O pátio escolar é, para muitos de nós, um local de boas recordações da infância e adolescência no ambiente escolar. Este é o espaço onde o convívio entre os alunos se dá de forma espontânea, principalmente no horário de “recreio”, essencialmente para atividades de lazer e ócio. No entanto, será o pátio escolar apenas um local de “respiro” antes, entre ou pós-aula? Poderia este espaço ter um papel didático-pedagógico em complementação ou substituição ao ambiente tradicional de aprendizado da sala de aula? Que outras utilidades este espaço livre poderia ter também para a comunidade local? Qual o seu significado para a cidade? Como os espaços livres podem ser qualificados e valorizados?
Nesta publicação muito bem organizada por professores pesquisadores da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ), os autores ressaltam a importância muito maior do pátio escolar dentro do contexto do ambiente de aprendizagem da escola (processo pedagógico) e do espaço urbano (apropriação de áreas livres). Os textos selecionados pelos organizadores foram elaborados por especialistas de várias formações (arquitetos, engenheiros agrônomos, pedagogos e psicólogos) nas áreas de Avaliação Pós-Ocupação, Paisagismo, Psicologia Ambiental entre outras afins, compreendendo discussões de caráter multidisciplinar.
Apesar de sua importância, este assunto possivelmente nunca teve uma abordagem tão ampla e tão aprofundada, tanto sob o ponto de vista de sistemas de espaços livres escolares como da relação ambiente-comportamento dos usuários deste espaço.
Como é possível perceber na leitura dos textos, a abordagem do tema é necessariamente transdisciplinar e, além dos profissionais que lidam com o ambiente construído, envolve, compulsoriamente, profissionais da educação e a comunidade local.
Conclui-se que ainda não há uma inserção sistemática dos espaços livres nas discussões de âmbito pedagógico de políticas públicas para a educação básica no Brasil. Pergunta-se: de quem deveria partir esta iniciativa? Como deveriam ser determinados os espaços pedagógicos? Quem faz a ponte entre o profissional que elabora os espaços, o educador e o usuário? Não é possível dizer que os textos fornecem respostas a todas essas perguntas, mas com certeza, fornecem pistas dos caminhos a serem seguidos por pesquisadores e formadores de opinião.
O livro organizado em três partes apresenta, além de estudos de reconhecidos pesquisadores brasileiros que participaram do I Workshop GAE/SEL/PROLUGAR no Rio de Janeiro em 2010, textos resultantes de pesquisas realizadas no âmbito de um projeto de pesquisa que envolve três grupos de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Grupo Ambiente-Educação (GAE), Qualidade do Lugar e Paisagem (PROLUGAR) e Sistemas de Espaços Livres no Rio de Janeiro (SEL-RJ)), com apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
A primeira parte (Conceituação: o papel dos espaços livres no cotidiano das escolas: uso e apropriação), composta de cinco textos muito ricos em discussões conceituais, nos fazem refletir sobre a importância da apropriação dos pátios escolares e dos demais espaços livres pelos usuários na formação dos cidadãos desde os primeiros anos de vida, assim como sobre a forma de integração destes espaços à cidade.
Já na segunda parte (Avaliação: observando a qualidade do lugar dos pátios escolares), os três textos apresentam diferentes estudos realizados sobre os espaços livres existentes em escolas públicas, respectivamente, em São Paulo, Natal e Rio de Janeiro. Nestes estudos são discutidas as relações entre ambiente e comportamento, por meio da aplicação de uma diversidade de instrumentos de avaliação centrados na pessoa e no ambiente. Os estudos revelam diferentes abordagens que podem ser utilizadas para avaliação da qualidade destes espaços em uso.
A terceira parte do livro (Projeto: concepção dos pátios escolares e a constituição do lugar) é constituída de três textos, dos quais dois relatam o processo e os resultados de experiências projetuais; um terceiro texto analisa o processo de projeto de escolas. Um dos textos sobre experiências projetuais descreve o desenvolvimento de um projeto participativo para construção de espaços livres em mutirão numa escola em Nairóbi, no Quênia. Este texto divulga as técnicas adotadas no processo e seus reflexos na apropriação dos espaços livres pelos seus usuários. A outra importante experiência apresentada é de uma série de projetos de escolas municipais de educação infantil na cidade do Rio de Janeiro, executados recentemente, com a preocupação de proporcionar condições para realização de atividades educativas também nas suas áreas livres. Por sua vez, no terceiro texto, o processo de projeto de escolas adotado pelo Estado de São Paulo é analisado, com ênfase nos espaços livres. Os autores propõem aprimoramentos no processo, com base na experiência de profissionais projetistas, introduzindo maior flexibilidade ao programa, considerando as particularidades de cada projeto e sua relação com o meio urbano, especialmente no que se refere às relações com espaços internos e externos.
Os textos são apresentados de forma clara e didática, com amplas e importantes referências bibliográficas, que além de fundamentarem cada um dos estudos, possibilitam o aprofundamento sobre os assuntos correlatos pelos leitores mais interessados.
Neste momento atual em que se verifica o destacado crescimento econômico deste país no cenário mundial e o iminente risco deste desenvolvimento ser limitado pela falta de recursos humanos qualificado em todos os campos de atuação, é necessário refletir sobre como arquitetos podem contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica no Brasil. A qualidade do espaço escolar pode não ser o mais importante fator para o aprimoramento da qualidade do ensino, assim como para garantir a permanência dos alunos nos bancos escolares; no entanto, ela pode ser motivadora do processo não só para os alunos como também para os professores, funcionários e para a comunidade local. A forma didático-pedagógica tradicional, do ensino em sala de aula, também deve ser revisada, com a valorização de outros espaços, principalmente daqueles livres e abertos, considerando os benefícios trazidos por experiências didáticas extra-salas. É evidente que não basta o projetista oferecer esses novos espaços sem que existam docentes qualificados e preparados para promover o uso e a ocupação dos mesmos para fins didáticos. Sempre haverá o uso espontâneo de espaços livres para atividades de lazer. No entanto, se mal projetados ou mal ocupados, estes espaços também podem exercer efeito negativo e trazer prejuízos aos usuários e à comunidade. Como integrar os agentes envolvidos no processo de projeto, uso e ocupação, e requalificação desses espaços? Esta publicação pioneira nos oferece subsídios para iniciar a discussão, partindo do universo acadêmico, mas que certamente não pode ficar restrita a este.
sobre a autora
Rosaria Ono, professora associada (livre-docente) da FAU USP, mestre pela Universidade de Nagoya (Japão) e doutora pela FAU USP, onde é docente desde 2003. Atua junto ao Grupo de Pesquisa CNPq “Qualidade e Desempenho no Ambiente Construído” e tem como linhas de pesquisa a Avaliação Pós-Ocupação, a Segurança em Edificações (de uso, contra incêndio e patrimonial) e Acessibilidade Física de Edificações.