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my city ISSN 1982-9922

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São Paulo tem presenciado ações diretas de grupos organizados cuja bandeira é a ocupação de espaços públicos mal utilizados ou áreas privadas que poderiam ter uma função social. A ocupação do Largo da Batata é mais uma criativa iniciativa deste tipo.

how to quote

SOBRAL, Laura. O Largo da Batata Precisa de Você. Ocupação e apropriação do espaço público. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 166.06, Vitruvius, maio 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.166/5176>.



Desde o mês de janeiro de 2014, pessoas têm se encontrado e passado algum tempo juntas no Largo da Batata, bairro de Pinheiros, em São Paulo. A princípio pode soar como algo trivial que não merece atenção, mas, por alguns motivos, merece. O espaço público na cidade de São Paulo não é utilizado pelas pessoas para se encontrarem; o mais comum é que seja considerado apenas passagem de algum ponto privado a outro.

O espaço público, que, segundo o filósofo e sociólogo Henry Lefebvre, protagonizaria o papel de cenário de encontro para a construção da vida coletiva nas cidades (1), não é um espaço onde seja possível estar em São Paulo.

Além da falta da cultura de ocupação e apropriação da cidade em São Paulo, o lugar também faz mais improvável a ação de encontrar-se. O Largo da Batata vem passando por um processo de reurbanização há mais de 10 anos, e agora, próximo da entrega da obra, o que há ali é uma vasta área sem nada, quase que totalmente pavimentada. Não há mobiliário urbano algum, as árvores plantadas são mirradas e são poucas as sobreviventes. Quase não há área permeável, não há qualquer proteção do sol ou da chuva ou qualquer estrutura específica para receber atividades culturais. Antes um ponto de comércio intenso, o Largo transformou-se em um local apenas de passagem, em um enorme espaço desértico, desconfortável e nada atrativo.

Para chamar a atenção para a situação do Largo e ativar o lugar, restabelecendo o espaço público como um espaço de encontro, todas as sextas-feiras no final do dia há um encontro no Largo chamado A Batata Precisa de Você. É uma manifestação cidadã propositiva.

A ideia é ocupar o Largo com o que se tem à mão, nada de megaestruturas ou superproduções. É tudo na base da gambiarra, de acordo com a sua definição “manifestação da permanente criatividade humana e tática social capaz de manobrar a ordem tradicional de mercado baseada na perspectiva de um consumo passivo” (2). Transforma-se o que se tem acesso ao que se precisa naquele momento.

E a partir das 18h00 das sextas feiras o Largo é ocupado com elementos que dão o conforto básico àquele espaço, como guarda-sóis, cadeiras de praia, almofadas, cangas, redes, tendas … e a cada semana tem atividades diferentes. Jogos de rua, com peladas, amarelinha, jogo de taco, frisbee, peteca. Sessões de ioga, de alongamento. Oficinas de bombas de sementes, de crochê, de leitura. Karaokê, apresentações de música, cinema…a agenda é aberta e tudo é organizado colaborativamente. Toda sexta até pelo menos meia noite tem agito no Largo da Batata.

Os encontros são em grande parte organizados online, pelas redes sociais, em um grupo aberto no facebook. Para envolver quem mora e frequenta as proximidades do Largo, a regularidade das ocupações tem se mostrado muito importante, agregando cada vez mais pessoas ao movimento e não restringindo a organização ao virtual: muitos dos que hoje se encontram todas as sextas pra agitar a Batata se juntaram à proposta ao passar pelo Largo e ver o pessoal reunido e as atrações culturais. A comunidade está cada vez mais envolvida, percebendo a evolução das ocupações. O Largo está visivelmente mais movimentado e sendo utilizado para atrações culturais e de lazer em outros dias da semana e horários. Não é mais só na sexta-feira que a Batata está quente, está se tornando um centro cultural público, construido coletivamente e auto-organizado.

No final de maio acontece a vigésima edição do A Batata Precisa de Você e além das ocupações por gambiarra e suas atividades, que testam as possibilidades do lugar, agora também algumas ocupações temporárias estão sendo articuladas. Em uma edição, por exemplo, foram construídos os Batatabancos, que hoje figuram no Largo ao lado de outros bancos feitos anteriormente pelo Movimento Boa Praça, sendo atualmente os únicos suportes para sentar-se em todo o Largo. Está em pauta a ocupação temporária do Largo, com a construção de elementos temporários que fiquem na praça para além das sextas-feiras, para que por meio desse processo seja desenhada uma política pública para aquele espaço convergente com os desejos de seus frequentadores. Seja recebendo infraestrutura permanente ou confirmando o Largo da Batata como um espaço público laboratório, que possa se ocupar de forma temporária de maneira estruturada e dentro de uma politica pública que dê suporte a esse modo de operar.

A Batata Precisa de Você propõe um diálogo com os gestores públicos, se posicionando como um movimento de cidadãos ativos que participam da vida pública da cidade. Não há necessidade de se escolher o formal ou o informal, eles juntos se potencializam. O objetivo é o mesmo. Para isso documentamos as nossas experiências práticas, mapeamos nossa evolução e convidamos o poder público a participar do nosso processo, assim como procuramos participar do dele, acompanhando suas etapas, pedindo e analisando os resultados. Nos contatos até agora essa troca tem mostrado uma perspectiva promissora.

O exercício da cidadania, a construção da realidade do cidadão como agente transformador, é uma realidade mais fácil do que parece. As sextas-feiras na Batata demonstram como o simples fato de estar em espaço público regularmente o transforma. Confirma a arte e a cultura como manifestações educativas. Educação cidadã, que com o rompimento da inércia cotidiana, abre os olhos das pessoas para possibilidades de mudança, para sua autonomia, para sua força transformadora em relação à cidade. Já bem disse o geógrafo David Harvey em relação ao direito a cidade “não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas é o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente” (3).

Ocupação do Largo da Batata
Foto divulgação [Facebook A Batata Precisa de Você]

notas

1
LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo, Documentos, 1969.

2
Definição de Gambiarra que figura no seguinte texto: BOUFLEUR, Rodrigo Naumann. Fundamentos da gambiarra: a improvisação utilitária contemporânea e seu contexto socioeconômico. Tese de doutorado. Orientador Maria Irene de Queiroz Ferreira Szmrecsanyi. São Paulo, FAU USP, 2013 <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-02072013-134355/publico/Fundamentos_Gambiarra_Rodrigo_Boufleur_Revisada.pdf>.

3
HARVEY, David. Alternativas ao neoliberalismo e o direito à cidade. Novos Cadernos NAEA, v. 12, n. 2, dez. 2009, p. 269 <http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/viewFile/327/513>.

sobre a autora

Laura Sobral é arquiteta e urbanista, sócia da produtora cultural MUDA e do grupotrëma, de design cultural e cenografia. Pesquisa e realiza intervenções urbanas para a ativação e apropriação dos espaços públicos urbanos. É dela a inciativa d'A Batata Precisa de Você.

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