Introdução
Em uma democracia os recursos arrecadados pelo Estado têm que ser distribuídos igualmente por todos os indivíduos em infraestrutura, superestrutura e serviços urbanos.
O correto é que a Rocinha receba, per capita, o mesmo que Ipanema. Ao observamos estes dois bairros, vemos que a cidade tem, com a Rocinha e muitos outros de seus trechos, uma dívida urbanística. Este é um dos pressupostos deste trabalho.
Este trabalho não é um “projeto Favela-Bairro Rocinha”. Se fosse este o objetivo, o Governo do Estado contrataria um dos inúmeros escritórios com vasta e excelente experiência neste tipo de projeto, cujo know-how é, digamos, de domínio público, ou faria uma licitação não de idéias, mas já de anteprojetos para escolher a melhor proposta.
O que realmente importa em uma favela de tal porte e complexidade é saber exatamente como abordar os problemas e em que medida esta abordagem diferencia-se de um projeto Favela-Bairro tradicional.
Além disso, trata-se de um concurso apenas de idéias, não sendo necessários maiores desenvolvimentos. Acreditamos até que maiores desenvolvimentos não são desejáveis nesta fase, pois dificultam o entendimento cristalino de idéias que devem ser simples, claras e objetivas.
É baseado nestes pressupostos que elaboramos o que se segue.
Os problemas da Rocinha não se resolvem apenas na Rocinha. O erro oposto é achar que a Rocinha só se resolverá quando toda a cidade estiver resolvida, tanto física quanto socialmente.
É consenso no Rio de Janeiro que as favelas não devem se expandir. Além da solução urbanística, esta proposta tem mais cinco componentes; as duas componentes externas resolvem onde se pode construir boas e bem localizadas habitações fora da Rocinha, compatíveis com o nível de renda de seus habitantes, evitando que a comunidade volte a crescer após as intervenções aqui propostas.
As três componentes internas tratam dos delicados problemas de relocação de moradias em áreas de risco, de interesse ecológico e para abrir espaços para circulação e infra-estrutura; da violência; e de como poderá ser resolvida; e dos jovens, sua educação e seu futuro.
1. Se aqui não pode, então onde pode?
A Rocinha tem se expandido, nos últimos anos, tanto para os lados como para cima, se adensando cada vez mais. É necessário parar esta expansão. Entretanto, nenhuma política urbana do tipo “aqui não pode” não terá sucesso sem que haja simultaneamente uma outra política do tipo “ali pode”.
Um dos principais fatores da favelização carioca é que não existem lotes legais disponíveis para as faixas de renda menores construírem suas moradias. A principal razão desta escassez é a Lei Federal 6766 de 19 de dezembro de 1979 que obriga os loteadores a dotarem os loteamentos de infraestrutura, ao contrário do que no passado, quando as prefeituras eram as responsáveis por isso.
No Rio de Janeiro foi criado um Fórum de Loteamentos Irregulares, envolvendo a Prefeitura, a Procuradoria do Estado, os proprietários dos lotes irregulares e outros, que fizeram com que esta lei fosse cumprida.
O resultado desta política, aparentemente exitosa, foi o abandono da atividade por parte dos loteadores que trabalhavam com a baixa renda. Permaneceram no mercado só os que produziam loteamentos para quem pudesse assumir o repasse dos custos da infraestrutura, isto é, os menos pobres. Assim aumentou-se muito a demanda por favelas.
Para se diminuir esta demanda é necessário que as prefeituras assumam a infraestrutura dos loteamentos de baixa renda, o que é possível mesmo dentro da referida lei. Basta que se declare de interesse social todos os bairros periféricos da cidade do Rio de Janeiro e de todas as outras cidades da Região Metropolitana, com exceção de Niterói. É importante saber que é muito mais rápido e mais barato infraestruturar lotes em áreas topograficamente melhores, ocupadas por seus donos legítimos que pagam impostos, do que em favelas densas situadas em topografias acidentadas, repletas de posseiros.
Assim, não se poderá construir novas moradias na Rocinha (política do “aqui não pode”), mas se poderá construir em loteamentos populares (política do “aqui pode”). Outro fator importante, devido ao tráfego cada vez mais congestionado, é a procura de locais de moradia próximos aos do trabalho.
2. Onde pode é longe?
As terras urbanas mais baratas se situam na periferia da metrópole. São terras longe em tempo de percurso do centro, devido aos congestionamentos de tráfego na horas de rush. Podemos provar que são próximas comparando o tamanho da Região Metropolitana do Rio de Janeiro com o tamanho de outras RM’s, como Buenos Aires, Paris e Londres. Todas estas Regiões Metropolitanas têm população semelhante a do Rio de Janeiro, mas ligeiramente menor.
Seus mapas ao lado estão na mesma escala e pela sua observação vemos que o Rio de Janeiro tem uma Região Metropolitana pequena e não “imensa”, como normalmente se crê, muito menor do que as outras.
Mas o que é o centro no Rio de Janeiro hoje? A Região Metropolitana cresceu e o seu centro acompanhou este crescimento na mesma proporção, entretanto o antigo centro histórico continua a ser erradamente considerado como o seu Centro.
Em termos de transportes, o Centro de uma cidade é aonde, pela manhã, chegam mais pessoas do que saem, e à tarde, saem mais do que entram. Segundo este conceito, o Centro do Rio de Janeiro começa no Leblon, passa pelo centro histórico e vai até a Tijuca. É mais ou menos do tamanho da Cité de Paris e Manhattam, o centro de Nova Iorque. Basta observar o sentido do tráfego de acesso aos bairros deste Centro de manhã e de tarde. Como os que usam o ônibus são menos visíveis do que os que usam os automóveis, o número dos que entram de manhã e saem à tarde é ainda maior do que o aparente.
Assim sendo eliminando-se os congestionamentos na hora do rush e com o conseqüente aumento da velocidade do sistema de transporte, as distâncias, serão reduzidas no que se refere ao tempo de percurso.
Melhorias na velocidade e freqüência na rede ferroviária, como também nos acessos às suas estações com escadas rolantes, já estão programadas. Quando prontas, teremos como que uma gigantesca rede de metrô resultante da soma do atual sistema com a rede ferroviária então “metrotizada”.
Entretanto, há ainda equívocos no trato do tráfego de veículos periferia/centro/periferia. Nas metrópoles, e o Rio não é uma exceção, 20% dessas viagens são feitas em carros, enquanto que 80% são feitas por ônibus. Mas os ônibus transportam 80% da população enquanto que os carros transportam 20% nestas viagens diárias casa-trabalho-casa. Portanto o fundamental, para que o sistema como um todo seja mais eficiente é diminuirmos o número de carros nas ruas. Quem “atrapalha” o tráfego não é o ônibus, como costumam pensar os condutores dos carros, mas eles mesmos.
Como então retirar os carros das ruas nessas viagens casa-trabalho-casa? Podemos dizer que existem duas maneiras, uma explícita, visível, e outra implícita, invisível.
A maneira explícita é atuar objetivamente no impedimento do acesso dos carros ao centro, como é feito hoje em Londres, a partir da experiência primeira em Jacarta. A outra, invisível, é empregada em Paris, Nova York e outras cidades do Ocidente. Os carros não vão para o centro de Paris ou para Manhattam simplesmente porque ali não há estacionamentos. Ou melhor, há, mas caríssimos, para emergências (a propósito, o programa de construção de garagens subterrâneas em Paris foi há muito tempo suspenso exatamente porque levava mais carros para o centro).
Propomos para o Rio a solução invisível: podemos graduar o número de carros que vão para o centro alterando o número de estacionamentos ali oferecidos, reduzindo assim o tráfego de automóveis o quanto quisermos.
Quando se discute estas questões de tráfego sempre se afirma que as soluções são boas, mas “primeiro é necessário melhorar o transporte coletivo”. Ora, a maior melhoria para o transporte coletivo é exatamente o fim dos congestionamentos do tráfego e a diminuição dos tempos de percurso. Pessoas, em geral de renda mais alta, trocarão o carro pelo ônibus, e reclamarão muito do sistema. Estas críticas e pressões melhorarão os serviços ainda mais.
À noite e nos finais de semana, estas restrições devem ser abolidas. Poderá até haver mais estacionamentos no grande centro do que hoje, para passeios e acesso a atividades de lazer. Os cariocas usarão os carros, não para ir e vir do trabalho, mas para todas as outras coisas.
O resultado desta componente, no que se refere à Rocinha (e a todas as outras favelas centrais) é que após a opção de se morar em áreas formais da periferia, perto do local de trabalho em tempos e custos, ela não será a única opção e portanto será menos pressionada a se expandir.
3. Diminuir a Rocinha?
Nada é mais “manipulado” na cidade do que o número de moradores da Rocinha: líderes comunitários, para aumentar o seu poder; concessionárias de serviços públicos, para aumentar subsídios que recebem do estado; governantes, para mostrar que os problemas da Rocinha são muito difíceis de se resolver, etc. Há muito interesse que a Rocinha tenha uma população gigantesca.
Podemos calcular, em ordem de grandeza, a população da Rocinha de acordo com os conhecimentos urbanísticos. O livro clássico de Horácio Caminos, John Turner e John Steffian, denominado “Urban Dwelling Enviroments” baseado em pesquisas realizadas no MIT e em campo, quantifica detalhadamente diversas tipologias de favela, inclusive o número de habitantes por hectare e o número de habitações por hectare. A tipologia arquitetônica e urbanística da Rocinha é a mesma de El Agostino, em Lima - Peru que foi cientificamente quantificada.
Na área mais plana o número de habitantes e de habitações por hectare é de 525,45 e 70,06 respectivamente. Na área mais inclinada, os números são 374,26 e 68,05 respectivamente.
A Rocinha tem aproximadamente 81 hectares de área ocupada (e não há discussão sobre este número), são 12,5 hectares mais planos e 68,5 hectares menos planos, fazendo-se as contas, a Rocinha teria 32.204,93 habitantes e 5.333,03 habitações.
Avaliando esses números, mesmo sendo a densidade da Rocinha maior que a de El Agostino, é claro que o Censo do IBGE apresenta dados mais confiáveis do que outras fontes: 17.000 habitações, 56.338 habitantes e densidade de 695,53 habitantes por hectare e de 209,88 moradias por hectare.
Ainda assim a população da Rocinha é maior do que a de muitos bairros formais da cidade, como Ipanema e Leblon, sendo próxima à soma da população da Gávea, Jardim Botânico e Lagoa.
É pertinente observar que caso a Rocinha tivesse 120.000 habitantes, teria 1.481 habitantes por hectare, número que qualquer estudante de urbanismo sabe que é impossível e absurdo.
A Rocinha deve ter sua área ocupada levemente diminuída: ocupa áreas de risco muito inclinadas e avança em áreas de interesse ecológico; necessita de espaços para vias e sistemas de drenagem, o que só se consegue relocando habitações. Poderíamos relocar esta população na própria Rocinha, ocupando áreas novas ou demolidas; áreas menos densas e aí construir mais denso. Pelo tamanho da Rocinha isto seria uma tarefa gigantesca com resultados discutíveis. Temos outra proposta socialmente e urbanisticamente melhor. Reduzir a mancha urbana da comunidade da Rocinha com o consentimento de seus moradores. Em outras palavras, cada família que sair o fará por decisão própria e soberana, partindo para uma situação melhor, a seu juízo.
Como se faz isto?
Propomos a distribuição de Cartas de Crédito às famílias que serão relocadas, que com elas comprarão casas ou apartamentos na parte da Rocinha que permanecerá ou na cidade formal, melhorada pelo tráfego fluente conseguido devido às propostas anteriores. Permanecerão na Rocinha 12.802 habitações.
Uma cidade e todos os seus trechos sempre têm cerca de 5% de seus imóveis à venda e, portanto, não haverá problemas de oferta para relativamente tão pouca demanda. Assim, cerca de 640 (5%) são no momento oferecidas para venda ou aluguel na parte não relocada da Rocinha.
Um precedente foi a bem sucedida distribuição de 12.000 cartas de crédito pela administração de Luis Paulo Conde aos funcionários da Prefeitura do Rio, pela Secretaria Municipal de Habitação na gestão de Sérgio Magalhães.
Neste precedente os fundos já eram de propriedade da comunidade de funcionários e cada um recebia um valor diferente de acordo com suas contribuições pretéritas.
Cartas de crédito de valores superiores a R$ 18.000 reais tinham que ser usados em imóveis da cidade formal, com escritura, registro, etc. Não houve nenhuma dificuldade de se adquirir casas de R$ 18.000 no mercado formal. Devido à inflação de lá pra cá, e os preços dos imóveis na Rocinha, os valores atuais da carta de crédito serão de R$ 30.000 reais em média e só poderão ser adquiridos apartamentos ou casas na cidade formal ou na própria comunidade. Assim não se dirá que o governo está gastando dinheiro para transferir pessoas de uma favela para outra.
Muitos moradores aderirão à idéia, pois a escolha é esperar as melhorias aqui propostas por um ou dois anos ou resolver a vida imediatamente, alhures. Muitos também preferirão as cartas de crédito por não acreditarem que as outras propostas aqui contidas sejam realizadas. Portanto, usamos esta descrença à favor do projeto.
Mas será mesmo que uma quantidade razoável de moradores quer ser relocada para outro lugar? Atualmente é difícil morar na Rocinha: o poder paralelo manda tiranicamente, decide quem entra e que sai da comunidade, usa os jovens e as jovens. A polícia não respeita a inviolabilidade das moradias, atira à esmo, trata mal os cidadãos. Freqüentemente há graves conflitos, tanto internos quanto com morros vizinhos e com a polícia. Haverá um número muito maior de candidatos à Carta de Crédito do que as oferecidas. Aberta a lista de adesão a elas, o número de adeptos e a velocidade das inclinações serão dados importantes para um melhor conhecimento das relações entre a comunidade de cidadãos e o sítio que ocupam.
O custo total destas cartas de crédito é de R$ 106.410.000. Este custo é baixo se compararmos este número com os que os governos já investiram em bairros como Ipanema, Leblon, Lagoa, de população menor.
4. Violência
Freqüentemente lemos nos jornais: "Rocinha invadida hoje", e não nos damos conta do absurdo destes acontecimentos.O que significa isto? Que a Rocinha não tem um dos serviços públicos mais antigos e básicos do mundo: policiamento constante.
Os bairros formais estão sempre “invadidos pela polícia”, que bem ou mal cuidam da segurança de seus cidadãos. Para que haja justiça quanto à proteção policial, a Rocinha tem que ter, diariamente, mais policiais que Ipanema ou Leblon, já que tem população maior.
Se na Rocinha não se cumprem as leis e a constituição brasileira, é uma tarefa da polícia garanti-las estando também presente na comunidade.
A polícia tem também que respeitar as leis brasileiras, como por exemplo não invadindo domicílios sem mandato e considerando que cada cidadão é inocente até que se prove o contrário, cabendo o ônus da prova à polícia.
Cidadão da Rocinha e ipanemeses têm que ser tratados de forma igual, com o mesmo respeito.
Assim um policiamento correto e diário é o primeiro passo para a diminuição da violência.
Teme-se que o contato constante entre policiais e marginais acabe por corromper o primeiros, já que mesmo hoje, sem este contato diário, há corrupção.
Este é um problema milenar já discutido por Nicolau Maquiavel. Ou se opta por um policiamento de forasteiros ou por um rápido rodízio de policiais. Os “imortais” que policiavam as capitais do Império Persa vinham da Báctria; na Roma Imperial, a cidade era policiada pela Guarda Pretoriana, que era alemã; no Império Romano do Oriente, Constantinopla era policiada por soldados noruegueses; no Renascimento, os Estados Pontifícios eram policiados por mercenários suíços, o que acontece simbolicamente até hoje: a Guarda Suíça é a segurança do Papa. No tempo de Getúlio Vargas, a polícia do Rio de Janeiro vinha de Santa Catarina: Eram os “catarinas” da Polícia Especial.
Hoje, o rodízio constante é mais viável e resolve quase completamente este problema de excesso de proximidade.
5. A interação social com a cidade formal, a educação, os jovens e o futuro
Muitos de nós urbanistas propomos áreas verdes e áreas de esporte entre a cidade formal e informal na certeza de que nestes amplos espaços se estabeleça uma interação social entre o asfalto e a favela.
Os planejadores sociais, através de estudos de casos reais, sabem que não é assim. Este tipo de espaço se torna de fato um campo de disputa e de violência entre os dois grupos e finalmente um deles o domina, mantendo-se assim a segregação.
A interação social entre indivíduos de diferentes níveis de renda e de diferentes origens culturais e raciais se dá com sucesso apenas em um espaço simbolicamente magnificente sob a égide de um poder organizador maior.
Na Idade Média a catedral gótica, mais magnificente e mais bela do que o castelo do barão, colocava juntos ricos e pobres, nobres e plebeus, pessoas da cidade (os cidadãos) e pessoas das vilas (os vilões). As cidades de então eram como as nossas favelas e os castelos medievais eram muito menores e menos luxuosos do que suas versões hollywoodianas.
Hoje a Religião deu lugar à Cultura Científica na explicação do mundo e a Escola substituiu a Igreja neste papel. Por isso, hoje o lugar de interação por excelência é a Escola.
Cada um de nós, se nos lembrarmos de nossos amigos de outros níveis de renda, percebemos que os conhecemos todos na escola.
Mas, para que a escola seja realmente um espaço de interação social, ela tem que ser magnífica, excelente, melhor que todas as outras, inclusive melhor do que a melhor das escolas particulares, para que os mais ricos também as freqüentes e se dê a interação entre os jovens favelados e jovens da cidade formal, que os rodeiam.
Isto já aconteceu no Brasil: O Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, o Colégio do Estado em São Paulo e o Colégio Júlio de Castilho em Porto Alegre cumpriam esta função integradora. Infelizmente hoje não tão excelentes.
Os poucos pobres que conseguem entrar nos Colégios de Aplicação e nas Universidades Públicas são beneficiados com esta relação.
Propomos que na Rocinha se funde o melhor Colégio da cidade, tão bom que atraia alunos das classes média e rica.
É necessário que neste Colégio, os alunos da Rocinha tenham reforço educacional suplementar. É bem conhecida a importância da ajuda de pais cultos aos seus filhos na escola, do que, em geral, carece o menino pobre.
Não se trata apenas de se ter explicadoras para ajudar nas tarefas de casa, mas de um apoio mais amplo. Cada jovem pobre deve ter um tutor culto. Um programa que envolvesse pessoas cultas da terceira idade que morasse nas circunvizinhanças é um dos modos de se resolver este apoio essencial ao jovem pobre. Este Colégio inclui o Segundo grau, tem ensino em tempo integral, seus alunos ganham prêmios e bolsas por mérito.
Um precedente bem sucedido de colégio ao nível de excelência em cumprir seu papel de integrador social é a Escola Martin Luther King, na cidade de Cambridge, em Massachusetts, nos Estados Unidos. Situa-se ao lado de uma vizinhança de afros-descendentes da Universidade de Harvard e atrai tanto os meninos pobres como os filhos dos professores e administradores da Universidade, como também dos estudantes da pós-graduação. Ex-alunos que depois cursaram ótimas Universidades afirmam que o melhor ensino que experimentaram foi em Martin Luther King. Hoje, devido a essa escola, a comunidade de afros-descendentes não é mais pobre.
Além disso, boas escolas nas redondezas, como a Escola Americana, deveriam receber uma cota de alunos da Rocinha, como é comum nos Estados Unidos. Com escolaridade excelente, a longo prazo os habitantes da Rocinha serão cultos, quebrando o ciclo ignorância - pobreza - ignorância de que muitas de suas famílias são até hoje prisioneiras.
6. Análises, propostas urbanísticas, estratégias, quantificações
Localização do Colégio
O Colégio se estabelece inicialmente onde está o CIEP Dr. Bento Rubião, na Estrada da Gávea, Vila Verde. Ele terá sua edificação aumentada e usará a área das moradias relocadas desta localidade para áreas de esporte e lazer. Em seguida o campus do Colégio se estenderá para o CIEP Ayrton Senna, situado na Estrada Lagoa-Barra, ocupando assim, os dois CIEPs existentes na Rocinha. Em um poderá haver o Primeiro Grau e no outro o Segundo Grau, por exemplo, e sua localização fora da favela, demonstra simbolicamente sua missão de integração com os arredores formais. Finalmente a excelência do ensino migra para todas as entidades de ensino internas da comunidade.
Núcleo Excêntrico
O centro da Rocinha se dá na sua entrada principal em São Conrado. Esta localização está correta, pois é por ali que quase todos passam diariamente. Assim nos equivocaríamos se relocássemos o centro de atividades no centro de gravidade da comunidade. Christopher Alexander recomenda este tipo de “centralidade excêntrica” em seu Pattern n° 28 para bairro e unidades de vizinhanças urbanas. Os sub-centros da Rocinha, embora de maneira menos clara, são igualmente excêntricos.
Áreas para Esportes
Concordamos com a localização de áreas de esportes na Estrada de Gávea nº 437, hoje uma garagem de ônibus já comprada para este fim.
A Rocinha e a Paisagem Carioca
Em primeiro lugar, imaginemos duas cidades no cenário natural do Rio de Janeiro.Uma idêntica à cidade formal e legal, a civitas, com todos os seus edifícios e “espigões”, mas sem favelas. Outra, composta só de suas favelas, com toda a área agora ocupada pela civitas deixada em seu estado primitivo: Florestas, areias, lagoas, animais selvagens e pântanos.
Qual destas duas cidades tem realmente impacto negativo na nossa magnífica paisagem?
Em segundo lugar, se considerarmos todas as construções feitas em encostas do Rio de Janeiro, sejam as projetadas por bons arquitetos e sem fins especulativos (como os conjuntos do Pedregulho e da Gávea, de Affonso Eduardo Reidy), sejam as especulativas de alta densidade (como o Morada do Sol), sejam as de baixa densidade construídas por pessoas ricas (como na Joatinga). A tipologia da Favela é a que melhor se insere nas encostas e montanhas da cidade. Só esta tipologia não distorce o perfil e o volume das montanhas, nem quebra a vista aos maciços que estruturam de forma tão significativa e harmoniosa trechos importantes da cidade. Podemos, por exemplo, imaginar as nossas montanhas sistematicamente muradas por edifícios contínuos e ondulantes ao longo das curvas de nível do tipo dos conjuntos do Pedregulho e da Gávea?
Poder-se-ia argumentar que o recomendável seria não se construir nas encostas, que deveriam ser todas mantidas em seu estado natural. Seria razoável que em uma cidade com montanhas nenhuma pessoa vivenciasse o alto? Existe alguma cidade onde, havendo elevações, toda a sua população se estabeleça nos baixos?
E, ainda, seria realmente melhor a paisagem da cidade sem nenhuma construção em suas encostas? Ou, ao contrário, construções em alguns de seus trechos, não contribuiriam para a sua grandeza e magnificência?
Desta interação do feito-pela-natureza com o feito-pelo-homem resultaram paisagens das mais expressivas que conhecemos: Os “pueblos” do Arizona, algumas vilas turcas, as cidades em encosta à beira do Mediterrâneo. Petra, Machu-Pichu, Bonifácio e San Gimignano são construções que melhoraram e deram denso significado humanos aos belos sítios naturais onde se instalaram.
Entretanto não são todas as favelas que contribuem ou pelo menos não atrapalham a paisagem carioca. Favelas muito ligadas fisicamente à cidade formal e mais ainda favelas que interrompem a cumeada florestada empacham a paisagem. Assim sendo, podemos fazer a gradação ao lado.
A Rocinha está na quarta gradação, já que empacha com a cidade formal, devido principalmente à Vila Verde, e empacha com o céu, devido ao Laboriaux, Setor 199 e Vila Cruzado. Além disso, muitas construções altas e o “espigão” que surgiu na Rocinha recentemente rompem definitivamente com o acordo não escrito de não se construir alto neste belo sítio.
Aspectos Ecológicos
É consenso entre os ecologistas que, na relação entre espaços naturais e artificiais, o “mar” deve ser o espaço natural e as “ilhas” os espaços artificiais e não o contrário. Sendo a natureza o “mar”, a fauna, tanto vertebrada quanto invertebrada, circula e define livremente seus territórios e se reproduz, o mesmo se dando com a flora, suas sementes e suas fertilizações.
A Rocinha, ao ocupar a cumeada que a dividia do Bairro da Gávea contraria esta regra, deixando o Maciço do Dois Irmãos como uma “ilha” separada da Floresta da Tijuca.
Propomos uma recomposição desta ligação entre o espaço natural do Maciço dos Dois Irmãos e a Floresta da Tijuca através do Laboriaux, Setor 199 e Vila Cruzado.
Aspectos Geológicos
Em março de 1992 a Geotécnica elaborou um documento com uma aprofundada análise qualitativa do problema de estabilidade de encostas do Rio de Janeiro denominado “Definição e hierarquização do risco de ocorrência de acidentes por deslizamentos na favela da Rocinha”, onde Vila Verde aparecia como um dos trechos mais perigosos.
Está em curso, mas não concluído, uma análise quantitativa dos trechos do município onde se acumulam os maiores problemas de estabilidade. O trabalho em andamento foi apresentado em audiência pública no dia 30 de dezembro p.p. e colocava a Vila Verde como a encosta mais perigosa do município do Rio de Janeiro.
A Encosta Sul é uma encosta historicamente cheia de acidentes, pois tem grandes pedras soltas (tálamos). Foram feitos há vinte e cinco anos atrás, uma série de Muralhas de Impacto, há cerca de quarenta metros a jusante do paredão rochoso construídas com gabiões. Há cerca de vinte anos foi construída uma calha no paredão rochoso para evitar que as águas pluviais a montante não desestabilizassem tanto a encosta.
Esta medida melhorou o problema, mas não o resolveu de todo, tanto que depois outras muralhas de impacto foram construídas abaixo do paredão rochoso e grandes obras foram realizadas no topo do morro para conter as grandes lascas.
Assim, esta encosta ainda corre riscos de queda das lascas médias e pequenas do topo do morro mesmo com todas estas obras. O citado documento também a define com risco 3 (o mais perigoso). Propomos muralhas de impacto, ao longo de toda a encosta, seja em gabiões quando a rocha é profunda, quanto em muro de arrimo de concreto, chumbado na rocha quando esta é rasa e sã.
Nesse estudo, o Setor 199 e a Vila Cruzado também são consideradas de risco 3.
Sistema Viário e Infra-estruturas Existentes
A estrada da Gávea é a via principal da Favela em termos de tráfego motorizado, por onde passam ônibus que vão para diversas, partes da cidade, vans, carros, etc.
Excluída a Estrada da Gávea a rede viária é fragmentada, pequena, demasiado estreita, deficiente.
Em uma encosta, a única linha plana é a curva de nível. Não é por acaso que as ruas relativamente mais amplas, Dois e Dionésia, se situam, grosso-modo, ao longo destas curvas.
Há outros caminhos que também se situam em curvas de nível. São mais numerosos do que os perpendiculares a elas, em geral com escadas. Existem caminhos em outras direções, mas a regra não escrita predominante é: muitos caminhos em curva de nível e poucos perpendiculares a elas.
Sistema Viário e Infraestruturas Propostas
Na Rocinha, as inclinações menores estão nos talvegues. Além disso, são eles os locais naturais e melhores para a decida de águas pluviais e esgoto.
A Rocinha é carente de vias de acesso e de infra-estrutura, e, portanto, propomos que novas vias, descidas de águas pluviais, esgoto e lixo, subidas de água e de eletricidade se dêem pelos talvegues.
Nessas vias correrão pequenos bondes automotrizes, como o que vai para o bairro Alto em Lisboa. O bonde, quando alcança maiores inclinações (próximas às nascentes dos talvegues), se alteia em um de seus eixos, como no bairro Alto.
No início e final das linhas uma plataforma plana gira o bonde para que ele faça o percurso inverso, no sentido oposto. Vários deles poderão percorrer os talvegues ao mesmo tempo desde que estejam bem sincronizados. A inclinação dos talvegues é crescente em direção ás suas nascentes, o que leva o bonde a chegar no final do percurso ao longo do mais íngreme a uma inclinação de até 30%. O bonde tem espaço para cargas e mudanças. Até a inclinação de 20% sobe ao lado dele uma via para caminhão de lixo, ambulância, caminhão de bombeiro, carro de polícia e outros.
Não se trata de aqui se usar planos inclinados, pois as inclinações não o justificam. Além disso, sendo os talvegues em curva, os planos inclinados não poderiam ser puxados por cabos, além de não satisfazerem as demandas por conta dos seus pequenos tamanhos.
Esta proposta de melhorar a acessibilidade na Rocinha pelos talvegues, sendo perpendiculares à curvas de nível, cortam todo o sistema de caminhos existentes em nível e formam com ele um conjunto integrado. Mutatis-mutandis cada uma das infraestruturas (águas pluviais, esgoto, água, eletricidade) segue o mesmo padrão, isto é, as linhas da infraestrutura nova, situada nos talvegues, também corta o sistema existente e fazem com ele um conjunto integrado.
Localização das Áreas de Relocação/ Reflorestamento
De acordo as análises e propostas anteriores, por aspectos paisagísticos e ecológicos, relocamos o Laboriaux.
Por aspectos geológicos, ecológicos e paisagísticos, relocamos a Vila Cruzado e o Setor 199, com exceção de duas belas e sólidas seqüências de edificações de cerca de cinco andares com comércio no térreo na Estrada da Gávea.
Por aspectos geológicos e paisagísticos removemos a Vila Verde e por aspectos geológicos, relocamos moradores junto à Encosta Sul.
Com exceção das áreas liberadas para as vias de talvegues e para esporte e lazer no Colégio, todas as outras áreas que tiveram relocações de moradias serão reflorestadas.
Todas estas áreas de relocação perfazem cerca de 20 hectares. Considerando a densidade média de 209,88 habitações por hectare, teremos que relocar 3.547 habitações. A R$ 30.000,00 cada carta de crédito, o custo total de relocações é de R$ 106.410.000,00 que com as outras intervenções propostas chega à bem menos do que se investiria em um bairro formal ao longo de sua história.
Comparação
Os projetos Favela-Bairro já construídos gastaram cerca de U$ 1.000,00 por habitante. Assim sendo, se implantado na Rocinha, custaria U$ 56.338.000,00 (Cerca de 56 milhões de dólares) isto é, cerca de R$ 128.000.000,00 (cento e vinte e oito milhões de reais). Se considerarmos que, além dos custos das Cartas de Crédito, haverá obras e reflorestamento, a soma proposta é mais cara. Mas também sabemos que os custos da cidade per capita são maiores em cidades maiores exponencialmente.
Legislação Urbanística e Definição dos Limites
Não se poderá construir nenhuma edificação nova e as existentes devem ter seus processos de crescimento paralisados. A exceção será a construção de coberturas metálicas cobrindo o terraço do último andar, o que resolve problemas de infiltração das águas da chuva e criam belos espaços abertos, do que a Rocinha é carente.
Deve ser incentivada a coleta das águas pluviais para uso em descargas e lavagem de pisos, não só porque é uma água gratuita, mas principalmente porque uma miríade de coletores de águas da chuva reduz a vazão de águas pluviais pelo sistema de drenagem no pico da tempestade. Deve haver também incentivos para que as edificações de terraço com cobertura metálica sejam rebocadas e pintadas, para melhor proteção contra infiltrações.
Para que tudo isto seja cumprido é necessário que a Prefeitura tenha na área um grande escritório de fiscalização e controle, com arquitetos e engenheiros e um enorme cadastro fotográfico de todos imóveis da comunidade, e não apenas um mero “pouso”.
Toda a Rocinha tem que ser protegida por muralhas de impacto. São estas muralhas que definirão o limite do bairro depois das intervenções aqui propostas.
Conclusão
Acreditamos, e acreditamos firmemente que o aqui proposto, se implantado, resolverá a Rocinha, transformando-a em um bom lugar para se viver e criar filhos e netos.
Todo o Rio de Janeiro será a partir de então lembrado como um lugar que enfrenta e resolve os seus problemas mais difíceis, envolvendo tantos fatores e variáveis, com coragem, recursos e simplicidade.