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PORTAL VITRUVIUS. Sede da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Projetos, São Paulo, ano 05, n. 054.02, Vitruvius, jun. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/05.054/2494>.


A Orquestra Sinfônica nos espaços da Liberdade

Praça da Liberdade: pólo de intenso caráter cultural, vocação que o governo estadual incentiva ao propor a transformação do edifício da Secretaria da Fazenda em sede da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais.

A proposta desta intervenção parte da sobreposição de dois vetores: o espaço da cidadania que se conjuga com a idéia fundadora de Liberdade (a praça pública), e a vocação cultural de todo o conjunto, que tem sido a tônica do espaço nos últimos anos.

Entendemos que os dois são vetores imprescindíveis no ideal republicano (no sentido de coisa pública) de buscar uma sociedade mais justa.

Tal ideal norteou a mudança da capital do estado há 108 anos, formando a base do projeto da Cidade de Minas, logo re-batizada Belo Horizonte.

Belo Horizonte nasceu de uma conjugação de interesses. No âmbito estadual, o poder econômico se deslocara do centro para o norte e o sul do estado, pecuarista e cafeeiro, respectivamente. No âmbito nacional, a recém proclamada República dos Estados Unidos do Brasil se preocupava com o estado mais populoso e importante politicamente, e trazia como bandeira idéias de ordens e progressos. Juntos, poderes nacionais e estaduais se estabeleciam com base no novo jogo de forças político-econômicas do país e tinham em comum a preocupação de eliminar quaisquer vestígios de monarquia, de modo a consolidar sua supremacia.

E é bem sabida a eficácia da ordenação espacial para a consolidação de qualquer regime novo. Assim sendo, o congresso mineiro implantou onde se erguia o arraial do Curral D'El Rey não só uma cidade nova, mas um espelho de suas idéias e vontades. Um traçado ortogonal, rígido, com suas ruas largas e saudáveis que definiam todo o resto. A rua torna-se o ponto de partida da estrutura, o espaço do cidadão que por ela reverencia o estado presentificado no centro da perspectiva. Circulação facilitada, controle facilitado, amplos espaços ainda quase vazios dominam a paisagem. Tudo reto, regular e uniforme. Solene e positivamente.

Porém, se a rua era o espaço do cidadão, a praça é o espaço do Estado, o espaço da perspectiva monumental que leva à sede do poder.

Projetada para ser o centro cívico da nova capital, e por conseqüência, de todo o Estado de Minas Gerais, a Praça da Liberdade destaca-se desde o projeto de Aarão Reis por sua localização topograficamente privilegiada, na cota mais alta da área central da cidade. O belorizontino, em função da ortogonalidade do traçado urbano, orienta-se pelos pontos referenciais, formados por encontros de importantes vias e eixos estabelecidos no projeto original, verdadeiros marcos urbanos da cidade. Nesse sentido, a Praça da Liberdade toma uma importância ainda maior porque todas as ruas e avenidas "sobem" em sua direção. Subir Bahia, subir Brasil, subir Bias Fortes, subir João Pinheiro são as formas de acesso à Praça, vértice de encontro físico e visual.

Mas para se fazer uma cidade é preciso mais que ruas, calçadas e esgotos. Uma cidade não se faz sem história, sem memória. Desenhada para que de seus traços ortogonais brotasse uma sociedade projetada – ao contrário da maioria dos monumentos e precursora do que se faria 60 anos depois – Belo Horizonte foi criada sob o signo da ruptura com o passado e voltada totalmente para um futuro que se dizia ordenado e progressista. Um Horizonte desenhado que se queria Belo.

Justamente por isso o vetor cultural é a base desta proposta de intervenção que visa a adaptação de um edifício quase centenário para acomodar a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Uma cidade deve ser projetada e construída entendendo-se que um povo não se faz sem memória, sem uma costura cultural. A cidade vazia dos anos 20 cantada por Mario de Andrade em seu noturno foi sendo preenchida pelas narrativas de Pedro Nava, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino. Ao mesmo tempo a Praça da Liberdade foi se transformando, acompanhando as transformações da dinâmica da cidade. De espaço da burocracia estadual (principalmente enquanto a Rua da Bahia era o principal espaço simbólico da cidade nas primeiras décadas) em espaço de cidadania (átrio do poder estadual), a cartão postal da cidade especialmente depois da reforma no final dos anos 1980.

A proposta de intervenção no edifício da Secretaria da Fazenda pretende não só preservar esta função simbólica, como ampliar o limite do que é definido como espaço de cidadania.

Para tanto, o pavimento térreo coloca-se absolutamente aberto e permeável na maior parte do tempo, enquanto funciona como centro de exposições, café, permitindo a visada para a caixa dos espaços cênicos e outros, de apoio, abrigados na caixa do edifício original. A intenção é de asseverar um caráter de continuidade simbólica da praça (através dos níveis que se desdobram no piso de calçada portuguesa e jardins internos), aliando a este a ambiência pretendida para o foyer da Orquestra Sinfônica.

Sobre o edifício original, o desafio foi preservar ao máximo o que de mais simbólico a edificação possui, a presença na esquina da Praça da liberdade com a Rua Gonçalves Dias, respeitando-se a altimetria do conjunto que deste lado da praça não é interrompido em momento algum, fluindo harmonicamente da esquina marcada pelo edifício em questão até a esquina junto ao Palácio da Liberdade, marcado pelo edifício do antigo CAT (Centro de Apoio ao Turismo), atual Museu de Mineralogia.

A inserção, além de considerar a altimetria e respeitosamente se fazer presente na parte posterior da fachada da Rua Gonçalves Dias, busca qualificar o edifício para o novo uso proposto. A questão da coisa publica passa a ser de fundamental importância no momento em que se discute a transformação dos usos dos edifícios das Secretarias em torno da Praça da Liberdade.

Tal intervenção, frente ao caráter público do edifício desdobra-se em duas atitudes projetuais inseparáveis: a primeira diz respeito ao volume curvo da caixa que abriga as áreas cênicas, o qual, ao se inserir em um espaço já construído de geometria prismática, gera interstícios e complexidades inesperadas. Este diálogo entre o volume da caixa existente e o volume do auditório ajuda a "datar" o edifício, marcando a intervenção como sendo uma obra do século 21 em contraste com as paredes espessas e janelas trabalhadas da edificação original.

Tal contraste apresenta-se ainda mais explicito pela diferença de tecnologia entre a nova estrutura mista, cujas formas esbeltas contrapõem-se à robustez do edifício original.

O uso da tecnologia coloca-se como a segunda importante atitude projetual, sem a qual o volume curvo não seria possível.

A inserção de um volume curvo dentro da caixa existente é desejável funcionalmente na medida em que libera espaços vazios (e conseqüentemente visadas) no térreo e ao longo das paredes internas do edifício, valorizando as formas da área original. Tais formas tornam-se, assim, mais visíveis, principalmente como massas volumétricas diante da luz que invade esses espaços pelas múltiplas janelas dos andares inferiores. Ao mesmo tempo em que estes interstícios são feitos mais públicos, a maioria do programa básico de acesso mais restrito organiza-se nos pavimentos superiores da parte da edificação preservada.

Esta atitude projetual, ao mesmo tempo em que preserva a fachada externa do edifício (sua face pública para a cidade) preserva também sua face interna, cuja coerência de ritmo e repetição de elementos aumenta a legibilidade da edificação original como definidora dos limites do espaço publico.

O diálogo estabelecido entre o novo e o antigo pretende não apenas resolver os aspectos funcionais da re-qualificação para novo uso, mas sim, e principalmente, servir de catalisador no sentido de permitir uma reflexão sobre o desafio de conjugar permanência e criação em todas as manifestações culturais. Assim como a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais orgulha-se de ter um portfolio eclético que atravessa o erudito e o contemporâneo passando pelo popular, seu edifício sede aqui proposto busca reforçar esse ecletismo que não coincidentemente é a base arquitetônica da praça onde se localiza. O ecletismo presente na arquitetura do inicio do século 20, e que convive tão bem com as intervenções dos anos 50 e 60 e até mesmo com o colorido (tão eclético) dos anos 80 passa agora a conviver com a leveza e a modularidade da arquitetura de inícios do século 21, desta vez re-qualificando seu espaço interno.

Fluxos, usos e patrimônio

Na entrada (nível +2,84) tem-se a distribuição das áreas da Orquestra Sinfônica, aproveitando elementos de extrema importância no edifício: a escada, monumental, leva ao foyer, iniciando a leitura interna de coexistência e integração do contemporâneo e do antigo.

No espaço do café, nível conectado diretamente com o térreo, existe uma escada no mesmo eixo da preexistente no edifício, que leva ao nível –1,09, onde há distribuição para biblioteca, videoteca e discoteca, além de áreas para estudo e consulta. Neste pavimento existem ainda áreas técnicas (como Sala de Guarda de Instrumentos, Depósitos de Praticáveis, Estantes e Cadeiras e Lutheria), com acesso direto ao elevador que se conecta aos espaços cênicos, permitindo uma circulação técnica independente e funcional. Completa a ocupação deste pavimento um acesso para cadeirantes, conferindo acessibilidade universal ao edifício.

O foyer, que se desenvolve a partir do nível + 5,13, desdobra-se em dois níveis, proporcionando uma movimentação do espaço, aumentando a ambiência pré-espetáculos e colaborando para a leitura do espaço proposto.

Pelo foyer, são acessadas todas as áreas de apresentações, inseridas dentro de uma verdadeira caixa cênica, com fechamento externo em madeira laminada colada, num simbolismo representativo de um local que abrigue os músicos, seus instrumentos e o público, elementos formadores do espetáculo.

Diretamente conectada com o primeiro nível do foyer está a Sala do Coral com pé direito duplo, no nível +5,36, além da Sala de Ensaio de Naipes. A Sala do Coral, revestida com difusores e ressonadores em madeira, possui a mesma ambiência das outras, além de possuir, no teto, nuvens acústicas em tecido e difusores tridimensionais em madeira.

Logo acima, no nível + 8,01, está a Sala para Música de Câmara, com painéis acústicos em madeira nas laterais e difusores, também em madeira, nos fundos e frente. Além disso, há no teto o mesmo recurso acústico usado na Sala do Coral.

Finalmente, no nível + 12,22, encontra-se a grande sala para espetáculos da Orquestra Sinfônica, com revestimento interno em difusores dispostos do chão ao teto, os quais foram calculados para obtenção da melhor solução acústica, além de corresponderem, plasticamente, à curva externa da Caixa Cênica. Tal Sala possui, ainda, painéis alocados no teto, com possibilidade de movimentação vertical e que possuem pivô, podendo ser girados (com tecido em uma face e madeira em outra) de acordo com a demanda acústica do espetáculo.

As áreas especializadas localizam-se no 2º pavimento do prédio antigo, nível +8,09. De um lado, estão as áreas relativas ao Espaço Cultural, e, de outro, salas relativas a apoio ao espetáculo (como reprografia, musicoteca e manuseio de repertório), com fácil conexão à Caixa Cênica. No meio do pavimento, estabelecendo relação com o edifício e a Praça da Liberdade (combinando as idéias de Patrimônio Material e Imaterial), estão as Salas do Solista, do Gerente da Orquestra Sinfônica e do Maestro Titular.

No 3º pavimento do prédio antigo, nível + 14,00, o espaço é essencialmente dedicado aos principais responsáveis pelo acontecimento do espetáculo: os músicos da Orquestra Sinfônica. Em posição central neste pavimento existe o Hall dos Camarins – em local com vista para a Praça – que usa das divisões preexistentes da edificação para distribuir os músicos para os respectivos camarins. Destes, há o acesso para a Sala de Descanso / Copa dos Artistas, que se conecta à Caixa Cênica.

O diálogo entre o contemporâneo e o antigo

O encontro entre o antigo e o contemporâneo em locais com alto valor de patrimônio histórico é inevitável, pela necessidade de atendimento a novos usos e, conseqüentemente, revitalização dos espaços. As edificações com valor histórico, notadamente as deste conjunto da Praça da Liberdade, apresentam elevada carga artística, além de serem representativas dos elementos construtivos e funcionais vigentes na época de seu planejamento.

Entende-se, no caso da intervenção da sede da Orquestra Sinfônica, tratarem-se de dois aspectos patrimoniais a serem coadunados: o Patrimônio Material, edifício-sede, com todos os valores intrínsecos ao caráter físico, e o Patrimônio Imaterial, agregado à carga histórica do edifício e à sua representatividade centenária junto à Praça, e agora, pelo aspecto simbólico da existência da Orquestra Sinfônica, uma das manifestações da arte do Estado de Minas Gerais.

Dessa forma, a consideração entre passado e presente e as referências fornecidas pelo caráter antigo (com seus usos e fluxos originais inseridos), permitem-nos um levantamento de critérios a serem adotados neste projeto.

A intervenção na área mais antiga do prédio fez-se de forma delicada, de maneira a promover a harmonia dos espaços, aliando a robustez das divisões internas preexistentes à alocação de novas divisões para novos usos, a fim de abrigar aqueles que trabalham para a manutenção da Orquestra Sinfônica em todos os seus aspectos.

As novas divisões foram projetadas para serem capazes de acolher os novos usos do lugar, flexibilizando-se em futuras modificações e adaptações. Os elementos arquitetônicos são inseridos de modo a liberar as paredes do edifício original, mantendo com estes um contato físico, visual e cultural. A intenção nesse caso é de usar os caracteres físicos proporcionados pela divisão e delimitação do espaço existente no prédio antigo e a potencialização destes neste projeto.

Condicionantes técnicas e esquema estrutural

Aliadas às necessidades definidas pelo termo de referência do concurso, alguns pontos devem ser ressaltados:

O cumprimento da Norma ABNT 9077, referente às saídas de emergência em edifícios. Ela determina (em função do público previsto para a sala de concertos) o número de Unidades de passagem da edificação em 6, e também o número (2) e tipo de caixas de escada (PF enclausuradas à prova de fumaça).

Estrutura: Pilares em concreto com a função de estruturar as paredes a serem mantidas somam-se a outros que suportam a carga do novo volume. Apoiadas nestes pilares, vigas metálicas vencem o vão proposto (18,65 m) e servem como pontos de apoio para a conexão dos painéis em madeira laminada colada que serve como casca da estrutura. As vigas também servem como âncoras dos tirantes de sustentação das lajes que conformam o foyer, permitindo que estas tenham espessura reduzida, fator técnico fundamental para a conformação da ambiência desejada.

Considerações sobre a acústica / características acústicas das salas

1. Nível de Ruído

Um importante critério para descrever ambientes acústicos é a quantidade de ruído de fundo presente em um determinado espaço. Uma forma de apresentar esses dados seria por um conjunto de dados ou um gráfico. Vários padrões têm sido propostos para representar o ruído de fundo por um único número sendo que uma das mais comuns leituras de ruído é o padrão "Prefered Noise Criteria" – PNC.

Para se converter dados obtidos em uma medição acústica em um único valor, um grupo de curvas pré-definidas (curvas PNC) é utilizado. Os ambientes acústicos do projeto foram concebidos de forma tal que não exista interferência sonora entre eles, permitindo que todas as salas possam ser utilizadas em um mesmo momento.

O critério de ruído adotado em projeto para Grande Sala de Concertos foi de PNC20, necessário à utilização do espaço para as mais diversas performances ao vivo, incluindo gravações, caso venham acontecer. Como as salas de Concertos de Câmara e Ensaio do Coral ficam localizadas diretamente abaixo da Grande Sala de Concertos, as mesmas terão seu isolamento acústico reforçado por um sistema flutuante tipo "caixas dentro de caixa" composto por um piso flutuante apoiado em elementos antivibratórios que irá receber as paredes internas, que por sua vez recebem o forro interno compondo um sistema totalmente independente da estrutura externa conforme ilustram os desenhos. Diversos cuidados devem ser tomados de forma a se obter um nível ruído o mais baixo possível, dentro dos limites desejáveis para o fim que se destinam as salas. O sistema de isolamento adotado e o correto dimensionamento do sistema de ar condicionado irão permitir que o nível de ruído final destas salas estejam abaixo da curva PNC25, conforme ilustra o gráfico apresentado.

2. Tempos de reverberação

O tempo de reverberação de uma sala (ou RT60 como é conhecido) representa o tempo de decaimento do som no seu nível de pressão sonora (dB SPL) do momento de seu início até o momento em que atinge um nível de pressão sonora 60 decibéis abaixo de seu nível inicial. O Rt60 pode ser medido em todas as freqüências e, conforme sua variação, irá descrever as características acústicas do ambiente.

O projeto acústico da Grande Sala de Concertos foi concebido de forma que possa haver uma variação do tempo de reverberação da sala conforme o posicionamento dos painéis de acústica variável previstos na área do teto e paredes frontais da sala.

É possível, portanto, variar o som da sala de maneira a atender as mais diversas situações de apresentações, adequando não só a reverberação em seu interior, como também o direcionamento da propagação das ondas pela variação do ângulo de cada painel. As demais salas, por se tratarem de ambientes considerados acusticamente pequenos, deverão apresentar um tempo de reverberação médio (em 500Hz) nunca superior à 0,75 segundos para a Sala de Ensaios do Coral e inferior à 0,9 segundos para a Sala de Concertos de Câmara. A variação desse tempo em função das oitavas de freqüência deverá ocorrer de forma uniforme com uma tolerância de –10% por oitava em direção às freqüências altas e +10% por oitava em direção às freqüências baixas, partindo de 500Hz.

ficha técnica

Arquitetos
Carlos Maia, David Mosqueira, Débora Vieira, Eduardo França, Fernando Lara, Humberto Hermeto e Igor Macedo

Engenheiro Civil e de Áudio
Renato Cipriano

Colaboradores
Hélio Chumbinho (estrutura); Geraldo Félix de Moura (prevenção e combate a incêndio)

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Equipe premiada
Belo Horizonte MG Brasil

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