atlântica e próximo às edificações. Segundo informações de quem trabalha no entorno, ainda falta instalar mais dois andares. Seu uso é para a Copa do Mundo. Quem sabe os órgãos oficiais do município poderiam explicar à população do que se trata!

Estrutura temporária em montagem para evento em Copacabana
Foto Phrygia Arruda

Estrutura temporária em montagem para evento em Copacabana
Foto Phrygia Arruda

Estrutura temporária em montagem para evento em Copacabana
Foto Phrygia Arruda

Pensar as formas de articulação da vida cotidiana dos habitantes com sua moradia, associando-as a pesquisas transdisciplinares, à interlocução dos diversos saberes e metodologias próprias às ciências humanas e sociais: eis o que possibilita a compreensão do usuário como produtor de seu ambiente e das experiências coletivas que não se encerram em si mesmas. Alguns profissionais voltados para as ciências humanas e para o uso dos espaços físicos têm dado interpretações que mostram como os espaços e seus usuários “falam” a mesma linguagem, sendo possível entender um a partir da análise do outro.

Conhecendo a cidade, aprendemos a construir a integração de uma visão multifacetada e abrangente de nosso patrimônio cultural. Assim, lidamos com os produtos materiais e imateriais que constituem o seu acervo, sem nos limitarmos a um apego mítico pelo passado.

Por fim, numa referência à construção e à alocação da enorme passarela, não só num espaço público, mas principalmente junto a moradias de inúmeras famílias, retomo a tese da casa e do habitar de Bachelard, que nos mostra os valores da intimidade do espaço: “[a] casa é nosso canto no mundo”(6), nosso ponto de referência no mundo, signo de habitação e proteção. No Rio de Janeiro contemporâneo e já há bastante tempo, não se visualiza uma sincronia entre as obras necessárias ao seu desenvolvimento e os sujeitos que habitam os diferentes lugares. Como escreveu Ferreira dos Santos sobre os bairros do Rio, esses “estão ficando iguais uns aos outros (...), um imenso cemitério de mesmice geográfica, rumo ao triste futurismo de uma cidade com um único, imenso e estressado bairro” (7).

Estrutura temporária em montagem para evento em Copacabana
Foto Phrygia Arruda

referências bibliográficas

ÁBALOS, Iñaki. A boa vida. Visita guiada às casas da modernidade. Trad. Alícia Duarte Penna Portugal: editorial Gustavo Gili, SL. 2008

BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988. A poética do espaço. Coleção tópicos. São Paulo, Martins Fontes, 1993

HEIDEGGER, Martin. Construir, Habitar e Pensar. In: Ensaios e Conferências. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. 8ª Edição. Petrópolis [RJ]: Editora Vozes. 2002: P. 125-141

NORBERG-SCHULZ, Christian. Fenomenologia do significado e do lugar. In: Uma Nova Agenda para a Arquitetura. Antologia Teórica 1965-1995. Kate Nesbitt[Org.]. Cap. 9. Trad. Vera Pereira. São Paulo: Cosac Naify. 2ª ed. Ver., 2008

SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Meus bairros. In: Segundo Caderno. O Globo de 10.2.2014.

notas

1
Segundo Caderno, O Globo, sábado 20.04.2013.

2
NORBERG-SCHULZ, Christian. Fenomenologia do significado e do lugar. In: Uma Nova Agenda para a Arquitetura. Antologia Teórica 1965-1995. Kate Nesbitt (Org.). Cap. 9. Trad. Vera Pereira. São Paulo: Cosac Naify. 2ª ed. Ver., 2008.

3
HEIDEGGER, Martin. Construir, Habitar e Pensar. In: Ensaios e Conferências. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. 8ª Edição. Petrópolis (RJ): Editora Vozes. 2002: P. 125-141.

4
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988. A poética do espaço. Coleção tópicos. São Paulo, Martins Fontes, 1993.

5
HEIDEGGER, Martin. Op. cit, p. 443.

6
BACHELARD, Gaston. Op. cit., p. 358.

7
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Meus bairros. In: Segundo Caderno. O Globo de 10.2.2014.

sobre a autora

Professora associada aposentada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Pós-Doutorado no PPGMS/UNIRIO (2008), com a pesquisa: "O jeito carioca de ser/Arqueologia dos sentidos de uma cidade”. Pesquisadora na área de Educação Patrimonial e Subjetividades Domésticas.

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