A partir da perspectiva ocidental, temos a tendência em reconhecer a arquitetura japonesa na imaterialidade e transparência de muitos projetos contemporâneos. Sem dúvida poderíamos ver uma tendência que teria começado nas primeiras obras de Kiyonori Kikutake (um dos pais do movimento metabolista japonês) e teria se desenvolvido fortemente em projetos de Toyo Ito ou Kazuyo Sejima e com continuidade no trabalho de Sou Fujimoto ou Junya Ishigami. No entanto, Kazuo Shinohara (1925-2006) arquiteto, pouco conhecido fora do Japão, explorou ao longo de sua vida outras formas de expressão que agora podemos analisar graças à edição especial dupla dedicada à sua obra na revista 2G (Editorial Gustavo Gili), em seu último número.
A presença limitada de Shinohara na mídia ocidental especializada pode muito bem ser justificada pelo zelo com que o arquiteto controla a publicação e divulgação de seus projetos. Para Shinohara "cada casa é uma obra de arte" e, portanto, sempre quis que elas fossem mostradas assim. Em um gesto que revela a sua personalidade artística, Shinohara não autorizava a publicação de fotos de seus trabalhos uma vez que estes tivessem sido ocupados. Além disso os projetos também devem ser acompanhados do memorial preparados por ele; por isso a sua trajetória somente tinha podido ser revista a partir de sua interpretação “canônica”. Não admira sua atitude também, agora que sabemos a partir de Beatriz Colomina (Privacy and Publicity. Modern Architecture as Mass Media), como o próprio Le Corbusier tinha divulgado habilmente seu trabalho na mídia daquela época. A divulgação do trabalho de Shinohara, no entanto, apresenta um viés marcante: é a construção de um discurso que descreve e justifica o desenvolvimento estilístico da arquitetura em diferentes períodos.
Shinohara dividiu seu trabalho em quatro estilos. Por ordem cronológica, o primeiro se desenvolveu do início de sua carreira até 1968, e mostra uma abordagem para o projeto através de um uso não convencional das ferramentas e materiais da arquitetura tradicional japonesa. O segundo estilo, usado durante os cinco anos seguintes, apresenta uma transição a volumes prismáticos compactos caracterizados por espaços internos de fenda. O terceiro estilo, até a década de 1980, define um espaço interior limpo como um lugar poético e potencialmente caótico. Finalmente, o quarto estilo reflete a ideia da beleza do caos em sistemas volumétricos complexos. Nas palavras do próprios Shinohara, a tradição pode oferecer um ponto de partida para a criação, mas nunca um objetivo. Isto é demonstrado pela sua evolução, ao contrário de muitos de seus contemporâneos, à procura de um estilo onde os elementos internos e estruturais tradicionais são tratados com uma vocação narrativa inquestionável.
É importante esclarecer a utilização do conceito de estilo por Shinohara. Em uma cultura onde o "estilo" (yoshiki) refere-se à decoração mais do que ao universo construído, Shinohara propõe a definição de um estilo arquitetônico que evolui e se caracteriza principalmente pela materialidade de seus trabalhos. O estilo é entendido a partir de um ponto de vista praticamente literário, em contraposição ao enredo (que poderia ser o programa, no caso da arquitetura), e como a base da estrutura criativa do projeto. Se é verdade que o estilo avança em galopes triunfais, enquanto o enredo o acompanha arrastando os pés logo atrás (citação de John Banville citada por Enrique Vila-Matas), Shinohara não hesita em construir sua narrativa dando importância a um estilo que ele irá progressivamente depurando em seus projetos.
Toda a arquitetura de Shinohara reflete as suas inquietações. Enquanto seus primeiros trabalhos parecem recuperar aspectos da arquitetura e da tectônica tradicional japonesa até a arquitetura moderna, seus últimos trabalhos refletem sua fascinação com o caos da cidade contemporânea (de Tóquio especialmente) e por sua composição aleatória. As casas de Shinohara não devem a sua forma à função desempenhada. Expressam as ficções, os desafios poéticos que o arquiteto deseja colocar a serviço dos moradores: eu adotei a posição militante de tentar descobrir que coisas, ao ser expressadas nos pequenos espaços da habitação, dão apoio espiritual aos residentes com o crescimento terrível do poder da sociedade tecnológica contemporânea.
Da beleza estrutural da pequena Casa Umbrella (1959-1961) até a linguagem fragmentada e surpreendente da casa Tenmei (1986-1988), agora temos a oportunidade de redescobrir a numerosa produção doméstica de Shinohara, a maioria na região da grande Tóquio. Podemos nos emocionar com o pilar em madeira da Casa Branca (1964-1966), ou com o anti-espaço inclinado da casa Tanikawa (1972-1974), refotogradas após a morte do arquiteto. Podemos entender os elementos da arquitetura japonesa, cheio de referências simbólicas, manipulados por Shinohara em busca de novos significados e novas emoções, sem comprometer a funcionalidade doméstica. Em suma, percebemos a poesia da arquitetura. Ou, talvez, sua ficção.
Sobre el autor
David Hernández Falagán é arquiteto (ETSAB), mestre em Teoria e História (ETSAB) e profesor do Máster Laboratorio de la Vivienda del siglo XXI.