A região ao longo do rio Zaan fica a norte de Amsterdã, cidade à qual seu desenvolvimento econômico sempre foi muito ligado. É uma área pantanosa, com solo de tufo, muito inapropriado para sustentar edificações. Devido ao solo fraco, a região tem uma tradição de construção em madeira – material leve e apropriado. As casas são alinhadas ao longo dos diques, com ornamentação característica e cores claras: verde e branco.
Zaanstad, Holanda
Video de Helena Guerra
A paisagem plana e vazia, com apenas as aldeias lineares, foi o contexto ideal para a construção de moinhos. Durante os séculos 16 e 17, o moinhos do Zaanstreek evoluíram em indústrias artesanais, com tipologias e usos pouco comuns: corte de madeira, moagem de pigmentos para tintas, preparo de óleo vegetal, produção de papel etc. Assim, durante a era de expansão colonial holandesa, a região do Zaan forneceu à cidade de Amsterdã a madeira necessária para construção e abastecimento de navios. Chegou a existir mais de mil moinhos concentrados nas margens do Zaan e imediações. O Zaan ficou famoso como um dos primeiros pólos industriais durante o século 17. O Czar Pedro, o Grande, da Rússia, passou uma temporada lá, para aprender as tecnologias holandesas.
A segunda era de ouro da região do Zaan (Zaanstreek) começou com a industrialização a vapor. Os moinhos a vento foram trocados por máquinas a vapor e posteriormente a gás, diesel e eletricidade. Assim, os donos dos engenhos (moinhos) se tornaram industriais, especializados em alimentos, supermercados e papel. Hoje em dia há várias multinacionais deste tipo. A modernização da região foi radical: empreendedores construíram fábricas nos antigos lugares dos moinhos e expandiram rapidamente. As fábricas que permaneceram dentro das cidades passaram a usar o rio Zaan como principal meio para o transporte dos produtos. Devido às novas técnicas de fundações, as casas de madeiras foram demolidas em grande numero, sendo substituídas por construções mais modernas.
A rápida descaracterização da região durante os anos 1920, 1930 e 1940 resultou em várias iniciativas para salvaguardar o patrimônio histórico, em especial os moinhos industriais, as construções de madeira e, por último, a paisagem urbana e rural. Várias construções de madeira, que foram demolidas para dar espaço à modernização, foram guardadas em depósitos, para talvez um dia ressurgirem em um outro lugar. A possibilidade de desmontar as construções contribuiu para as iniciativas de se criar uma reserva cultural – um museu ao ar livre, aonde os monumentos do primeiro ciclo da região poderiam ser reconstruídos, mantendo a memória da região. Uma área na margem do rio Zaan – não-urbanizada e ladeada por um pedaço da paisagem pantanosa (ali, no passado, houve um renque de moinhos) – foi considerada um lugar ideal para um museu ao ar livre. Assim, foi recriada uma parte da região tal como ela foi antes do ano 1850. Esse museu foi inaugurado nos anos 1950 e recebeu o nome Zaanse Schans (em tradução aproximada, “reduto do Zaan”).
O projeto inicial para o Zaanse Schans fez um embate com o conceito de autenticidade. A paisagem e as construções são autênticas, mas a configuração urbana é uma simulação, criando um conjunto que poderia ser o resultado de uma evolução urbana até o ano 1850. O Zaanse Schans nunca se tornou um museu de verdade, pois é considerado parte integrante da cidade, com livre acesso durante as 24 horas do dia. A área combina conservação do patrimônio histórico, turismo (2 milhões de visitantes por ano) e moradia (as casas de aluguel são muito procuradas). As tensões entre preservação, economia e cotidiano são um constante durante os últimos cinquenta anos. O Zaanse Schans é um projeto pioneiro da parceria público-privado. O governo holandês e o município investiram muitos recursos no Zaanse Schans e o lucro ficou com algumas empresas de turismo que conseguiram vender bem a imagem bucólica da paisagem com moinhos (a quinze minutos de Amsterdam).
Recentemente, o governo quis se afastar do projeto, tornando necessário um novo projeto econômico, onde se tornou urgente a obtenção de novos recursos para o Zaanse Schans, que viabilizasse a manutenção do conjunto. A ideia foi aumentar o número de visitantes, estender a duração das visitas, aumentar os gastos dos turistas e atrair outros grupos de visitantes – estrangeiros, holandeses, comunidades locais. Mas a ideia central continuou a mesma: a manutenção de uma paisagem que reproduz, de forma realista, a cidade de 1850.
Como incentivar e reinventar um mega-pólo de turismo, mantendo a vida cotidiana em um cenário que poderia ser 1850? Este era o desafio. A nova visão urbana para a expansão do Zaanse Schans foi realizada pelo escritório SteenhuisMeurs, uma empresa de consultoria especializada em desenvolvimento de patrimônio histórico. A partir de uma análise histórica foram feitas simulações de desenvolvimento urbano – aumentando a densidade e buscando espaço para novas atrações turísticas: pistas de ciclismo, museu dos moinhos, restaurantes, barquinhos... Foram introduzidos um percurso mais rápido (caminho para japoneses e chineses) e um caminho vai vagaroso (slow turism, recidive tourism).
notas
NE1
Helena Guerra participou do Mediatour Building and Design, ocorrido de 15 a 20 de abril de 2012, que visitou projetos de arquitetura e urbanismo em algumas cidades holandesas. O evento foi organizado pelo Ministério de Assuntos Econômicos, Agricultura e Inovação e o convite ao portal Vitruvius foi feito por Sara M. Cohen, chefe do Departamento de Assuntos Políticos, Diplomacia Pública e Cultura da Embaixada da Holanda em Brasília.
NE2
Nina Dalla Bernardina, aluna da FAU Mackenzie, é a responsável pela edição especial da revista Projetos sobre a Holanda. Patrícia Oliveira Lima, aluna do curso de arquitetura do Senac, colaborou na edição. Ambas são estagiárias no portal Vitruvius.
sobre o autor
Paul Meurs, arquiteto, é sócio da empresa de consultoria SteenhuisMeurs, situada em Schiedam, e professor da Universidade de Tecnologia de Delft.
ficha técnica
obra
Visão Urbano Zaanse Schans, Architectural design manual, e desenho urbano para espaços públicos
cliente
Prefeitura Municipal de Zaanstad
Fundação Zaanse Schans
autoria
SteenhuisMeurs BV, Schiedam
Com colaboração de Daf-Architecten, Rotterdam
equipe
Paul Meurs, Johanna van Doorn, Joost Emmerik, Hilde Sennema (SteenhuisMeurs), Catherine Visser, Daan Bakker (Daf-architecten).
data do projeto
2010-2012