tradução ivana barossi garcia
Com sede editorial em Milão e fundada em 1928 pelo arquiteto e designer Gio Ponti, a revista Domus se mantém até hoje como uma das publicações de referência a nível internacional sobre arquitetura e design.
Com mais de setenta e cinco anos de trajetória, sua vigência segue sendo inquestionável: Domus é um dos meios onde os principais escritórios de arquitetura e de design apresentam e submetem à opinião crítica seus novos projetos; apresenta reportagens de análise rigorosa acerca de temas enfocados desde perspectivas muito distanciadas das aproximações apresentadas por revistas obsessivas pelas tendências de moda ou aferradas ao purismo acadêmico… A preocupação pela dimensão visual da revista se mantém em perfeito equilíbrio com a atenção à qualidade de seus conteúdos escritos, e esta é uma qualidade que desafortunadamente não pode se atribuir a todas as publicações estrela dedicadas à arquitetura e ao design, ainda que é certo que Domus constituiu uma referência na hora da criação de muitas delas.
Alentado pelo crítico de arte e literato Ugo Ojetti, Ponti – definido como um homem extremamente curioso, enérgico e apaixonado – criou Domus como um espaço onde expor sua própria perspectiva acerca do estilo de vida de sua época. A revista começou sendo uma publicação genericamente dedicada a temas relativos ao lifestyle, onde as reportagens sobre arquitetura e design se intercalavam com artigos sobre cozinha, cuidado de animais de estimação ou jardinagem. Progressivamente os conteúdos da revista foram centrando-se na arquitetura, no desenho de interior e industrial e nas artes, transformando-se num meio em cujas páginas se apresentava o trabalho de profissionais de trajetória consolidada e se ‘descobriam’ também as propostas de arquitetos e designers tanto italianos como internacionais.
Lisa Licitra Ponti, filha de Gio e responsável pela seção de arte de Domus durante um período, destacava o fato de que seu pai enfrentava com o mesmo entusiasmo de principiante a tarefa de editar cada número. Ponti concebia a revista como uma espécie de diário pessoal de coisas que lhe emocionavam e lhe inspiravam e como veículo transmissor de suas idéias. Esse incansável entusiasmo e compromisso – o mesmo que fez de Ponti uma das figuras cruciais da criação do conceito e difusão internacional do Italian Design desde finais dos anos quarenta – foi a base com que se consolidaram os critérios editoriais que definiram a identidade particular de Domus, da qual derivou seu prestigio.
Sua excelência radica em sua seriedade criativa e em sua consciência de responsabilidade crítica, em sua auto-exigência constante para manter uma vitalidade intelectual e estética que se garante com uma política editorial interna que fixa em cinco anos improrrogáveis a duração do cargo de diretor da revista, que é ao mesmo tempo responsável por designar um novo diretor artístico para ela. Nomes prestigiosos na história recente da criação e crítica de arquitetura e do design como os de Mario Bellini, François Burkhardt, Cesare Maria Casati, Stefano Casciani, Germano Celant, Manolo De Giorgi, Fulvio Irace, Vittorio Magnago Lampugnani, Alessandro Mendini, Ettore Sottsass, Luigi Spinelli e Deyan Sudjic ocuparam o posto de editores, distinguindo cada um deles desde suas aproximação e originalidade particulares a orientação ideológica e estética da ‘época’ da revista a cuja frente estiveram. Esta política sugere claramente uma forma de preservar o espírito do fundador Ponti, ao definir que o cargo de diretor não se reduz meramente a se ocupar da gestão de um produto editorial e sim que consiste ante tudo em responsabilizar-se desde o profissional e o pessoal de assumir a realização e continuidade do projeto cultural que a Domus acabou devindo. Mesmo assim, ao longo dessas sete décadas, o desenho gráfico de suas capas supôs fazer encomendas a designers, arquitetos e artistas tais como Herber Bayer, Max Bill, Paul Klee, Lucio Fontana, Le Corbusier ou Charles Eames. Dispor dessas colaborações não deve se interpretar somente como uma evidência do alto reconhecimento da revista como difusor da arquitetura e do design contemporâneo e sim como uma afirmação do valor da imagem gráfica como via de expressão da energia e ambições criativas do espírito de cada momento do século. E como a forma mais direta de imbuir à revista da intensidade dessas vibrações do tempo às que tem estado permanentemente atenta.
A editora alemã Taschen (www.taschen.com) acaba de editar uma enciclopédia de doze volumes que compila uma seleção de artigos e capas publicados na Domus entre 1928 e 1999. Uma obra integrada por mais de sete mil páginas e vinte mil ilustrações resultado de um trabalho de explorar quase arqueologicamente nos arquivos da revista.
Setenta e cinco anos de edição ininterrupta equivalem a afirmar que pelas páginas da Domus refletiu, em tempo real, a história da arquitetura, do design e da arte do século vinte: a Art Deco, o desenvolvimento do Movimento Moderno, passando pelo Funcionalismo, pela Pop, pela Pós-Modernidade… foram ilustrados e comentados na revista por um olhar absolutamente contemporâneo. Um artigo comentando um edifício em Viena projetado entre outros por Adolf Loos com texto e fotografias de 1932; a notícia acerca de um projeto de Carlo Mollino apresentado numa exposição de design em Nova York em 1950; a série de pratos com variações sobre um rosto desenhados por Pietro Fornaretti em 1955; fotografias da construção do World Trade Center em Nova York em 1973; projetos de todos os arquitetos chave do século…Em síntese, imagens e textos sobre a encarnação do espírito do século em sua dimensão conceitual e em sua dimensão estética.
Nossa relação com o século vinte oscila atualmente entre a ambivalência que supõe começar a perceber uma certa distância mental em relação a ele e a sensação de intensa sobrevivência de algumas das constantes que o definiram. Isto se percebe ante esta enciclopédia, com cuja realização Taschen estabelece um ponto e singular na linha cronológica viva da Domus, imbuindo de natureza de documento histórico a todo esse material que mensalmente se publicava como reflexo da atualidade da arquitetura e do design. Permitindo contemplar hoje essa história como quando era presente.
[artigo publicado originalmente em ABCD de las Artes y las Letras, nº 768, em 21 de outubro de 2006.]
sobre o autorFredy Massad e Alicia Guerrero Yeste estabeleceram a ¿btbW/Architecture em 1996, dedicando seu trabalho conjunto à pesquisa crítica sobre a arquitetura contemporânea.