O que nos chama a atenção desta história e geografia?
Há um imenso interesse pelas nuances do relevo (sistema orográfico) composto pelas Serras da Calçada, da Moeda, do Rola Moça e Grande. Ali, a Serra da Calçada desenha a fronteira entre o Bioma de Mata Atlântica e do Cerrado. A vegetação e a presença de inúmeras espécies de aves, inclusive raras, são outros temas de atração para a investigação científica e para a visitação de interessados leigos. Há também um conjunto de cavernas de interesse espeleológico e de grande potencial turístico.
Nesta cena que se desenha, há ainda o Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada situado entre os municípios de Brumadinho e Nova Lima. Sua paisagem cultural é constituída pela memória histórica da mineração dos séculos 18 e 18, registrada pelas suas edificações e estruturas. Encontram-se na Serra caminhos pavimentados (origem de seu nome), que estão em ruínas, além da fábrica de São Caetano da Moeda Velha e o complexo minerário do Forte de Brumadinho. O tombamento estadual do Conjunto foi efetuado em 2008.
O nome do município se deve à formação constante de neblina ou brumas geradas pela intensa presença de água, da vegetação e do relevo. Brumadinho é banhada pelos rios Veloso, Águas Claras, Manso e Paraopeba, todos integrantes da bacia do rio São Francisco. O Parque da Serra do Rola Moça abriga importantes mananciais de água, declarados pelo Governo Estadual como Áreas de Proteção Especial, que garantem a qualidade dos recursos hídricos que abastecem parte da população da região metropolitana. Água mineral de alta qualidade (diversificada composição de sais minerais em baixa) é extraída dos grandes aquíferos existentes ali.
Além da mineração (que consideramos, por hipótese, como suspensa), o levantamento feito pelo Senac Minas Gerais relaciona e descreve as principais atividades desenvolvidas: a agropecuária praticada em pequenas e médias propriedades, com predominância de mão-de-obra familiar que se dedica principalmente à pecuária leiteira, fruticultura, olericultura e a produção de cachaça artesanal.
Potencialidades
Na fruticultura, destaca-se a produção de mexerica Ponkan, que continua sendo expressiva no município e no Estado. A olericultura (área da horticultura que abrange a exploração de hortaliças, raízes, bulbos, tubérculos, frutos diversos e partes comestíveis de plantas) tem aumentado significativamente sua participação no setor, em quantidade, qualidade e, principalmente, em diversidade, isso devido aos abundantes recursos hídricos e à proximidade e facilidade de acesso aos mercados consumidores da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
A produção de cachaça artesanal é bastante significativa, com uma produção anual aproximada de 553 mil litros. Brumadinho é recordista mundial em Cachaça Artesanal com o selo da Associação Nacional de Produtores de Cachaça — Anpac. Possui marcas famosas como Brumado Velho, Saideira e Boa Vitória, além de ser pioneiro no lançamento da cachaça feminina Domina, da empresa Segredo do Patriarca. A Rota da Cachaça Veredas do Paraopeba são roteiros turísticos desenvolvidos e criados a partir de pesquisas e muita dedicação nas histórias, estórias, “causos” e contos de Brumadinho e seu entorno. Tendo a cachaça como indutor, os passeios foram criados agregando o que há de mais mineiro e vivencial, em contato direto com a comunidade.
Outra vocação do município, e que merece tratamento à parte, reside em sua potencialidade para desenvolver vários segmentos do turismo.
Na região destacam os sítios paisagísticos marcantes como o maciço rochoso têm estimulado a exploração turística no município, atividade muito promissora para o desenvolvimento da economia municipal. Atualmente há um expressivo fluxo turístico em direção às localidades mais próximas das encostas da Serra do Rola Moça e da Moeda, com acesso pela BR-040, principalmente nos finais de semana. Os visitantes para lá se dirigem para praticar o Turismo de Aventura, Ecoturismo, Turismo Rural, entre outros).
Outro segmento promissor é o do Turismo Cultural, representado pela oferta gastronômica, eventos e festas, que também tem sido motivo de deslocamentos para o município.
A geografia e o clima da região são muito convidativos e já atraem investidores do segmento de pousadas, restaurantes e a venda de derivados de leite, abrindo possibilidades de geração de emprego e renda, além de qualificação profissional para a população da região metropolitana de Belo Horizonte.
A criação do Inhotim Instituto Cultural, a Oeste do município com acesso pela BR 381, marcou o ingresso de Brumadinho na lista dos municípios de grande interesse turístico em Minas Gerais. Inhotim é um dos maiores museu do mundo no gênero, com seus jardins tropicais e os pavilhões de arte contemporânea e tem atraído aproximadamente 10 mil visitantes por mês.
Dentre os povoados rurais, merecem atenção os que se sobressaem no contexto histórico e religioso, como é o caso de Conceição de Itaguá (antigo Brumado do Paraopeba), São José do Paraopeba e Piedade do Paraopeba. Este último, também ao pé da Serra da Moeda, já se consagrou como um centro de romaria.
A potência latente dos dados expostos converge para as premissas de turismo de base comunitária — TBC: priorizar estratégias voltadas à divulgação em mercados regionais, realizar pesquisas de demanda periódicas e investir na disponibilização de informações de qualidade aos visitantes. O TBC baseia no reconhecimento e na valorização da relação integrada entre cultura e natureza e dos espaços de encontro e acolhimento entre visitante e visitado como elementos marcantes da experiência de vivida.
Problemática
O intercâmbio e a mescla de diferentes visões da proposta metodológica para o módulo Brasil intensifica o pensamento em direção à Brumadinho do futuro. A trama que arrematou a etapa de investigação territorial integra-se à afirmação “um dia o modelo extrativista vai se esgotar” e a ressignificação da ação antrópica (grupo 3), assume os pressupostos da “paisagem como recurso — pensando alternativas a modelo extrativista” (grupo 7) e vislumbra intervenções no interior e entre as f(ó)rmas e f(ô)rmas das minas (grupo 8) (1).
São o foco deste trabalho as 5 principais minas, que fazem parte do desenho do limite municipal de Brumadinho: a Norte Esperança — Emesa, Mineral do Brasil, Córrego do Feijão e da Jangada e a Leste, Pau Branco, situada próxima ao mirante “Topo do mundo”.
A paisagem da destruição, com as montanhas transformadas em pó (ou em lama) é o território desta proposta de intervenção.
Como encontrar soluções para contar a história da paisagem?
Como resposta, algumas iniciativas vêm à mente:
- Utilizar as estruturas geológicas pré-existentes, locais vazios, prédios abandonados, lugares inóspitos remanescentes da atividade extrativista da mineração;
- Identificar demanda por espaços de uso público para operar dinâmicas alternativas de desenvolvimento amplo — econômico de base comunitária, social como convivência e ambiental como territórios natural e construído.
E alguns desafios se colocam e como analogia, elegemos alguns critérios e elementos comparativos:
- Escala: Plataforma do estádio Mineirão (670 x 390m;
- Vocabulários: Elementos naturais e “a montanha pulverizada” (2);
- Possibilidades: Usos previsíveis e imponderáveis.
O objetivo é intervir especificamente no contexto antrópico das minas com proposta de caminhos sinuosos e ondulantes até seu interior e suas instalações. Trazer para perto do olhar as faces ceifadas das montanhas, conectá-las visual e fisicamente e criar infraestruturas para atividades indeterminadas.
Iniciando-se a aproximação com os objetos de estudo, foi proposta uma delimitação de cada uma das minas a partir de um recorte territorial medindo 2 x 4,25 km, que serão apresentadas em ordem da esquerda para a direita, conforme identificação da imagem abaixo:
Mina Esperança (Emesa)
Latitude: 20˚6'33.26"S
Longitude: 44˚13'21.13"O
Cota máxima: 963m
Empresa proprietária: Vale S.A.
Início de operação: Anterior a 1984
Condição atual: Parada desde novembro de 2019
Mina: Mineral Brasil
Latitude: 20˚ 6'13.24"S
Longitude: 44˚ 9'42.10"O
Cota máxima: 1060m
Empresa proprietária: Mineral Brasil
Início de operação: Anterior a 1984
Condição atual: em 2018 a mina foi flagrada em ações irregulares — desmatamento, abertura de cava e contaminação de água.
Mina: Mina Córrego do Feijão
Latitude: 20˚5'51.73"S
Longitude: 44˚7'50.44"O
Cota máxima: 1320m
Empresa proprietária: Vale S.A.
Início de operação: Anterior a 1984
Condição atual: parada desde janeiro de 2019.
Mina: Mina da Jangada
Latitude: 20˚5'57.10"S
Longitude: 44˚5'37.54"O
Cota máxima: 1258m
Empresa proprietária: Vale S.A.
Início de operação: Anterior a 1984
Condição atual: Em atividade.
Mina: Mina Pau Branco
Latitude: 20˚8'48.39"S
Longitude: 43˚58'47.81"O
Cota máxima: 1498m
Empresa proprietária: Vallourec & Mannesmann
Início de operação: Anterior a 1984
Condição atual: em atividade.
Especulações
Como abordar esta imensidão devastada?
É neste contexto que se estrutura a proposta de projeto: criar condições infra estruturais para poder ir e/ou estar nas minas: “mirar em direção ao centro da Terra” e “ver o mundão”.
Como processo de leitura para futura proposição foram constituídos 3 núcleos com base nas relações de proximidade a lugares de interesse na cidade:
- Núcleo 1: Mina Esperança, vizinha de Inhotim.
- Núcleo 2: Mina Mineral Brasil, Córrego do Feijão e Jangada — interconectadas.
- Núcleo 3: Mina Pau Branco, próxima às ruínas do forte de Brumadinho.
A caracterização territorial de cada um dos núcleos baseou-se nos seguintes aspectos: contexto histórico-geográfico, contexto ambiental (desde 1984, data de registro do Google Earth), conexões viárias, zoneamento municipal e instalações existentes (maquinário e edificações).
A partir deste reconhecimento, são propostas diretrizes para o plano geral de intervenção para cada um dos núcleos, sendo que o foco para estudos de projeto se deteve no núcleo 3. As diretrizes de intervenção partem do pressuposto de que a descontaminação foi realizada pelas empresas exploradoras de minério quando do encerramento das atividades extrativistas. Restam “não- lugares”, ausentes de vida, que deformaram a paisagem maculando o tempo do planeta Terra.
E neste ponto, vem a pergunta: o que propor nesta imensidão devastada?
As ideias vêm e vão, confundem-se, duvidam, assustam e comovem. Até que em um momento convergem para a criação de percursos para que o “não-lugar” possa ser visto por dentro e para fora, como uma tomada de consciência para novas formas de ocupação: a Natureza, com todos os seres, precisa “retomar” o ambiente com ações que revertam a degradação da história, da paisagem e na escala do cidadão, da sua cultura (entendida como formação e responsabilidade).
Há urgência em deflagrar o processo de recuperação do solo, intensificando as espécies nativas e recuperando o habitat natural. E somam-se ações nos pontos identificados ao longo dos longos percursos assentados em cotas de nível confortáveis ao deslocamento e intervenções desenhadas para que possa surgir um “lugar”.
Desenhar o chão para criar a oportunidade.
Núcleo 1
Núcleo 2
Núcleo 3
Projeto
Mina Pau Branco
A mina Pau Branco, na condição hipotética de inoperante, é a protagonista no núcleo 3.
A aproximação às escavações, cortes, edificações remanescentes e caminhos a partir da cota 1420m, instrui o projeto para valorizar as vistas panorâmicas com passarelas, mirantes, pontos de parada e para promover o contato com os recursos naturais por meio de túneis, passagens, bacias de retenção de água entre outros.
Não foi pré-estabelecido nenhum programa porque as possibilidades são inúmeras e outras nem pensadas hoje. De toda forma, o conjunto estudado gostaria de:
- Ativar os meios alternativos de produção local cultural e econômica como alimentação, bebidas, música, teatro, arte, circo, exposições e festivais (sazonais e temáticos);
- Integrar tecnologia à produção artesanal a à produção cultural nos acontecimentos a programar;
- Instalar pontos de monitoramento geológico e ambiental conectados à centros de operação e controle.
Seria muito promissor se boa parte deste projeto se realizasse e se delineassem programas com a sociedade de Brumadinho.
notas
NA — Trabalho desenvolvido em grupo, na ocasião do curso de pós-graduação Lato Sensu “América: Geografia, Cidade e Arquitetura”, da Escola da Cidade, durante o Módulo Brasil — entre março e junho de 2020. O presente artigo é inédito, porém, o exercício de projeto desenvolvido pelo grupo foi apresentado em aula para os demais alunos e professores do curso. Na ocasião, este trabalho foi orientado pelos professores Álvaro Puntoni, Fernando Viegas, Ana Castro e Carlos Alberto Maciel. Todo o trabalho foi desenvolvido durante o período de quarentena para enfrentamento da pandemia do coronavírus, causador da Covid-19.
1
A orientação do desenvolvimento de projeto aconteceu de forma coletiva, colaborativa e rotativa. A ideia aplicada à turma propôs uma leitura territorial dividida em três etapas. As etapas, denominadas de propostas conceituais de diagnóstico e de intervenção, eram conformadas essencialmente por leituras sobre o local, de modo que ao final de cada leitura, uma diretriz de intervenção era lançada. Após a entrega de cada etapa, os grupos renunciavam a seus trabalhos, e seguiam as diretrizes e leituras de outros grupos, conformando um novo olhar, partindo do olhar desenvolvido por outros. A experiência resultou em trabalhos consistentes, formados coletivamente por oito grupos, de forma interdependente e com leituras que exploravam e se potencializavam a partir de olhares distintos.
2
Referência ao poema “A montanha Pulverizada” de Carlos Drummond de Andrade.
sobre os autores
Lucas de Sousa é arquiteto e urbanista (FAU USJT, 2018) e pós-graduado em Geografia, Cidade e Arquitetura (Escola da Cidade, 2021). Atualmente colabora no desenvolvimento técnico e gráfico de projetos arquitetônicos residenciais na empresa sysHaus. Atua também, de forma autônoma, em projetos de branding e design gráfico.
Mariana Alves Barbosa é arquiteta e urbanista (FAU Mackenzie, 2017) e pós-graduada em Geografia, Cidade e Arquitetura (Escola da Cidade, 2021). Atualmente é mestranda do PPGAU Mackenzie, desenvolvendo pesquisa sobre arquitetura contemporânea latino-americana, através de estudos de projetos concebidos por arquitetas. De forma autônoma e colaborativa, atua no desenvolvimento de projetos arquitetônicos, incluindo participação em concursos de arquitetura.
Pedro Machado Meneghel é arquiteto e urbanista (IAU USP, 2014). Sua experiência na área contempla passagens e colaborações em escritórios, projetos de autoria própria e participações e prêmios em concursos nacionais de projetos de arquitetura. Atualmente trabalha de forma autônoma desenvolvendo projetos arquitetônicos de variadas escalas e programas.
Renata Semin é arquiteta e urbanista (FAU USP, 1982) e cursou 4 módulos no curso Geografia, Cidade e Arquitetura (2019-2020) da Escola da Cidade. Desde 1984, como uma das sócias da empresa Piratininga Arquitetos Associados, é responsável pela condução técnica de projetos de edifícios escolares, culturais, institucionais e habitacionais. Atua também em projetos para regeneração urbana, principalmente em áreas centrais de grandes centros urbanos brasileiros.
Vitória Paulino é arquiteta e urbanista (Faap, 2018) e pós-graduada em Geografia, Cidade e Arquitetura (Escola da Cidade, 2020). Atualmente colabora com projetos arquitetônicos e urbanos na empresa Piratininga Arquitetos Associados. Contribui para o Baú da Escola da Cidade, sendo monitora na pós-graduação Geografia, Cidade e Arquitetura. Desenvolve também, de forma autônoma, projetos arquitetônicos.
preâmbulo
O presente artigo faz parte de Preâmbulo, chamada aberta proposta pelo IABsp e portal Vitruvius como ação para alavancar a discussão em torno da 13ª edição da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, prevista para 2022. As colaborações para as revistas Arquitextos, Entrevista, Minha Cidade, Arquiteturismo, Resenhas Online e para a seção Rabiscos devem abordar o tema geral da bienal – a “Reconstrução” – e seus cinco eixos temáticos: democracia, corpos, memória, informação e ecologia. O conjunto de colaborações formará a Biblioteca Preâmbulo, a ser disponibilizada no portal Vitruvius. A equipe responsável pelo Preâmbulo é formada por Sabrina Fontenelle, Mariana Wilderom, Danilo Hideki e Karina Silva (IABsp); Abilio Guerra, Jennifer Cabral e Rafael Migliatti (portal Vitruvius).