Projetar a própria casa – o desafio maior para o casal de arquitetos; outros: a dimensão do terreno de 4 metros por 30, e a iluminação natural. Superadas as diferenças, o resultado surpreende.
As restrições quanto à área tombada de pequenos sobrados geminados no bairro Jardim Europa, em São Paulo, limitam-se aos corpos verdes e à volumetria; isso permitiu a demolição total da antiga construção; apenas a projeção original foi respeitada.
O partido propôs espaços integrados e limitou-se aos usos indispensáveis. “Não é um programa de casa pequeno-burguesa”, avisam. O conceito tradicional foi subvertido; a cozinha volta-se para a fachada frontal e o único acesso da casa se faz por uma passarela elevada ao lado dela, sem obstáculos.
Seguem-se os demais ambientes do térreo, todos “contínuos e contíguos”, sem paredes, sem divisórias. Um pequeno jardim entre os dois blocos que conformam a casa, oferece luz, une verticalmente o sobrado, amplia o espaço da sala. Essa charmosa área verde com uma pitangueira e variadas plantas no único muro- juntamente com o painel de azulejos hidráulicos de autoria de Fábio Flaks orientando a circulação em toda a lateral da edificação de cima à baixo nos três níveis da casa – são os elementos organizadores dos espaços. Totalmente branca no interior e exterior, exceção para a empena preta da fachada, tem a iluminação acentuada pelos materiais reflexivos no revestimento dos pisos, das paredes, dos armários.
Os espaços fechados situam-se no segundo pavimento, dentro da “caixa flutuante” onde estão dois dormitórios e banheiros, Parte dessa caixa, o balanço sobre a fachada frontal, é atirantada; todo o volume foi revestido com painéis de alumínio. Na cobertura, um grande deck, sobre telhas metálicas foi pensado como mais um espaço de fruição. A passarela de tela expandida, portanto transparente, leva ao segundo volume, composto de um pequeno estúdio e a escada que leva ao solário; no térreo estão lavabo e o que seria uma área de serviço.
Para obter mais espaço e aumentar o pé-direito, a área da cozinha foi rebaixada em 75 centímetros, ressaltando dessa forma a diferença entre os programas. Bastante original, maior destaque do projeto, é o centro, o core da casa; a bancada contínua tanto serve de apoio como se transforma em assento em ocasiões festivas. Outra curiosidade: a mesa de refeições dá continuidade ao piso da sala. Os armários de madeira laqueada e vidros leitosos foram desenhados por Clara e dimensionados de acordo com o tamanho e a utilidade dos objetos e utensílios que abrigam.
O jardim interno, com paisagismo de Leandro Schenk, também outro ponto de atração; área permeável, cercada por portas retráteis – que correm e giram – traz aeração cruzada, muita iluminação e um visual bastante agradável de qualquer ângulo da casa; os vidros que a cercam são protegidos por persianas motorizadas com controle remoto, acionadas apenas no inverno para permitir a entrada do sol. Para esse jardim se voltam três faces da casa.
O desempenho térmico também conta com brises de malha expandida, isolante termo-acústico nas vedações e janelas de vidro duplo nos dormitórios.
Estruturas em vigas esbeltas de aço, apoiadas em pilares embutidos nas paredes laterais, resultaram em ganho de espaço nessa pequena construção composta de dois blocos de alturas diferentes e apenas 156 metros quadrados; lajes de painel wall, completam o sistema. Resina de poliuretano recobre o piso de toda a área social; a parte íntima recebeu placas de borracha visando redução do peso.
Dizem os jovens arquitetos que se inspiraram nas diminutas casas japonesas e holandesas, referindo-se ao aproveitamento do espaço disponível, da luz natural, da boa resolução do programa. A analogia para aí; a casa de Clara Reynaldo e Lourenço Gimenes, embora pequena, foi projetada de acordo com as necessidades atuais do casal, e elementos da nossa cultura; vide a cozinha ampla e acolhedora onde a família se reunia, ou os azulejos do painel, não só um elemento figurativo, mas “traço presente na arquitetura moderna brasileira”.
A obra foi selecionada entre dez projetos brasileiros que concorreram à Bienal Iberoamericana de Arquitetura de Cadiz, Espanha. Lourenço Gimenes, formado pela FAU USP, é associado do escritório FGMF que vem acumulando várias premiações. Clara Reynaldo, do estúdio cr2arquitetura, diplomou-se em arquitetura e Urbanismo, pela Federal de Pernambuco, em 2006, e fez mestrado na FAU USP.
sobre a autora
Haifa Yazigi Sabbag é jornalista formada pela ECA USP, ex-editora das revistas AU – Arquitetura e Urbanismo e AC – Arquitetura e Crítica, do Portal Vitruvius. Autora de JKMF – Julio Kassoy e Mario Franco”, e Rocco Associados – residências unifamiliares, ambas da editora C4.