coautores do texto
Andrey Rosenthal Schlee, Carlos Eduardo Dias Comas, Carlos Moreira Teixeira, Cesar Jordão, Fábio Duarte, Luciana Guimarães Teixeira, Marcio Cotrim Cunha, Maria Isabel Villac e Sonia Marques
Está finalizado o longo processo de seleção de obras construídas brasileiras que disputarão com outros vinte e dois países – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Espanha, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela – o direito de participar na exposição e no catálogo da VIII Bienal Iberoamericana que acontecerá na cidade espanhola de Cádiz no período de 10 a 14 de setembro de 2012.
Segundo o regulamento geral, o júri formado pelos arquitetos Carmen Pinós (Espanha), Eduardo Souto Moura (Portugal), Maurício Rocha (México), Carla Juaçaba (Brasil), Carlos Jiménez (Costa Rica), Carlos Niño (Colômbia) e Joan Mac Donald (Chile) escolherá no mês de abril de 2012 cerca de trinta obras dentre todas as enviadas pelas representações nacionais. Estes projetos finalistas participarão da exposição e catálogo da VIII BIAU Cádiz 2012.
Diferente dos outros países participantes, onde a seleção foi feita pelo delegado nacional, o processo de seleção no Brasil foi conduzido por uma comissão de seleção (1). A inscrição foi voluntariamente feita por todos os interessados (alguns foram convidados pelos membros regionais da comissão, sem qualquer privilégio na escolha) e as regras de participação foram amplamente divulgadas pelo portal Vitruvius, associações de classe e outros meios de comunicação, o que acabou redundando em uma inédita inscrição de 94 projetos de diversos Estados brasileiros (2).
A escolha foi feita através de votação em planilha, sem qualquer encontro pessoal ou troca de informações entre os membros da comissão de seleção, e coube ao delegado brasileiro fazer a tabulação das notas e a divulgação do resultado final. A redação final da ata foi de responsabilidade do delegado brasileiro, mas contou com a colaboração de todos os membros da comissão.
Ressaltando que não está expressa na ordem de apresentação das obras uma hierarquia classificatória, a Comissão de Seleção apresenta abaixo alguns dos argumentos que justificam as escolhas dos projetos, sempre considerando que não houve uma reunião geral entre os membros da comissão, que se manifestaram por notas e comentários isolados; portanto, há outros motivos não explicitados que levaram à escolha final.
Projetado pelos arquitetos Alvaro Puntoni, Luciano Margotto, João Sodré e Jonathan Davies e construído em Brasília DF no ano de 2010, o edifício contempla em seu exterior o aspecto simbólico típico da monumentalidade dos principais edifícios da capital brasileira através do contraste entre empenas de concreto armado e generosas vidraças protegidas por brises. O volume se organiza em torno de um enorme pátio interno, valorizado por seu prolongamento por baixo de extensas áreas do volume construído, resultando em avarandados e passagens cobertas e abertas lateralmente – típicas da tradição arquitetônica brasileira –, que se abrem para a paisagem desimpedida da cidade. A angulação inesperada em um dos cantos e o volume do auditório que extravasa os limites do volume regular tencionam a planta quadrada, valorizando a volumetria geral.
Welcome Center Alphaville Brasília
Apesar do programa prosaico – um estande de vendas convertido em área comum destinada a eventos culturais do condomínio residencial em Brasília DF – o resultado final alcançado pelo projeto de Luiz Fernando Rocco, Fernando Vidal, Douglas Tolaine, Daniele Cunha, Carolina Ishibashi e Reinaldo Ferreira é um edifício de fácil leitura e grande apelo imagético na paisagem, marcado pelo contraste entre materiais e um jogo potente de luz e sombras gerado pela grelha sobre as paredes que a apóiam, o volume em pedra e a plataforma. Três atitudes de projeto finalizado em 2010 definem o conjunto da obra: o recinto (volume retangular alongado e encravado em um terreno ascendente); o embasamento (plataforma formada pela manipulação da topografia original no ponto desde onde se acede ao interior do volume); e a cobertura (grelha perfurada regularmente sobre a plataforma apoiada em sete paredes, definindo uma implantação em forma de “L”).
Projetada por sobre uma ladeira do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, Brumadinho MG, o principal elemento da Galeria Miguel Rio Branco de autoria dos Arquitetos Associados é um grande paralelogramo em balanço cujo tour de force é endossado pelo seu revestimento de aço corten, material que remete aos volumes de Amilcar de Castro, ao peso das montanhas, e talvez à imagem arquetípica de Minas Gerais. O volume hermético, inaugurado em 2010, é adequado ao programa (uma mostra permanente do artista Miguel Rio Branco), enquanto o térreo funciona como uma praça coberta e aberta onde estão lanchonete e banheiros. A implantação procura se inserir na topografia acidentada, escondendo um outro espaço hermético sob a praça e o volume de aço, onde está uma segunda galeria.
Ricardo Ruschel, associado a Carlos Eduardo Voegeli e Márcio Carvalho, conceberam e construíram em Porto Alegre RS no ano de 2011 um edifício de habitação multifamiliar. O desafio inicial de conciliar "aspectos pragmáticos e financeiros inerentes a um “negócio imobiliário” – através do sistema estrutural de lajes nervuradas, relativamente simples e barato – com a "obsessão criativa" foi respondido com: engenhosa implantação sem recuos, no terreno estreito (9,9m de largura) que permitiu organizar os 8 apartamentos, 2 por andar, ambos com uma fachada completamente aberta para o exterior; planta livre e sem vigas que permite divisões conforme desejam os moradores; concepção estrutural elegante que faz repousar a laje nervurada nas laterais e em elementos distribuídos ao longo de um eixo central da planta: colunas, paredes dos banheiros da suíte e do poço. Estas colunas internas nos dois primeiros andares, tornam-se externas nos dois últimos, acompanham o tratamento primoroso da fachada leste que olha para a rua.
Estação de Bombeamento de Esgotos – EBE Cristal
Comumente edifícios de infraestrutura são obras distantes das áreas nobres e vitais para que a cidade funcione: caixas d’água, estações de tratamento de água, estações retransmissoras, aterros sanitários. Se estes passam desapercebidos pela distância, são também invisíveis pela onipresença e só são lembrados quando falham. Tratar uma estação de bombeamento de esgoto com elegância e ousadia foi o desafio dos arquitetos Moacyr Moojen Marques e Sergio M. Marques em obra inaugurada em 2011. O projeto não se restringe à parte técnica, mas agrega complexos espaços de eventos, exposições e belvedere público. Três torres de concreto aparente são interligadas e contrastam com a circulação vertical em estrutura metálica e vidro, chegando a um mirante a 24 metros de altura. Na noite porto-alegrense, o contraste se dá pela opacidade das torres e a iluminação e transparência da circulação.
O projeto em questão enfrenta o problema cada vez mais cotidiano nas grandes cidades: projetar residências unifamiliares em lotes bastante estreitos. O problema reside exatamente no desafio de se obter uma arquitetura funcional e esteticamente bem resolvida, solucionando os problemas inevitáveis deste tipo de terreno, em especial a ventilação, a iluminação, a circulação e o agenciamento espacial. É o caso da “Casa 4x30” , construída em São Paulo SP pelos arquitetos Clara Reinaldo e Lourenço Gimenes em 2011, onde os modismos e contorcionismos arquitetônicos cederam lugar a uma solução bastante limpa e controlada, com as áreas sociais integradas, os espaços íntimos resguardados e um belo terraço. Tudo, extremamente bem ventilado e iluminado.Ou seja, bem resolvido.
Edifício habitacional na Rua Simpatia
A edificação projetada por Álvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies (2011) tem uma inserção inteligente em um lote irregular da cidade de São Paulo SP e o projeto consegue uma boa articulação entre os espaços mantendo-os fluidos e com uma fácil leitura para o usuário. Destaca-se a qualidade dos espaços comuns, com painéis artísticos, qualificação dos espaços de permanência e a circulação bem resolvida dos pavimentos residenciais, com liberdade para os futuros moradores adequarem sua morada às suas reais necessidades de uso do espaço. O cuidado com a fachada, com a hierarquia dos elementos que se destacam em diferentes planos e a vivacidade do conjunto comprovam que a qualidade dessa tipologia arquitetônica pode ser viabilizada pelo mercado e desejada pela sociedade.
Centro de Capacitação da Educação Dra. Zilda Arns
A primeira decisão de projeto de Ana Carolina Marques e Damasco Penna foi a divisão das atividades (didático e eventos) em dois edifícios no lote retangular conformado por três ruas e um muro divisor de propriedade na cidade de São Caetano do Sul SP (2011). Os dois blocos, cada um voltado para ruas antípodas, respeitam em sua implantação a dois conjuntos de árvores preexistentes – um, em área externa, torna-se pequena praça pública; outro, área de sombreamento do pátio interno. A iluminação intensa conquistada com esquadrias de 100% do vão é calibrada pela projeção da cobertura e lajes, painéis de madeira em tramas e a própria vegetação. A elegância e simplicidade do projeto são valorizadas por elementos complementares, como a rampa que compensa o desnível do terreno, o volume do mezanino e os furos irregulares das faces laterais.
Áreas de visitação da fábrica de chocolates Nestlé
A obra em questão construída em 2011 – uma estrutura eficiente, urbana, cuja simplicidade construtiva e racionalizada é envolvida na aposta pela experiência sensorial e mnemônica – interfere no território planificado e sem atrativos de cidade do interior paulista, Caçapava, introduzindo tridimensionalidade, movimento e uma qualidade estética inusitada. Externamente, o deslocamento em vermelho marca a paisagem e resignifica a paixão pelo chocolate. Internamente, o percurso que se embrenha nos interstícios da construção fabril insinua a aproximação ao já conhecido e apropriado projeto das embalagens e ao resgate, na memória corporal, do prazer do sabor do produto. O que se conhece da obra projetada por Metro Arquitetos ganha uma nova dimensão, pelo envolvimento que “desabitua” e pela proposta de uma nova conexão com o desejo.
Área de Portais Colinas D’Oeste/Morro do Socó
O projeto do escritório Vigliecca e Associados, construído em Osasco SP em 2010, considera aspectos funcionais inerentes aos projetos de conjuntos habitacionais de interesse social: adensamento, geminação de unidades, agrupamento de colunas d’água, otimização de circulação, minimização de recortes na planta (e consequente diminuição da área de revestimento da fachada). Contudo, o diferencial do projeto é o seu aspecto estético simples, mas rico em sua concepção formal, com jogo de volumes, adição e subtração de formas, texturas, cheios e vazios, simetria e marcações de acessos, regras básicas e simples, mas ausentes da maioria dos projetos de habitação de interesse social, cuja pobreza formal contribui para paisagens urbanas fracas e de baixa pregnância. Estão também presentes preocupações urbanísticas: arranjo de quadras, mobilidade dos pedestres, proporção entre áreas ocupadas e áreas livres e implantação na malha urbana existente.
notas
1
A Comissão de seleção responsável pela escolha das dez obras construídas que representarão o Brasil na VIII Bienal Iberoamericana de Arquitetura, a se realizar em Cádiz de 10 a 14 de setembro de 2012, foi constituída pelos arquitetos Abilio Guerra (delegado brasileiro), Andrey Rosenthal Schlee (Distrito Federal / Goiás / Mato Grosso / Mato Grosso do Sul), Carlos Eduardo Dias Comas (Rio Grande do Sul), Carlos Moreira Teixeira (Minas Gerais / Espírito Santo), Cesar Jordão (Rio de Janeiro), Fabio Duarte (Paraná / Santa Catarina), Luciana Guimarães Teixeira (Acre / Amapá / Amazonas / Pará / Rondônia / Roraima / Tocantins), Marcio Cotrim (Paraíba / Pernambuco / Alagoas / Sergipe), Maria Isabel Villac (São Paulo) e Sonia Marques (Maranhão / Piaui / Ceará / Rio Grande do Norte / Bahia).
2
Para maiores informações e detalhes sobre convocatória, divulgação e processo de seleção, ver Ata da seleção, que estará disponível em breve neste link.
3
Projeto já publicado no portal: VITRUVIUS. Sede do Sebrae Nacional em Brasília DF. Projetos, São Paulo, n. 11.125.03, Vitruvius, maio 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/11.125/3884>.
sobre os autores
Abilio Guerra é delegado brasileiro da VIII BIAU Cádiz 2012.
Andrey Rosenthal Schlee, Carlos Eduardo Dias Comas, Carlos Moreira Teixeira, Cesar Jordão, Fabio Duarte, Luciana Guimarães Teixeira, Marcio Cotrim, Maria Isabel Villac e Sonia Marques são arquitetos e membros da comissão de seleção de obras brasileiras para a VIII BIAU Cádiz 2012.