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PORTAL VITRUVIUS. Sede da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Projetos, São Paulo, ano 05, n. 054.02, Vitruvius, jun. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/05.054/2494>.


Conceito geral

Dualidades

“Combinar de forma dinâmica e harmoniosa os binômios (às vezes considerados equivocadamente como excludentes) de cultura regional x cultura universal; cultura tradicional x cultura moderna e contemporânea; e cultura erudita x cultura popular“
Termo de Referência do concurso

O projeto parte do agenciamento destas dualidades, às quais pode-se ainda acrescentar outras inerentes ao tema tratado, prenhe de significados.

A cultura musical é um fenômeno coletivo. Como outras formas de arte, a música de determinada época traz em si parte da história da sociedade que a gerou. Da trova, que carrega em seus versos as narrativas, às sinfonias, que carregam em sua notação a reflexão, as expressões musicais diversas só completam seu sentido no momento de sua execução, que emociona o ouvido intérprete. No caso aqui tratado, em sinfonias – passíveis de execução apenas por orquestras – este sentido de coletividade se faz mais visível e patente como manifestação cultural social.

Por outro lado, a percepção da música é um fenômeno individual. No instante em que o som atravessa o ar e atinge o ouvinte, a harmonia, o ritmo, e a melodia sacralizam aquele momento, suspendendo e modulando a realidade e levando o homem a um contato com as esferas interiores de seu íntimo.

As preferências da individualidade agregam grupos sociais, unindo pessoas pela afinidade desta religação íntima, celebrada a cada execução da obra. Visto deste modo, cada concerto de uma orquestra é, a uma vez, um rito coletivo de comunhão e um momento de transcendência individual.

Nesse ritual integram-se o indivíduo e a coletividade; o evento – contemporâneo na execução – e a tradição – na forma musical permanente –; o erudito – na instituição – e o popular – na audiência; o regional – no lugar – e o universal – na origem.

Se associamos os conceitos de coletividade, tradição, permanência, popularidade e regionalismo à relação do edifício com o restante do conjunto do Circuito Cultural da Praça da Liberdade e sua inserção no tecido urbano, podemos, pela metáfora corpoedifício, associar à sua leitura interna os conceitos de individualidade, fugacidade, erudição e universalidade.

Cabe no projeto, portanto, desenvolver a idéia de individualidade, de unidade introspectiva autônoma dentro de um invólucro externo integrado ao seu contexto.

Desta premissa fundamental, optou-se pela manutenção integral da feição externa do edifício da Secretaria de Fazenda, mantendo a harmonia cívica já destilada no imaginário popular. De modo oposto, a sala de concertos interna destaca-se como um lugar único, autônomo, visualizado como tal e destacado dentro da casca social histórica. É na sala de espetáculos que se processa o ritual do concerto, jornada íntima da qual se emerge ao acenderem-se as luzes dando lugar à congregação coletiva da praça pública.

Estratégia de preservação e inserção urbana

Ao longo do tempo, a Praça da Liberdade vem acolhendo em seu conjunto exemplares arquitetônicos de sucessivos momentos históricos. Dos fundamentais edifícios do Palácio da Liberdade e das Secretarias, em estilo eclético, pontuada pelo Déco da casa do bispo, passando pelas abordagens da arquitetura moderna expressada nos edifícios de Oscar Niemeyer, Sylvio de Vasconcellos e Raphael Hardy Filho, ao expressionismo contextual do “Rainha da Sucata”, o modo como a cidade pensa e constrói o seu espaço público vem sendo simbolizado neste locus cívico – também sucessivamente modificado em seu desenho urbano.

A intervenção aqui abordada não deve ser diferente. Entretanto, completada a arcada urbana da praça, resta ao presente a tarefa de restaurar e adaptar, em lugar de complementar. E modificar com o devido entendimento dos valores arquitetônicos e urbanísticos ali presentes, intervindo de modo a torná-los mais patentes, dentro da estratégia de responsabilidade social na preservação, apontada anteriormente.

A leitura urbana dos edifícios das Secretarias vem sendo consolidada no imaginário da população. É clara a relação hierárquica simétrica precedendo a culminação da expressão de poder no Palácio da Liberdade. De modo a preservar esta clareza de civismo didático, optou-se por manter íntegra a leitura externa do edifício da Secretaria da Fazenda, conservando a importância da entrada principal de público externo pela Praça da Liberdade e usando o interior restaurado e preservado do terço frontal do prédio como foyer da sala de espetáculos, esta última adaptada no tramo onde permite-se a intervenção. A adição situa-se no pátio posterior, voltada para a rua da Bahia, com altura igual à das cumieiras existentes do edifício antigo.

Estabelece-se assim uma gradação externa de níveis de intervenção, visível pela Praça Carlos Drummond de Andrade e pela Rua Gonçalves Dias:

  • restauração e preservação plena junto à Praça da Liberdade;
  • adaptação interna e manutenção integral externa nos dois terços posteriores do edifício – a intervenção é visível apenas por cima, na união das antigas cumieiras laterais por um plano horizontal.
  • adição de novo volume no pátio posterior, conciliando visualmente o novo e o antigo entre a Rua da Bahia e a Praça da Liberdade.

Setorização e fluxos

A setorização é a decorrência natural da gradação estabelecida entre novo e antigo.

O salão nobre, com a escada em ferro fundido, delicados detalhes de piso e forro, bem como cuidadoso tratamento cromático das paredes, foi mantido como entrada principal de público. Os amplos cômodos adjacentes a este foyer são destinados à Área de Recepção do público, à Área Administrativa, à Sala de Música de Câmera e à Sala do Coral. Estas duas em relação de simetria no terceiro pavimento, de modo a tornar possível também o uso para apresentações desta última – por similaridade com a primeira.

Complementa esta área um acesso direto de veículos de passeio ao semi-enterrado – na Rua Gonçalves Dias –, permitindo o acesso universal a deficientes e idosos, bem como o desembarque confortável de autoridades em separado ou do público em geral em dias chuvosos. Desta área, o público atravessa, por passarelas, um vazio interno que permite a visualização da Sala de Espetáculos como volume autônomo. Neste vão, a iluminação zenital – natural durante o dia e artificial durante a noite – intensifica o caráter de sacralidade desejado, preparando o espírito do ouvinte para o concerto.

A Sala de Espetáculos propriamente dita fica elevada com o piso do palco na altura do primeiro pavimento atual, liberando o térreo para o espaço do patrocinador. Sob o palco, suspenso sobre o vão destinado ao patrocinador, encontram-se os depósitos de apoio ao espetáculo – com acesso permitido por elevador monta-cargas ligado ao pátio de serviço posterior. O pé-direito de 12 metros necessário ao palco induz à interligação das cumieiras periféricas acima, mantendo-se o telhado original nas faces voltadas para a rua e para a praça. O público acede à Sala por três níveis, relacionados à altura do palco, ao fundo das arquibancadas inferiores e à altura do balcão superior – equivalente ao último pavimento do edifício original. Permite-se assim o uso sob as arquibancadas laterais, com teto inclinado, pela Biblioteca e pelo Café – ligando-os pelas janelas à Praça C. D. de Andrade e à Rua Gonçalves Dias, respectivamente.

No pátio posterior foi implantado o bloco destinado às Salas Especializadas e à Área de Preparação do espetáculo. Dividido em cinco pavimentos elevados sobre pilotis, este pequeno edifício articula a entrada exclusiva de artistas pela Praça C. D. de Andrade, ao mesmo tempo em que cria uma doca de carga e descarga aberta por um portão curvo para a Rua Gonçalves Dias. O volume é austero, fechado com vidro espelhado na face colada à fachada antiga da Secretaria. Desse modo, permite-se aos artistas – usuários do edifício – uma apreciação da fachada histórica em detalhe. Uma suave dobra neste plano abre a reflexão do vidro para a rua, possibilitando uma visualização redobrada do edifício existente e amenizando a compressão do bloco novo entre a antiga Secretaria e a Biblioteca Pública.

O projeto desta última – publicado na imprensa especializada – revela-nos que é possível o bloqueio de iluminação natural pelo bloco novo mantendo-se os níveis de conforto internos dentro do aceitável, já que trata-se ali de salas de acervo e consulta vazadas para a rua e fundos. A fachada voltada para a Rua da Bahia abre-se de modo ritmado e discreto – compatível com a orientação desfavorável – noroeste – em seteiras intercaladas por “caixas” de madeira, expressando a subdivisão interna dos pavimentos e estabelecendo uma unidade de material com o volume interno da Sala de Espetáculos.

O funcionamento dos pavimentos internos do bloco anexo é articulado a partir do segundo pavimento, local do hall dos camarins, ponto de passagem dos artistas para o palco em nível por meio de duas passarelas. No primeiro e terceiro pavimentos situam-se os camarins masculinos e femininos, de modo eqüidistante. Acima, seguem-se as salas especializadas e, por fim, o apoio logístico no último pavimento. Sua circulação vertical é um núcleo compacto, implantado junto à entrada dos artistas, podendo ser usado como saída de emergência secundária para a Sala de Espetáculos – em cumprimento à normatização vigente.

Complementa-se a entrada de carga do pilotis em pé-direito duplo com uma entrada de serviço para funcionários no edifício histórico, feita pela Rua Gonçalves Dias, aí neste semi-enterrado encontram se os Serviços Gerais e a Sala de Climatização – com condensadores a gás – de modo a reduzir-se a dutagem até a Sala de Espetáculos.

Tecnologia construtiva e acústica

Tecnologia construtiva

Na porção mantida e restaurada, as intervenções são direcionadas a:

  • recuperação de feições originais dos afrescos, peças metálicas, pinturas especiais, pisos etc;
  • adaptações não destrutivas para instalações elétricas, sanitárias e de isolamento acústico nos pisos e entreforros – sobretudo do último pavimento;
  • adaptação do elevador existente de modo a possibilitar acesso universal;
  • instalação de painéis de condicionamento ambiental por irradiação em painéis de gesso acartonado com serpentinas de gás ou água gelada embutidos, devidamente complementados por um desumidificador que controle o ponto de orvalho – evitando a condensação.

 

Na porção adaptada, correspondente à Sala de Espetáculos, segue-se:

  • demolição devidamente documentada de todas as paredes internas e das coberturas com escoramento das paredes perimetrais;
  • execução de fundação e quatro colunas metálicas, que sustentarão de modo independente toda a nova estrutura interna;
  • execução e içamento das treliças da cobertura e da grelha de perfis “U” central;
  • execução de treliças e vigas Vierendeel de sustentação do palco – em sua alma estão localizados os depósitos de apoio ao espetáculo; durante o funcionamento da sala, todo o equipamento será elevado por um monta-cargas;
  • atirantamento das estruturas do balcão superior e da arquibancada – em vigas metálicas –, incluindo os montantes curvos de sustentação do fechamento do hall de entrada.
  • transferência da função de contraventamento das paredes perimetrais para a nova estrutura metálica interna;
  • execução de cobertura, pisos, vedos verticais e forros com gesso acartonado, painéis tipo “wall” e madeira, devidamente instalados em “sanduíche” com tratamento termoacústico interno.

A nova cobertura receberá telhas francesas em suas faces perimetrais, vidro sobre o vazio de entrada e chapas em aço patinável em sua porção horizontal, sobre a grelha metálica em perfis “u”.

A escolha de materiais foi feita em função da rapidez de execução e limpeza do canteiro de obras- desejáveis numa obra de recuperação – típicas do sistema industrializado coerente com a estrutura metálica.

O novo edifício, anexado, é elevado sobre pilotis com um pórtico em “L” em concreto, de modo a distanciar as fundações novas da fachada histórica, evitando danos maiores à sua constituição. Os pavimentos superiores, em lajes “cogumelo”, abrem-se em vidro espelhado para a Orquestra e em seteiras para a rua da Bahia. Ripas de madeira complementam o acabamento externo em concreto aparente, de modo a aumentar a inércia térmica desta parte excessivamente insolada.

A caixa d’água está pouco acima do último pavimento – de pouca demanda hídrica – evitando volumes salientes indesejáveis na cobertura. Dentro desta mesma filosofia de alinhamento pela cota de cumieira do edifício antigo adjacente, optou-se pela adoção de elevadores com casa de máquinas reduzida, instalada apenas no vão da própria cabine – fornecidos por diversos fabricantes atualmente. A acústica da sala de espetáculos foi elaborada de modo a propiciar um bom isolamento acústico entre ambiente interno e ambiente externo e de modo a permitir ajustes internos necessários a cada tipo de espetáculo.

Acústica

Isolamento acústico

De modo a se evitar a propagação do som interno para o exterior e principalmente a interferência dos ruídos externos na execução dos concertos, a Sala de Espetáculos foi concebida como um “volume dentro do outro”. Ou seja: permanecem as grossas paredes do edifício original, acrescidos do revestimento termo-acústico que envolve a estrutura da caixa interna. Esta sucessão de interstícios com pouco ou nenhum contato entre si reduz drasticamente a potência da onda sonora, impedindo sua passagem.

Contribui para este isolamento a existência de seqüência de portas duplas e isoladas que constituem o percurso de acesso do público através do vazio de entrada – à guisa de antecâmara acústica – minimizando a possibilidade de ligação direta entre espaço interno e externo.

Tratamento acústico interno

Todo o revestimento parietal interno será feito em ripas de madeira de reflorestamento. Esta configuração permite a adoção de diversos tratamentos com a mesma leitura visual. Ou seja: podem-se elaborar “armadilhas de baixo” em ripas desniveladas ao fundo da platéia; painéis absorventes por meio do “efeito garrafa” decorrente do distanciamento entre ripas etc. A fragmentação da geometria interna decorrente da platéia – de piso revestido em carpete – impede a ocorrência de eco palpitante que o paralelismo em planta parece sugerir.

Dentro da mesma preocupação, o forro sobre o palco é dividido em cinco painéis levadiços que podem ter sua altura regulada mecanicamente. Estes painéis são ainda divididos em placas corrediças horizontais em madeira absorvente. Como o forro acima dos painéis é em aço SAC – acusticamente refletivo, portanto – pode-se “afinar” a sala de acordo com os tempos de reverberação desejados para cada tipo de peça, orquestra, disposição dos músicos no palco, temperatura e lotação da sala.

Aumentou-se a área do depósito de praticáveis de modo a permitir flexibilidade de lay-out de palco compatível com esta flexibilidade acústica, evitando-se desníveis ou degraus de disposição fixa.



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Equipe premiada
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