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abstracts

português
A autora resenha o livro Sobre Fotografia de Susan Sontag. Destaca a atualidade da abordagem de Sontag em tempos de variadas ferramentas e meios de difusão da fotografia.

english
The author reviews the book On Photography, by Susan Sontag. She remarks the present time of Sontag’s point of view in these times of a variety of implements and Medias to the diffusion of photography.

how to quote

LORDELLO, Eliane. Sobre fotografia. O ensaio de uma paixão humaníssima segundo Susan Sontag. Resenhas Online, São Paulo, ano 15, n. 169.05, Vitruvius, jan. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/16.169/5912>.


“O que é humanidade? É um predicado que as coisas possuem, em comum, quando vistas como fotos”
Susan Sontag, Sobre fotografia, p. 127

Fotografia como experiência

Li há muito tempo, e releio sempre que posso, este que considero um clássico do estudo da fotografia  –  o livro Sobre Fotografia, da romancista, ensaísta e crítica Susan Sontag. Nesses tempos em que fotografia é obtida pelos mais diversos aparelhos e difundida pelos mais variados suportes, o livro de Sontag é cada vez mais atual.

A autora é a escritora e crítica americana que tem vários livros publicados no Brasil, tais como os romances Na América, O Amante do Vulcão, e o livro de ensaios Questão de Ênfase, todos publicados pela Companhia das Letras. Sobre Sontag pessoalmente, o livro referência é o americano Susan Sontag: The Making of an Icon, de Carl Rollyson e Lisa Paddock.

Já no início do livro, Sontag define a fotografia como “experiência capturada”, e a câmera como “o braço ideal da consciência em sua disposição aquisitiva” (nota 1, p. 14). Seguindo este pensamento, fotografar é experimentar, participar, e os desdobramentos dessa experiência são memorialísticos.  Para Sontag, “um modo de atestar a experiência, tirar fotos é também uma forma de recusá-la – ao limitar a experiência em uma imagem um suvenir” (p. 20) (e o que é um suvenir senão um objeto que materializa uma memória?).

Fotografia e viagem

Com o pensamento acima, Sontag introduz uma reflexão sobre a relação entre a fotografia e a viagem. Segundo tal reflexão, viajar se torna uma estratégia de acumular fotos, sendo a própria atividade de fotografar terapêutica, por tranquilizar e mitigar sentimentos de desorientação que podem advir durante uma viagem. Para Sontag, esse procedimento atrai especialmente pessoas submetidas a uma ética cruel de trabalho, o que ela exemplifica com povos como alemães, japoneses e americanos. Para essas pessoas, a culpa por não estar trabalhando seria atenuada pelo que chama de uma “imitação amigável do trabalho”: tirar fotos.

Estendendo a abordagem aos animais e ao novamente ao turismo, Sontag comenta o hábito do safári fotográfico, que estaria tomando lugar do safári na África Oriental, consolidando-se como hábito muito atual. Diante da câmera, “feras reais, sitiadas e raras demais para serem mortas”, deixam de ser criaturas das quais deveríamos nos proteger. A natureza, ameaçada, é que precisa de proteção contra as pessoas. Em substância: “Quando temos medo, atiramos, quando ficamos nostálgicos, tiramos fotos” (p. 20).

Sontag detém-se, em dado momento, à experiência da fotografia no caso específico da América do Norte, e remarca como a fotografia foi domesticada nesta parte do continente americano. A propósito, cita o caso da empresa Kodak, que implantou placas na entrada de muitas cidades com uma lista do que fotografar. Além disso, no caso dos parques nacionais, havia placas assinalando os locais “em que os visitantes deveriam empunhar suas câmeras” (p. 79-80).

Fotografia, história, tempo e memória

Para Sontag, a época atual é de nostalgia, algo que os fotógrafos fomentam, ativamente, a seu ver.  A fotografia, afirma Sontag, é uma “arte elegíaca, uma arte crepuscular”, e aqui vale a transcrição direta de seu pensamento:

“A maioria dos temas fotografados tem, justamente em virtude de serem fotografados, um toque de páthos. [...] Todas as fotos são memento mori. Tirar uma foto é participar da mortalidade, da vulnerabilidade e da mutabilidade de outra pessoa (ou coisa). Justamente por cortar uma fatia desse momento e congelá-la, toda foto testemunha a dissolução implacável do tempo” (p. 26).

Essa reflexão se estende às cidades na memória fotográfica. Sontag cita o caso de Atget.  Aqui cumpre lembrar que Walter Benjamim refletiu primorosamente sobre Atget.

Com o advento das técnicas de reprodutibilidade técnica da obra de arte, tais como a fotografia, aumenta consideravelmente a exposição da obra de arte. Nesse processo, o valor concedido à obra de arte muda, e novas funções colocam-se para ela, o que Benjamin explica como segue, ilustrando com o cinema.

“Com efeito, assim como na pré-história a preponderância absoluta do valor de culto conferido à obra levou-a a ser concebida em primeiro lugar como instrumento mágico, e só mais tarde como obra de arte, do mesmo modo a preponderância absoluta conferida hoje ao seu valor de exposição atribui-lhe funções inteiramente novas, entre as quais a ‘artística’, a única de que temos consciência, talvez se revele mais tarde como secundária. Uma coisa é certa: o cinema nos fornece a base mais útil para examinar essa questão” (1).

No momento em que Benjamin teorizava sobre a reprodutibilidade técnica, os recursos técnicos de que se dispunha para veiculação da arte eram apenas o cinema e a fotografia. Esses meios abriram novas formas de perceber e de receber a arte. Sobre o papel do cinema nesse processo são significativas as palavras do filósofo alemão. Disse Benjamin: “Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas – é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido” (2).

Quanto ao papel da fotografia nesse processo, foi assim definido pelo filósofo alemão: “Com a fotografia, o valor de culto começa a recuar, em todas as frentes, diante do valor de exposição” (3). Benjamin relembra que o retrato fora o principal tema das fotografias, e afirma que o rosto humano foi a última trincheira do valor de culto. Na expressão fugaz dos rostos retratados nas antigas fotos, o filósofo alemão flagra o último aceno da aura. A seu ver, é quando o “homem” – esse foi o termo usado por Benjamin – se retira das fotos, que o valor de exposição vem a superar pela primeira vez o valor de culto. Para Benjamin, Eugene Atget (1857-1927) radicalizou esse processo com as suas fotografias de ruas vazias de Paris, feitas em 1900. A importância desse trabalho do fotógrafo francês foi assim aquilatada pelo filósofo alemão:

“Com Atget, as fotos se transformam em autos no processo da história. Nisso está sua significação política latente. Essas fotos orientam a recepção num sentido predeterminado. A contemplação livre não lhes é adequada. Elas inquietam o observador, que pressente que deve seguir um caminho definido para se aproximar delas. Ao mesmo tempo, as revistas ilustradas começam a mostrar-lhe indicadores de caminho – verdadeiros ou falsos, pouco importa. Nas revistas, as legendas explicativas se tornam pela primeira vez obrigatórias” (4).

A passagem acima, além de elucidativa da mudança do valor de culto para o de exposição, denota uma mudança de estatuto da fotografia, pela inserção de uma nova temática. Trata-se da entrada da cidade como tema principal da foto, o que concede ao espaço urbano uma nova visibilidade, agregando-lhe, por conseguinte, um valor de exposição. Esse valor aplica-se tanto a monumentos da cidade quanto aos seus mais simples recantos, valorados que passam a ser pela sua exposição em fotografia. Além disso, depreendemos nessas palavras a concessão por Benjamin de um valor de historicidade a essas fotos, por ele designadas como autos da história. Por fim, tal passagem demonstra ainda como essa mudança de temática torna-se instrumento de transformação na mídia impressa, forçando a entrada das legendas sob as fotografias.

Para Sontag, a Paris de Atget e Brassaï (5) desapareceu em sua maior parte, e as fotos dos arrabaldes agora devastados e das regiões rurais desfiguradas suprem o que ela chama de “nossa relação portátil com o passado” (nota i, p. 26). Em sua portabilidade, essas fotos, para a  ensaísta, são comparáveis às fotos dos álbuns de família, que exorcizam, a seu ver, parte da angústia e do remorso pelo desaparecimento das pessoas.

Além disso, Sontag relaciona a dualidade de presença e ausência na fotografia ao seu potencial onírico, à maneira de Bachelard (6), comparando uma foto ao fogo da lareira, como sendo os dois estímulos para o sonho. Mais ainda, evoca o que chama de uso “talismânico” das fotos. É um uso que, a seu ver, exprime um sentimento implicitamente mágico: a tentativa de contatar ou pleitear outra realidade. Como exemplo desse uso, a autora evoca o caso da foto de um astro do rock pregado acima da cama de um adolescente.

Ainda do ponto de vista da memória, Sontag notabiliza a fotografia por ser cada foto um momento privilegiado convertido em um objeto diminuto que as pessoas podem preservar e olhar diversas vezes. Nesse aspecto, a fotografia se torna também um forte objeto de sensibilização.  Dentro dessa ótica, a autora distingue a fotografia da televisão, que trabalha por um fluxo em que cada imagem cancela a precedente. Deixemos que as palavras de Sontag exemplifiquem essa distinção:

“Fotos como a que esteve na primeira página de muitos jornais do mundo em 1972 – uma criança sul-vietnamita nua, que acabara de ser atingida por napalm americano, correndo por uma estrada na direção da câmera, de braços abertos, gritando de dor – provavelmente contribuíram mais para aumentar o repúdio público contra a guerra do que cem horas de barbaridades exibidas pela televisão” (p. 28).

Fotografia e realidade

Tanto quanto as pinturas e os desenhos, a fotos são uma interpretação do mundo, escreve Sontag. Mas, argumenta a autora, por meio de fotos, o mundo se torna uma série de partículas independentes, avulsas. A câmera, por sua vez, torna a realidade atômica, manipulável e opaca, e a foto confere a cada momento o caráter de mistério, reflete. Em suma: “A sabedoria suprema da imagem fotográfica é dizer: ‘Aí está a superfície. Agora, imagine – ou, antes, sinta, intua – o que está além, o que deve ser a realidade, se ela tem este aspecto’” (p. 33).

Adverte ainda que a fotografia não apenas reproduz o real, recicla-o, pois, na forma de fotos, coisas e fatos recebem novos usos, destinados a novos significados. É o real ficando parecido com a fotografia. Este o movimento do “primitivismo moderno”, para usar os termos de Sontag. Em substância, “a fotografia significa: anotar potencialmente tudo no mundo, de todos os ângulos possíveis” (p. 192). A propósito, prossegue Sontag, as câmeras definem a realidade de duas maneiras essenciais para o funcionamento do que chama de uma sociedade industrial avançada: como um espetáculo, para as massas; e como um objeto de vigilância, para os governantes. Mas ressalva que a força das imagens fotográficas advém de serem elas próprias realidades materiais por si mesmas.

Sobre fotografia, melancolia e flânerie

Fortemente identificada com o voyeur,  a fotografia recebe de Sontag uma abordagem ligada à flânerie. Para Sontag, as descobertas do personagem flâneur de Baudelaire são diversificadamente exemplificadas pelo que chama de “singelos instantâneos” tirados na década de 1890 por Paul Martin (7), nas ruas de Londres e no litoral; por Arnold Genthe (8) no bairro de Chinatown em San Francisco; pela Paris de Atget (já abordado nesta resenha); a Paris de Brassaï (também já citado nesta resenha); e pelas fotos urbanas de Weegee (9).

Fotografia, valor e beleza

Fotografar, sentencia Sontag, é atribuir importância, portanto, valorar, distinguir. O que, contudo, não significa que a fotografia magnifique os seus temas, e mais adiante, conclui:

“As câmeras implementam uma visão estética da realidade por serem um brinquedo mecânico que estende a todos a possibilidade de fazer julgamentos desinteressados sobre a importância, o interesse e a beleza. (‘Isso daria uma boa foto.’) As câmeras implementam a visão instrumental da realidade por reunir informações que nos habilitam a reagir de modo mais acurado e muito mais rápido a tudo o que estiver acontecendo” (nota i, p.193).

Retratos

O retrato é entendido por Sontag como uma forma fotográfica de posse e violação, na medida em que a fotografia as vê como as próprias pessoas nunca se veem. A fotografia, conforme este pensamento, tem das pessoas um conhecimento que elas próprias nunca podem ter, transformando-as em objetos “que podem ser simbolicamente possuídos” (p. 25).

Para Sontag, fotografar pessoas é uma forma de visitá-las. E, em tempos de selfies, cumpre  destacar a questão do enquadramento, um requisito clássico dos retratos. Segundo Sontag, na retórica normal do retrato fotográfico, encarar a câmera significa solenidade, franqueza, desvelando a essência do tema. Por este motivo, assevera Sontag, a frontalidade parece correta no caso de fotos de cerimônias, como casamentos e formaturas.

Para o retrato de políticos, no entanto, é recomendável um olhar de viés, de três-quartos, em suma: “um olhar que plana em vez de confrontar, sugerindo ao espectador, em lugar da relação com o presente, uma relação mais abstrata e enobrecedora com o futuro” (p. 50).

Ainda relativamente ao tema do retrato, é candente a abordagem de Sontag sobre a relação da fotografia com o narcisismo. Vale dizer que a autora lembra que a fotografia tornou-se fundamental nas sociedades prósperas, perdulárias e inquietas.

Sobre o estatuto da fotografia e a questão da autoria

Por princípio, Sontag considera a fotografia um ato de não-intervenção, o que ela explica como segue:

“Parte do horror de lances memoráveis do fotojornalismo contemporâneo [...] decorre da consciência de que se tornou aceitável, em situações em que o fotógrafo tem de escolher entre uma foto e uma vida, opta pela foto. A pessoa que interfere não pode registrar; a pessoa que registra não pode interferir” (p. 22).

Sobre o estatuto da fotografia, Sontag o identifica com um toque de Midas:

“A fotografia, conquanto não seja uma forma de arte em si mesma, tem a faculdade peculiar de transformar todos os seus temas em obras de arte. Mais importante do que a questão de ser ou não a fotografia uma arte é o fato de que ela anuncia (e cria) ambições novas para a arte” (p. 164).

Nesse contexto, a questão autoral na fotografia é um assunto que sempre prevalece. Para Sontag, faz sentido uma pintura ser assinada e uma foto não, pois a própria natureza da fotografia implica uma relação equívoca do fotógrafo como autor. A propósito, remarca Sontag, “quanto maior e mais variada a obra de um fotógrafo talentoso, mais ela parece adquirir uma autoria antes corporativa do que individual” (p. 150).

E o nosso Euclides da Cunha...

Por fim, vale destacar o capítulo “Breve antologia de citações [homenagem a W. B.]”, em que, entre várias citações, surge uma do nosso Euclides da Cunha. Sontag cita toda a passagem de Os Sertões (1902), sobre a comissão que descobrira o cadáver de Antônio Conselheiro. Transcrevo, abaixo, apenas o trecho final da passagem citada pela escritora americana.

“Desenterram-no cuidadosamente. Dádiva preciosa – único prêmio, únicos despojos opimos de tal guerra! – faziam-se mister os máximos resguardos para que não se desarticulasse ou deformasse [...]. Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando a sua identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava, afinal, extinto aquele terribilíssimo antagonista” (p. 211).

notas

NE – Com título um pouco diferente e outro tradutor, o livro de Susan Sontag foi publicado no Brasil pela primeira vez em 1981, com segunda edição em 1983. Dados da edição original: SONTAG, Susan. Ensaios sobre a fotografia. Tradução de Joaquim Paiva. Rio de Janeiro, Arbor, 1981.

1
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense, 1985, p.173. Entre aspas no original.

2
Idem, ibidem, p. 174.

3
Idem, ibidem, p. 174. Em cursivo no original.

4
Idem, ibidem, p. 175.

5
Brassaï (Gyula Halász, 1899-1984). Encyclopaedia Britannica, verbete <http://global.britannica.com/biography/Brassai>. Acesso em: 21 jan. 2016.

6
Cf. BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

7
Paul Martin (1864-1944). The Museum of Modern Art – MoMA, verbete <www.moma.org/collection/artists/3795?=undefined&page=1>. Acesso em: 21 jan. 2016

8
Arnold Genthe (1869-1942). Library of Congress, verbete <www.loc.gov/pictures/collection/agc>. Acesso em: 21 jan. 2016

9
Weegee (Arthur Fellig, 1899–1968) The Museum of Modern Art – MoMA, verbete <www.moma.org/collection/artists/1842?=undefined&page=1>. Acesso em: 21 jan. 2016

sobre a autora

Eliane Lordello, arquiteta e urbanista (UFES,1991), mestre em Arquitetura (UFRJ, 2003), doutora em Desenvolvimento Urbano na área de Conservação Integrada (UFPE, 2008), é arquiteta da Gerência de Memória e Patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo.

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Sobre fotografia

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Susan Sontag

2004

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