Do Conceito
O conceito que se desenvolve nesse projeto é aquele que opera tanto a ausência do elevado quanto a sua presença sob outra perspectiva. A idéia, desenvolvida a partir da constatação de que parte da população sequer vincula o viaduto às suas queixas sobre o lugar, é tornar visível algo que não comparece no quadro de referências sobre a área da cidade.
O Minhocão invisível torna-se objeto de uma intervenção que amplia, estende suas qualidades e dessa tensão, materializa-se.
O desconforto das imagens geradas, claramente vinculadas ao processo de estranhamento atinente às artes contemporâneas, aponta para uma solução não imediata, mas para o que se julga primeira e fundante etapa de qualquer projeto dessa natureza: uma percepção mais clara e refletida sobre uma localidade, uma leitura que descarta apenas os problemas percebidos de suas partes, conseqüências de uma intervenção desastrosa. Procura-se assim trazer visibilidade à complexa realidade dessa área da cidade. Evita-se a destruição por completo porque essa decisão guardaria uma lógica tão violenta quanto seu processo de decisão e edificação. É necessário construir social e coletivamente sua destruição, na contramão dos desmandos tão comuns em relação aos processos decisórios sobre o urbano e que tem no Elevado Costa e Silva um paradigma revelador.
História – Plano e Ideologia
O Elevado Costa e Silva surge como parte de um plano maior e dentro de uma perspectiva de estruturação da cidade a partir de vias expressas que pudessem cruzar sua extensão sem passar por um centro apinhado já naquela época, finais da década de 60.
O que cumpre explicitar, e que opera fortemente na geração da solução que se apresenta, é a qualidade desse planejamento em questão, que justifica uma intervenção como Elevado Costa e Silva.
Dentro de uma lógica que associa planejamento a desenvolvimento e que expressa uma chave ideológica que mantém ao largo outros interesses e intenções que não os dominantes. O poder que decide pela construção de uma obra como o Minhocão se funda em regras técnicas e dele não se espera que seja justo, mas eficaz. O discurso da competência emudece outras falas e esvazia conflitos.
Recontar essa história é atualizar um mote que acompanha o Elevado Costa e Silva: o plano foi um grande avalista do desenvolvimento que se apoiou nos viadutos e a natureza desse planejamento esta dentro de uma ordem de razões que afasta o cidadão como aquele que não possui o saber.
De sorte que parte do que se apresenta como solução para a chamada cicatriz dialoga com a arte urbana em sua dimensão crítica - ela pretende auxiliar no desvendar dessa simbologia urbana.
O que surge então não é uma solução, mas um percurso que uma vez inaugurado apresentara diferentes respostas que deverão, a seu tempo, ser avaliadas e a decisão do que fazer e como fazer nasce desse processo.
A produção de inteligibilidade de um lugar é questão eminentemente qualitativa e não quantitativa. Por isso não se trata de um problema de engenharia de tráfego, mas de como cidadãos, moradores e usuários de um lugar gostariam de vivê-lo. Se a resposta for a demolição do elevado, certamente alternativas de deslocamento serão investigadas e encontradas.
Objeto de Intervenção
Quando se propõe a demolição do trecho entre o Largo Péricles e a Praça Marechal Deodoro, o acesso único ao sistema, no sentido Oeste-Leste, passa a ser na altura da Avenida Angélica, próximo à Rua Albuquerque Lins. Em sentido contrario, vindo da zona leste, o ponto de descida já existente e que desemboca na Rua Ana Cintra passa a ser também a única possibilidade de evasão, entretanto a direção do centro ou bairro pode ser imediato decidida pela alternativa dos baixios do Elevado, ora via de pouquíssimo uso.
Essa mesma mão (sentido Leste–Oeste) permanece sem ser demolida uma vez que o outro lado do tabuleiro ainda será utilizado (entre Praça Marechal Deodoro e Largo Santa Cecília) como leito carroçável.
Desenvolve-se então, nessa área que agora se apresenta, a idéia de uma nova urbanidade, dentro da perspectiva da localização, uso e historia. Algo que nasce da ironia de um Parque Elevado de concreto, que aparece nos domingos e feriados, comemorado como conquista por parte da população, utilizado como alternativa à ausência de áreas livres públicas.
Esse tipo de urbanidade, assim chamado porque já por si a localização é estranhamento, opera como contraponto à parte do projeto que trabalha chaves que explicitam a violência da inserção de um objeto como o Elevado Costa e Silva no tecido urbano. Ele é puro lirismo, algo para ser vivenciado na escala do pedestre. Muito embora da perspectiva do carro parte de sua experiência seja também apreensível. Esse local deverá receber essas peças que como numa composição, anunciam diferentes movimentos, elas são peças que podem ser tocadas, esculturas visíveis à distancia, que referenciam o que esta ao redor, que atribuem significado ao que não é mais resto, mas uma conquista que se inicia.
Concepção Estrutural
A concepção estrutural dos pórticos e balanços metálicos, que se projetam transversalmente ao longo da extensão preservada do Elevado Costa e Silva, e que se desdobram em planos inclinados atirantados sob o teto do viaduto, busca sua estabilidade através de princípios de Superfície-Ativa.
Valendo-se de tais princípios é possível conferir rigidez estrutural por intermédio de dobraduras conferidas nas chapas metálicas. Tais inclinações imprimidas nos planos em questão tratam de reorientar forças atuantes - horizontais e verticais – distribuindo-as em pequenos esforços unitários, sobre a superfície. O enrijecimento de bordas e perfis, nos planos das superfícies, condicionam seu mecanismo portante, viabilizando a espaciabilidade estrutural.
“Os sistemas estruturais de superfície-ativa são, simultaneamente, o invólucro do espaço interno e a casca externa da construção, e, conseqüentemente, determinam forma e espaço desta. Assim, são as substâncias reais da construção e critério de sua qualidade: como as mesmas qualidades de uma máquina racional e eficiente ou uma forma estática significativa”. (1)
Tal opção estrutural está intrinsecamente relacionada à qualidade do partido arquitetônico adotado. De imediato funda a dramaticidade da concepção espacial pretendida, pela multiplicidade de ângulos impostos aos planos da estrutura, capazes de desorientar o olhar. Por outro lado, a estabilidade estrutural atingida através de vincos imprimidos nas chapas metálicas torna prescindível a utilização convencional de lançamento estrutural para posterior revestimento, ou seja, aqui revestimento e estrutura são o mesmo elemento.
A intenção é tornar os pórticos metálicos em elementos leves, passíveis de serem facilmente ancorados na estrutura existente do Elevado Costa e Silva. No intervalo espacial entre as chapas metálicas, tanto em relação aos pórticos quanto aos forros dispostos sob a estrutura de concreto existente, estaremos acondicionando projetores para iluminação pública, no sentido de prover um espaço público vivo em sua utilização noturna, bem como para ressaltar e garantir a dimensão cênico-dramática da proposta arquitetônica e urbanística em questão.
Compreendendo que, numa perspectiva a médio e longo prazo, a demolição completa do Elevado Costa e Silva trata-se da mais justa medida a ser encaminhada, – reconhecido o equívoco urbanístico que tal equipamento viário impôs à cidade – conjuntamente viria a baixo a estrutura metálica aqui proposta. Tal fato se reflete na escolha do material, uma vez que o aço adquirido por peso é reciclado do mesmo modo. A estrutura metálica prevê sua própria demolição, sua e do elevado. O partido arquitetônico adotado promove tal medida.
notas
1
ENGEL, Heino. Sistemas Estruturais. São Paulo: Hemus Editora Ltda, 1981, p. 149.
ficha técnica
Equipe
Leandro Rodolfo Schenk, Luciana Bongiovanni Martins Schenk, Daniel Morais Paschoalin, Matheus Rosada e Camila Gomes Sant’anna