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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
As enchentes são um desafio para a gestão da paisagem urbana. Ao construir além dos limites de suas características naturais, São Paulo cria uma dinâmica complexa que sobrepõe o avanço dos eventos climáticos à vulnerabilidade do solo em que se habita.

english
Floods are a challenge for the management of the urban landscape. By building beyond the limits of its natural characteristics, São Paulo creates a complex dynamic that overlaps the advance of climatic events and the vulnerability of the soil.

español
Las inundaciones son un desafío para la gestión del paisaje urbano. Al construir más allá de los límites de sus características naturales, SP crea una dinámica compleja que se superpone al avance de los eventos climáticos con la vulnerabilidad del suelo.

how to quote

CAMPOS, Letícia Polito de; BROCANELI, Pérola Felipette. Paisagens descaracterizadas. Minha Cidade, São Paulo, ano 20, n. 239.05, Vitruvius, jun. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/20.239/7768>.


Margem direita do rio Tamanduateí, início do século 20
Foto Guilherme Gaensly [SMC/DIM/PMSP]


As cheias são fenômenos naturais e sazonais, portanto, um rio ou qualquer curso d’água ocupará durante esse período seu espaço por direito, ou seja, as planícies de inundação. Em paralelo a esse fato, as cidades sempre mantiveram relação próxima à água para seu desenvolvimento, desempenhando funções como higiene, transporte, geolocalização e matéria-prima (1). No entanto, a partir do momento em que o valor ambiental perde relevância na gestão e no planejamento destas cidades, a relação entre o antrópico e o natural começa a se tornar desequilibrada.

Em uma perspectiva mais ampla, de acordo com o Plano Diretor de Macrodrenagem do Alto Tietê (2), a urbanização de uma região de planície ou pertencente a uma bacia hidrográfica, seja ela qual for, promove a remoção da vegetação original, muda a dinâmica de uso do solo devido a escavações, fundações e construções, aumentando a impermeabilidade do solo. A impermeabilização, a retificação e/ou canalização de um rio reduzem a capacidade do sistema de drenagem urbana, aumentando a velocidade de escoamento e a poluição hídrica, além de consequentes inundações mais intensas.

A questão ambiental é um dos grandes desafios para a gestão da cidade de São Paulo, não só devido aos alagamentos no contexto urbanizado, mas também devido a sua frequência e intensidade. Além disso, segundo Daniela Ramalho (3), as paisagens fluviais têm sido gradativamente descaracterizadas; seus rios são percebidos apenas por uma pequena parcela da sociedade, pois suas margens se tornaram grandes avenidas e corredores expressos.

Portanto, o cenário da urbanização de São Paulo caracteriza-se pela sobreposição de dinâmicas naturais das cheias com a ocupação de planícies propícias para inundações. A intensificação dessas cheias pode ser justificada não só pela alta impermeabilização do solo através dos séculos, mas também pelo fato de que os eventos climáticos também tendem a se intensificar (4), agravando as consequências de chuvas torrenciais e dos alagamentos que surgem, tornando a situação crítica para os munícipes.

É possível analisar essa problemática em diversos pontos da cidade, dentre eles, o distrito do Cambuci, que pertence à subprefeitura da Sé. Segundo Ramalho, esse território está localizado na região dos antigos meandros do rio Tamanduateí – ou rio Piratininga, ou rio dos peixes secos, um dos maiores e mais importantes rios de São Paulo. Além de ter desempenhado grande influência na urbanização e ocupação da cidade, sofre escoamento dela a montante por conta de sua extensão e córregos afluentes. Sua nascente se encontra no município de Mauá e sua foz no rio Tietê.

Segundo o Departamento de Águas e Energia Elétrica (5), a ocupação territorial desenfreada atrelada ao mito “São Paulo não pode parar” trazia uma ideia de progresso e, o então presidente da Província de São Paulo, João Alfredo Correia de Oliveira (1885-1886), afirmava a necessidade da retificação dos meandros sinuosos do Tamanduateí e do Tietê, como pode ser observado na Planta Geral da Cidade de São Paulo de 1894 (6), com o intuito de utilizar os terrenos de suas várzeas. No entanto, os loteamentos se sucederam sem seguir uma lógica ordenada da cidade, levando em consideração apenas interesses econômicos.

De acordo com Danilo Janúnio Alves (7), no século 19 o distrito do Cambuci compreendia um conjunto de chácaras e outras propriedades que passaram a ser valorizadas com a implementação de infraestruturas como o Porto Geral, a construção do Museu do Ipiranga e a linha de bonde que o conectava ao centro da cidade, incentivando abertura de ruas e construção de casas.

Esta região se desenvolveu após a urbanização do centro histórico da cidade. A dinâmica de ocupação expôs a população a situações de risco, comprometendo sua qualidade de vida, pois sua urbanização e adensamento proporcionaram a ocupação inadequada das áreas frágeis junto ao rio Tamanduateí. Essas ações não consideraram a idoneidade do solo para urbanização, defendida por Ian McHarg (8).

Considera-se que a sub-bacia do Tamanduateí é quase inteiramente urbanizada (9), e é comum encontrar vários depoimentos de moradores que se queixam dos danos causados por enchentes:

“As enchentes são o segundo principal motivo de queixa dos moradores da área central, com 11% de reclamações, contra os 4% da média paulistana. No Cambuci, o problema é ainda mais grave, atormentando 25% dos moradores” (10).

“Maria do Carmo Michelletti, síndica de um edifício na rua Vieira Ravasco, no Cambuci, disse ter presenciado o alagamento da rua, mas nunca tinha visto a água invadir o pátio onde ficam estacionados os carros. Ela mora no local há 12 anos. ‘Eu cheguei mais ou menos à meia-noite de ontem em casa e a água já estava subindo. Mas eu não achei que fosse alagar assim’, contou a síndica. A gente só ouvia o barulho da água e não tinha por onde sair” (11).

“Na proximidade do Rio Tamanduateí, o motorista de aplicativo Samuel Pacheco da Silva Gomes disse ter vivido momentos de medo junto com três passageiros. Infelizmente ficamos sem saída. A água, no início, estava com 30 centímetros, depois começou a subir chegou até o meio da cintura. Tivemos que sair pelo vidro com ajuda dos bombeiro” (12).

Relacionando e georreferenciando os depoimentos acima com o mapeamento geomorfológico do Cambuci, nota-se que grande parte do bairro é suscetível a inundações por se localizar nas planícies aluviais pertencentes ao trajeto original do Tamanduateí, incluindo a rua Vieira Ravasco, citada no depoimento de Maria do Carmo Michelletti.

Para identificar pontos de alagamento, o Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas da Prefeitura de São Paulo – CGE (13) oferece uma consulta digital por data e região. Apesar desse serviço ser acessível por qualquer munícipe online, as fontes de dados são pluviômetros e estações meteorológicas, portanto, essa correlação entre alagamentos e índices de precipitação não considera a fragilidade do solo local e a tendência histórica dele a sofrer inundações.

Sabe-se que a deficiência de cobertura vegetal também contribui no agravamento das inundações. A várzea original do Tamanduateí que assumia a função de mata ciliar foi removida em 1894 pelo projeto de retificação e deu lugar à Avenida do Estado, que contava com uma sequência de árvores em grande parte de sua extensão, como aponta a ortofoto de 1958 (14). No entanto, a vegetação urbana não garante a mesma permeabilidade do solo que a vegetação de várzea, proporcionando um cenário propício aos alagamentos.

Atualmente, de acordo com o mapeamento de vegetação de 2020 disponível no Geosampa, não há nenhum tipo de cobertura vegetal significativa na extensão do Tamanduateí, portanto, perdeu-se um elemento essencial para as dinâmicas naturais do rio, que reservava este local para o armazenamento adequado das águas durante as cheias, desta forma, as margens do Tamanduateí apresentam-se totalmente ocupadas e impermeabilizadas.

Devido à cota de nível, as planícies de inundação mapeadas são naturalmente propícias a inundações. Seu respectivo solo, por ser argiloso, não possui propriedades que proporcionam uma rápida percolação das águas, a vegetação dessas planícies deve ser extensa e capaz de realizar fitodepuração, caracterizando as wetlands naturais nas margens dos rios.

No entanto, a vegetação existente na planície de inundação do bairro do Cambuci não apresenta características ou extensão adequadas para suportar um sistema de contenção das águas durante a época de cheias e de chuvas críticas, tal como uma infraestrutura verde e úmida que, segundo Brocaneli (15), resguardaria a identidade ambiental local.

Considerações finais

O monitoramento de áreas vulneráveis e suscetíveis a alagamentos, como as planícies de inundação, não é acessível de forma simplificada e didática à população.

Esta desinformação ocorre devido à dificuldade no entendimento de cartas técnicas e prioritariamente devido às alterações da hidrografia e topografia originais do território da cidade, que exterminou os rios e suas áreas verdes do território urbano, descaracterizando a paisagem de São Paulo.

Estas alterações dificultam a compreensão do território urbano, no que tange sua fragilidade ambiental, dificultando o desenvolvimento de ações para mitigar os impactos ambientais inerentes ao desenvolvimento urbano.

A reserva das áreas de preservação permanente nas cidades, para a constituição e manutenção de sistemas de parques e áreas verdes, promove divergências históricas, culturais e estruturais entre diversos atores, pois alguns desejam ocupar as regiões vulneráveis a inundações, sendo este um dos principais desafios à gestão da paisagem urbana contemporânea.

notas

NA – Este artigo foi desenvolvido utilizando parte dos dados levantados pela iniciação científica “Urbanização contemporânea, inundações e vulnerabilidade socioambiental no distrito do Cambuci” em desenvolvimento pela aluna de graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU Mackenzie Letícia Polito de Campos, orientada pela Prof.ª Dr.ª Pérola Felipette Brocaneli, com apoio do MackPesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

1
REZENDE, Osvaldo; MIGUEZ, Marcelo; VEROL, Aline. Manejo de águas urbanas e sua relação com o desenvolvimento urbano em bases sustentáveis integradas – estudo de caso dos rios Pilar-Calombé, em Duque de Caxias/RJ. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 18, n. 2, Porto Alegre, Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH, 2013, p. 149-163 <https://go.aws/3cCTg4u>.

2
Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos. Terceiro Plano Diretor de Macro Drenagem na Bacia do Alto Tietê: PDMAT 3. Portal do Departamento de Águas e Energia Elétrica, São Paulo, 2014 <https://bit.ly/3czYk9S>.

3
RAMALHO, Daniela. Rio Tamanduateí – nascente à foz: percepções da paisagem e processos participativos. Paisagem e Ambiente, n. 24, São Paulo, 31 dez. 2007, p. 99-114 <http://www.revistas.usp.br/paam/article/view/85723/88496>.

4
ESCOBAR, Herton. Dados comprovam aumento de eventos climáticos extremos em São Paulo. Jornal da USP, São Paulo, 28 fev. 2020 <https://bit.ly/2ANnzrN>.

5
ADMINISTRADOR. Retificação e decadência. Portal do Departamento de Águas e Energia Elétrica, São Paulo, 2015 <https://bit.ly/2XDtEAd>.

6
Planta Geral da Cidade de São Paulo, Grupo Hímaco/Unifesp disponível em <http://www2.unifesp.br/himaco>. Sobre esta foi sobreposta o Distrito do Cambuci, disponível no Sistema de Consulta ao Mapa Digital da Cidade de São Paulo – GeoSampa <http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br>, resultando na planta apresentada neste artigo.

7
ALVES, Danilo Janúnio. Cambuci era caminho de tropeiros e viajantes. In: História dos bairros paulistanos: Cambuci. São Paulo, Banco de Dados Folha de São Paulo, s/d <http://almanaque.folha.uol.com.br/bairros_cambuci.htm>.

8
McHARG, Ian. Design with nature. Nova York, Natural History Press, 1969.

9
HAGER, Francis Priscilla Vargas. Gestão integrada de recursos hídricos subterrâneos e superficiais: exemplo das sub-bacias da Billings e Tamanduateí, bacia do Alto Tietê, São Paulo. Dissertação de mestrado. Orientador Arlei Benedito Macedo. São Paulo, Instituto de Geociências USP, 2000.

10
Enchente é a maior queixa do Cambuci. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 ago. 2008 <https://bit.ly/2Y8qKlQ>.

11
BOCCHINI, Bruno. “Passei por 20 enchentes, mas essa foi a pior”, diz sobrevivente. Agência Brasil, Brasília, 11 mar.2019 <https://bit.ly/2z6mbQD>.

12
Idem, ibidem.

13
Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas da Prefeitura de São Paulo – CGE-SP. São Paulo, Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras, Prefeitura da Cidade de São Paulo <https://www.cgesp.org/v3>.

14
Ver: GeoPortal Memória Paulista <https://www.geoportal.com.br/memoriapaulista>.

15
BROCANELI, Pérola Felipette. O ressurgimento das águas na paisagem paulistana: fator fundamental para a cidade sustentável. Tese de doutorado. Orientadora Maria de Assunção Ribeiro Franco. Universidade de São Paulo, São Paulo, FAU USP, 2007.

sobre as autoras

Letícia Polito de Campos é graduanda de Arquitetura e Urbanismo na FAU Mackenzie e desenvolve a iniciação científica “Urbanização contemporânea, enchentes e vulnerabilidade socioambiental no distrito do Cambuci”; sob a orientação da Arq. Profa. Dra. Pérola Felipette Brocaneli, com fomento do MackPesquisa.

Pérola Felipette Brocaneli é arquiteta e urbanista formada pela FAU Mackenzie (1993), mestre em arquitetura e urbanismo pelo PPGAU FAU Mackenzie (1998) e doutora em paisagem e ambiente pela FAU USP (2007). Leciona paisagismo na FAU Mackenzie desde 1994.

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