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reviews online ISSN 2175-6694


abstracts

português
Gênero e arquitetura moderna: construções sociais. Resenha do livro “Women and the Making of the Modern House: A Social and Architectural History” (Alice T. Friedman, 1998).

english
Gender and Modern Architecture: Social Constructions. “Women and the Making of the Modern House: A Social and Architectural History” (Alice T. Friedman, 1998).

español
Género y arquitectura moderna: construcciones sociales. Reseña del libro “Women and the Making of the Modern House: A Social and Architectural History” (Alice T. Friedman, 1998).

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NÓBREGA, Lívia Morais. Gênero e arquitetura moderna: construções sociais. Sobre as invisíveis proprietárias das residências modernas. Resenhas Online, São Paulo, ano 15, n. 176.05, Vitruvius, ago. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/15.176/6157>.


Em novembro de 2015 tive a oportunidade de conhecer a Meca dos amantes da metrópole moderna: Chicago (IL, USA). Assim como meus contemporâneos, a multiplicidade de caminhos e expressões arquitetônicas gerou um carinho especial pelo Movimento Moderno, manifestação sólida, verdadeira e – literalmente – concreta, na formação e atuação destes arquitetos.

O incêndio de 1871, que destruiu uma área de 9km2 da cidade, abriu espaço para a experimentação em larga escala de novos materiais, técnicas e estéticas, em parte responsável pelo que conhecemos por Escola de Chicago (1). A peregrinação pela cidade-escola se dá em diversas esferas – urbanística, paisagística e arquitetônica; escalas – da rua, do bairro, da cidade e do território; e modais – a pé, de bicicleta, de metrô, de táxi, de trem e de avião (afinal é espantosa a cidade sem fim que se vê do céu). É indescritível o impacto espacial provocado pela experiência do seu traçado ortogonal, planejado por Daniel Burnham para a World’s Columbian Exposition, pontuado pelos colossais edifícios do próprio Burnham, de Adler & Sullivan, Holabird & Roche, Burnham & Root, Bertrand Goldberg e Skidmore Owings & Merril. Contudo, são as obras de Frank Lloyd Wright e Mies Van der Rohe que, inevitavelmente, fazem saltar ainda mais os olhos (e o coração) dos amantes da arquitetura moderna.

Foi na ocasião da visita às obras de Mies (860-880 Lake Shore Drive Apartments, Crown Hall/IIT e Farnsworth House, em Plano, Illinois), na loja da fundação Farnsworth, que tive contato com o livro Women and the Making of the Modern House: A Social and Architectural History, de Alice T. Friedman, 1998 (2). Esta resenha tem, portanto, o intuito de tornar disponível um material em português sobre o livro, como também de avançar sobre o que já existe sobre este (3).

A publicação está estruturada em Introdução; seis capítulos isolados, onde cada um conta a história de uma residência do período moderno sob a ótica de quem as encomendou – neste caso, todas proprietárias mulheres; e Conclusão, que traça algumas perspectivas a partir dos anos 1970.

Na introdução, onde a autora apresenta breves análises de casas distintas que dão o tom dos demais capítulos, um questionamento apresenta o argumento do livro: por que clientes mulheres independentes foram poderosas catalisadoras de inovações na arquitetura doméstica? (4) Este argumento é reforçado por uma segunda questão que busca entender porque um significativo número de casas inovadoras construídas na Europa e América do Norte no século 20 foram encomendadas por mulheres. De fato, o livro só responde a primeira pergunta. O título pode gerar expectativas sobre um panorama mais amplo da arquitetura moderna do ponto de vista das mulheres, o que não acontece devido à limitação de casos, de classes sociais e de localizações geográficas, mas o livro lança luz sobre esta segunda questão a partir da análise de seis importantes exemplares, alguns conhecidos por leigos, outros apenas por especialistas.

Com foco preciso e escritos de forma envolvente devido à ênfase social e histórica que a autora coloca em cada narrativa, os seis capítulos analisam as seguintes residências: Hollyhock House (Frank Lloyd Wright, 1920-22), Schröder House (Gerrit Rietveld, 1923-24), Villa Stein-de Monzie (Le Corbusier, 1926-28), Farnsworth House (Mies Van der Rohe, 1945-51), Perkins House (Richard Neutra, 1953-55) e Vanna Venturi House (Robert Venturi, 1961-64).

Projetadas por arquitetos centrais do Movimento Moderno, o foco de Friedman são as proprietárias, até então invisibilizadas, destas residências. Seus perfis fogem às convenções da época, com suas insatisfações e necessidades específicas e suas peculiares relações com seus arquitetos. Cada uma delas tinha um perfil singular para a época, cuidadosamente descritos no livro, embora em geral tivessem condições econômica e socialmente privilegiadas. Aline Barnsdall era uma polêmica produtora de teatro de vanguarda, mãe solteira e de família abastada, a quem Wright dedicou um bom espaço em sua autobiografia. Truus Schröder era uma viúva, mãe de três filhos, e desenhou o projeto de sua casa em parceria com Rietveld, com quem teve um relacionamento. Gabrielle de Monzie, mãe solteira, viveu na mesma casa que o casal Michael e Sara Stein, que provavelmente viram na arquitetura de Le Corbusier uma modernidade equivalente a da pintura de Henri Matisse, que retratou o casal. Edith Farnsworth era uma médica solteira que tinha admiração por Mies e armou uma situação para conhecê-lo num jantar, onde ofereceu o seu terreno para o projeto (5). Constance Perkins era uma professora de arte solteira e admiradora de Richard Neutra, que conheceu ao convidar para uma conferência sobre arte e arquitetura, e com quem desenvolveu um bom processo de condução do projeto, através de listas detalhadas que fornecia ao arquiteto. Vanna Venturi, na altura viúva, era a mãe do seu próprio arquiteto, o jovem Robert Venturi.

O livro pode não satisfazer quem espera encontrar reflexões mais específicas sobre a questão do gênero na arquitetura. Embora haja várias menções sobre o fato de que as proprietárias, mulheres independentes com composições familiares não convencionais, interferiram diretamente no espaço e forma destas residências e forneceram terreno criativo para seus arquitetos. Além dos já conhecidos paralelos entre a Schröder House e as pinturas de Piet Mondrian, o fato de Truus Schröder ser uma jovem viúva com três filhos diz muito mais sobre a planta livre e os painéis deslizantes que ora dividem, ora unificam os espaços, e favorecem o controle, do que a estética do movimento De Stijl.

Outras duas passagens importantes sobre questões de gênero e sexualidade merecem ser destacadas. Ainda na introdução a autora levanta a hipótese de que as casas de mulheres que viviam juntas como amigas e aquelas de casais de lésbicas eram iguais do ponto de vista espacial. Isso porque estas mulheres, parceiras ou não, trabalhavam dentro e fora da casa e suas relações eram baseadas em cumplicidade e igualdade, o que requeria tanto espaços de maior privacidade quanto de maior sociabilidade. Este argumento é ilustrado com o projeto de reforma da casa de Eleanor Raymond (Boston, 1924), organizada em três pequenos apartamentos que se encaixam nessa descrição, onde viviam um grupo de seis amigas, casais e não casais, incluindo a parceira de Eleanor, Ethel Power.

No capítulo sobre a Farnsworth House, único onde a autora faz uma comparação com um exemplo externo, Friedman traça um paralelo entre a casa de Edith e a Glass House, que o arquiteto Philip Johnson projetou para si (New Canaan, Connecticut, 1949). Para além do fato de serem ambas casas de vidro, Friedman sugere que a casa Farnsworth teria funcionado de maneira bem diferente se o seu proprietário fosse um homem e toma como base o exemplo da Glass House para ilustrar seu argumento. Uma das maiores queixas de Edith era a falta de privacidade do espaço, que sofreu a adição de um banheiro íntimo talvez para tentar sanar este aspecto e cujas persianas nunca foram instaladas, de acordo com a vontade de Mies, que parece não ter atentado para as especificidades de sua cliente. Enquanto que a Glass House, embora possua os princípios semelhantes, previu uma guest house para Johnson e seus amigos gays, independente da casa e sem aberturas para o exterior, com uma espacialidade e decoração que vão de encontro a casa-tipo da família de classe média americana.

Porém, o olhar de Friedman para estas mulheres vai além do seu gênero e sexualidade e adentra em outros aspectos que compunham a personalidade destas clientes. A visão de Aline Barnsdall sobre o teatro vanguarda, que para ela deveria ser em um espaço aberto, em contato com a natureza e de acesso livre à população, fez com que Wright se debruçasse sobre o estudo de projetos de teatros clássicos gregos e romanos, cujos valores se expressam nos pátios, jardins e arquibancadas que compõem a casa. E a receptividade de Richard Neutra às sugestões de Constance Perkins, incorporando-as ao projeto de sua casa, como a necessidade de um local de trabalho, estão mais ligadas ao seu status de professora universitária de arte, do que ao seu gênero.

Apesar do protagonismo das proprietárias na configuração destas residências, em alguns casos pode-se perceber um comportamento mais incisivo por parte dos arquitetos no que diz respeito à priorização de suas próprias convicções em detrimento das demandas de suas clientes. A conhecida polémica entre Edith Farnworth e Mies Van der Rohe, que já foi acusado de ter feito uma casa para si próprio e não para sua cliente, impondo até mesmo o mobiliário e objetos a serem utilizados, que chegou a ir a tribunal, devido ao alto custo da obra. Atritos por causa da imposição do mobiliário por parte do arquiteto também aconteceram entre Le Corbusier e os Stein-de Monzie. Wright também deixa transparecer em sua autobiografia o que realmente pensava destas clientes. Para ele, o fato de serem mulheres as tornava suscetíveis a opiniões externas, o que nem sempre contribuía para o desenvolvimento do projeto e da obra. Contudo, Wright também impõe sua visão de mundo à sua cliente ao rejeitar qualquer influência do teatro europeu, que fez parte da formação e era admirado por Aline, recorrendo apenas ao teatro clássico combinado com valores da cultura americana.

A conclusão do livro traça algumas perspectivas do cenário que se desenvolve após os anos 1970. O capítulo inicia otimista, apontando os avanços na conquista de direitos e o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho. Mas, do ponto de vista da produção de arquitetura residencial, o aumento do custo de vida para homens e mulheres, além de desigualdades que persistem – como as diferenças na remuneração entre homens e mulheres e a sobrecarga de responsabilidade familiar das mulheres perante os homens – fez cair o número de pessoas que com condições de adquirir casa própria. Contratar um arquiteto se tornou um artigo de luxo. Entretanto, a análise de apenas duas, mas significativas, residências contemporâneas construídas para clientes mulheres independentes e com filhos sugerem novas formas de interpretação do programa doméstico, sendo elas: a Bergren House (Thom Mayne e Michael Rotondi, 1985, Venice, California) e a Drager House (Franklin D. Israel, 1994, Berkeley, California). Dos dois casos, Friedman extrai lições para futuros projetos de arquitetura doméstica, como a importância da colaboração entre clientes, usuários e arquiteto no processo de projeto e a ampla possibilidade de escolhas que o balanço entre espaços público e privado, para atividades individuais ou coletivas, destas residências oferece a seus moradores.

“A experiência arquitetônica não é simplesmente física e estética mas também cultural, e é através do corpo culturalmente construído que a mente e o espírito de um indivíduo são alcançados. É por esta razão que o gênero importa para a concepção arquitetônica, e é por isso que casas construídas para mulheres que desafiaram as convenções nos ensinam importantes lições sobre o poder da arquitetura” (6).

Após estes exemplos, que desafiaram as relações espaciais entre público e privado, entre masculino e feminino, e individual e coletivo, fica evidente que, tão preciosas quanto as teorizações sobre gênero e arquitetura, as maiores contribuições deste livro são: o olhar renovado que ele nos fornece sobre obras de arquitetura moderna já bastante conhecidas; a importância da relação entre espaço e sociedade ilustrada em cada caso; e, principalmente, uma clara metodologia de abordagem da história da arquitetura, sobretudo moderna. Foi esta mensagem principal deixada pelo livro que motivou o título e o desenvolvimento desta resenha, a noção de que ambos, gênero e arquitetura, são construções sociais, e de que devemos constantemente desconstruí-las para melhor compreendê-las, pessoas, arquitetura e as relações entre elas.

notas

1
The Chicago Architecture Foundation; KEEGAN, E. (author); OSMOND, L. J. (foreword). Chicago Architecture: 1885 to Today. New York: Universe Publishing, 2008.

2
FRIEDMAN, A. T. Women and the Making of the Modern House: A Social and Architectural History. New York: Harry N. Abrams, INC., 1998.

3
FRIEDMAN, A. T. Women and the Making of the Modern House: A Social and Architectural History. New York: Harry N. Abrams, INC., 1998. Resenha de: ADAMS, A. Journal of the Society of Architectural Historians, Vol. 57, No. 4, p. 474-476, Dez. 1998. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/991469>. Acesso em: 6 mar. 2016.

4
Tradução livre da autora.

5
Segundo contam os guias da Farnsworth Foundation durante a visita a casa.

6
Tradução livre da autora.

sobre a autora

Lívia Morais Nóbrega é Professora Assistente do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Desenvolvimento Urbano (MDU/UFPE, 2012), Arquiteta e Urbanista (UFPE, 2009), com passagem pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP, Portugal, 2007-08, 2010-11).

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resenha do livro

Women and the Making of the Modern House

Women and the Making of the Modern House

A Social and Architectural History

Alice T. Friedman

1998

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